todos.
E acima de tudo gostava de ir a lugares onde ninguém mais podia ir
e de ver a extensão cinzenta de Winterfell de um modo que nunca
ninguém vira. Transformava todo o castelo no lugar secreto de Bran.
Seu local favorito era a torre quebrada. Antigamente tinha sido uma
torre de atalaia, a mais alta de Winterfell. Há muito tempo, cem anos
antes mesmo que seu pai tivesse nascido, um relâmpago a
incendiara. O terço superior da estrutura tinha tombado para dentro,
e a torre nunca fora reconstruída. Por vezes, seu pai mandava
caçadores de ratos até a base dela para limpar os ninhos que
encontravam sempre por entre a confusão de pedras caídas e traves
queimadas e podres. Mas agora nunca ninguém ia até o topo
irregular da estrutura, salvo Bran e os corvos.
Conhecia duas maneiras de chegar lá. Podia-se ir diretamente,
escalando o lado da própria torre, mas as pedras estavam soltas, a
argamassa que as mantivera juntas havia muito que tinha se
transformado em cinzas, e Bran nunca gostara de pôr todo seu peso
em cima delas.
A melhor maneira era partir do bosque sagrado, escalar a grande
sentinela, atravessar o armeiro e o salão dos guardas, saltando de
telhado em telhado descalço, para que os guardas não ouvissem.
Depois disso, estava-se no lado oculto da Primeira Torre, a mais
antiga parte do castelo, uma fortaleza quadrada e atarracada que era
mais alta do que parecia. Só ratos e aranhas ali viviam agora, mas as
velhas pedras ainda davam uma boa escalada. Podia-se ir diretamente
até o local onde as gárgulas se inclinavam, cegas, sobre o espaço
vazio, e balançar de gárgula em gárgula, uma mão depois da outra,
até o lado norte. Daí, caso se esticasse bem, podia alcançar a torre
quebrada e içar-se em direção a ela no lugar onde se inclinava para
mais perto. A última parte era engatinhar pelas pedras enegrecidas
até o ponto mais elevado, não mais que três metros, e então
chegariam os corvos, para ver se tinha trazido milho.
Bran estava passando de gárgula em gárgula com a facilidade de uma
longa prática quando ouviu as vozes. Ficou tão sobressaltado que
quase perdeu o apoio. A Primeira Torre estivera vazia toda sua vida.
- Não estou gostando - uma mulher dizia. Havia uma fileira de
janelas por baixo de Bran, e a voz saía da última janela daquele lado.
- Você é que devia ser a Mão.
- Que os deuses o proíbam - respondeu indolentemente uma voz
masculina. - Não é honra que eu deseje. Dá um trabalho desmedido.
Bran ficou ali, pendurado, à escuta, com medo de prosseguir. Eles
poderiam ver de relance seus pés se tentasse passar pela janela.
- Não vê o perigo em que isto nos coloca? - disse a mulher. - Robert
adora o homem como a um irmão.
- Robert quase não tem estômago para os irmãos. Não que o
censure. O Stannis seria suficiente para dar uma indigestão a
qualquer um.
- Não se faça de tolo. Stannis e Renly são uma coisa, Eddard Stark é
outra totalmente diferente. Robert escutará Stark. Malditos sejam
ambos. Eu devia ter insistido para que ele o nomeasse, mas tinha
certeza, de que Stark lhe diria não.
- Deveríamos agradecer por nossa sorte - disse o homem. - O rei
podia perfeitamente ter nomeado um de seus irmãos, ou mesmo o
Mindinho, que os deuses nos protejam. Dê-me inimigos honrados em
vez de ambiciosos e dormirei melhor à noite.
Bran compreendeu que falavam de seu pai. Quis ouvir mais. Mais
alguns pés... mas o veriam se balançasse na frente da janela.
— Teremos de vigiá-los cuidadosamente - disse a mulher.
- Eu preferiria vigiar você - disse o homem, soando aborrecido. -
Volte aqui.
- Lorde Eddard nunca mostrou nenhum interesse em nada que
acontecesse ao sul do Gargalo - disse a mulher. - Nunca. Escute-me
bem, ele planeja uma jogada contra nós. Por que turro motivo
aceitaria abandonar a sede do seu poder?
- Por cem motivos. O dever. A honra. Deseja escrever seu nome em
letras grandes no livro rk História, fugir da mulher ou ambas as
coisas. Talvez não queira mais do que estar quente por ama vez na
vida.
- A mulher é irmã da Senhora Arryn. É um milagre que Lysa não
esteja aqui para nos receber com suas acusações.
Bran olhou para baixo. Havia um estreito parapeito por baixo da
janela, só com algumas polegadas de largura. Tentou abaixar-se até
lá. Estava longe demais. Nunca o alcançaria.
- Aborrece-se em demasia. Lysa Arryn é uma vaca assustada,
- Essa vaca assustada partilhava a cama dejon Arryn.
- Se soubesse alguma coisa, teria ido falar com Robert antes de fugir
de Porto Real.
- Depois de já termos concordado em criar aquele fracote do seu
filho em Rochedo Casterly? Não me parece. Ela sabia que a vida do
rapaz ficaria refém do seu silêncio. Mas pode se tornar mais ousada,
agora que está a salvo no topo do Ninho da Águia.
- Mães - o homem fez a palavra soar como uma praga. - Acho que
dar à luz faz qualquer coisa às vossas mentes. São todas loucas - ele
riu, um som amargo. - Que a Senhora Arryn se torne tão ousada
quanto desejar. Seja o que for que ela sabe, seja o que for que ela
pensa que sabe, rio tem provas - fez uma pausa momentânea. - Ou
será que tem?
- Você julga que o rei precisará de provas? - disse a mulher, - Já te
disse que ele não me ama.
- E quem tem culpa disso, querida irmã?
Bran estudou o parapeito. Podia cair. Era demasiado estreito para
aterrisar nele, mas se conseguisse se segurar ao passar por ele e
depois içar-se... Mas isso faria barulho e os traria até a janela. Não
tinha certeza do que estava ouvindo, mas sabia que não se destinava
aos seus ouvidos.
- É tão cego como Robert - dizia a mulher,
- Se quer com isso dizer que vejo as mesmas coisas, então, sim -
disse o homem. - Vejo um homem que mais depressa morreria do
que trairia seu rei.
—Já traiu um, ou será que se esqueceu? - disse a mulher. - Ah, não
nego que ele é leal ao Robert, isto é óbvio. O que acontecerá quando
Robert morrer e Joff subir ao trono? E, quanto mais depressa isso
acontecer, mais seguros estaremos todos. Meu marido fica dia a dia
mais inquieto. Stark a seu lado só o fará ficar pior. Ainda ama sua
irmã, a insípida miudinha morta de dezesseis anos. Quanto tempo
demorará para decidir me pôr de lado em favor de alguma nova
Lyanna?
Bran ficou de súbito muito assustado. Nada mais desejava do que
regressar pelo caminho de onde tinha vindo e ir à procura dos
irmãos. Mas o que poderia dizer a eles? Compreendeu que tinha de
se aproximar mais. Tinha de ver quem estava falando.
O homem suspirou.
- Devia pensar menos no futuro e mais nos prazeres próximos.
- Para com isso! - disse a mulher.
Bran ouviu o súbito som de carne batendo em carne, e em seguida o
riso do homem. Bran içou-se, escalou a gárgula, rastejou para o
telhado. Era a maneira mais fácil. Deslocou-se ao longo do telhado
até a gárgula seguinte, que ficava mesmo por cima da janela do