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ligeiro e fresco como o beijo de um amante ao deslizar

suavemente entre seus lábios.

Depois, Dany mandou todos embora para que pudesse preparar

Khal Drogo para a sua última cavalgada às terras da noite.

Lavou-lhe o corpo e escovou e oleou seus cabelos, fazendo

correr os dedos por eles uma última vez, sentindo-lhes o peso,

recordando a primeira vez que os tocara, na noite da cavalgada

de casamento. Seus cabelos nunca foram cortados. Quantos

homens podiam morrer sem nunca terem cortado os cabelos?

Submergiu o rosto neles e inalou a escura fragrância dos óleos.

Cheirava a erva e a terra quente, a fumaça, a sêmen e a

cavalos. Cheirava a Drogo. Perdoa-me, sol da minha vida,

pensou. Perdoa-me por tudo o que fiz e por tudo o que

tenho de fazer. Paguei o preço, minha estrela, mas foi alto

demais, alto demais...

Dany entrançou seus cabelos, prendeu seus anéis de prata no

bigode e pendurou as campainhas, uma a uma. Tantas

campainhas, de ouro, prata e bronze. Campainhas para que os

inimigos o ouvissem chegar e ficassem fracos de medo. Vestiu -

o com calções de pelo de cavalo e botas altas, afivelando à

cintura um pesado cinto de medalhões de ouro e prata. Sobre

seu peito marcado por cicatrizes, enfiou um colete pintado,

velho e desbotado, aquele de que Drogo mais gostava. Para si

escolheu calças largas de sedareia, sandálias atadas até o meio

da perna e um colete como o de Drogo.

O sol estava descendo quando voltou a chamá-los para levarem

o corpo dele até a pira. Os dothrakis observaram em silêncio

quando Jhogo e Aggo o trouxeram da tenda. Dany os seguia.

Depositaram-no nas almofadas e sedas, com a cabeça voltada

para a Mãe das Montanhas, lá longe para nordeste,

- Óleo - ordenou ela, e trouxeram os jarros e despejaram o óleo

sobre a pira, empapando as sedas, os arbustos e os feixes de

mato seco, até que pingou sob as toras e o ar ficou rico de fra-

grâncias. - Tragam-me os meus ovos - ordenou Dany às aias.

Algo na sua voz as fez correr.

Sor Jorah pegou-lhe no braço.

- Minha rainha, Drogo não terá nenhuma utilidade para ovos

de dragão nas terras da noite. E melhor vendê-los em Asshai.

Venda um, e poderá comprar um navio que nos leve de volta

para as Cidades Livres. Venda os três, e será uma mulher

abastada até o fim dos seus dias.

- Não me foram dados para vender - disse-lhe Dany.

Subiu ela mesma na pira para colocar os ovos em volta do seu

sol-e-estrelas. O negro junto ao coração, debaixo do braço. O

verde ao lado da cabeça, com a trança enrolada nele. O creme

e dourado entre as pernas. Quando o beijou pela última vez,

Dany sentiu a doçura do óleo em seus lábios.

Ao descer da pira, reparou que Mirri Maz Duur a observava.

- É louca - disse roucamente a esposa de deus.

- Há assim tão grande distância entre a loucura e a sabedoria?

- perguntou Dany. - Sor Jorah, ate esta maegi à pira.

- À pir... minha rainha, não, escute-me...

- Faça o que eu digo - mesmo assim, ele hesitou até que a ira

dela flamejou. - Jurou me obedecer, acontecesse o que

acontecesse. Rakharo, ajude-o.

A esposa de deus não gritou quando a arrastaram para a pira

de Khal Drogo e a prenderam entre os seus tesouros. Foi a

própria Dany quem despejou o óleo na cabeça da mulher.

- Agradeço-lhe, Mirri Maz Duur - disse -, pelas lições que me

ensinou.

- Não me ouvirá gritar - respondeu Mirri enquanto o óleo lhe

pingava da cabeça e ensopava as suas roupas.

- Ouvirei - disse Dany -, mas o que quero não são os seus

gritos, só a sua vida. Lembro-me do que me disse. Só a morte

pode pagar pela vida - Mirri Maz Duur abriu a boca, mas não

respondeu. Ao se afastar, Dany viu que o desprezo tinha

desaparecido dos olhos negros e achatados da maegi', no seu

lugar havia algo que poderia ser medo. Depois, nada ficou por

fazer, a não ser observar o sol e procurar a primeira estrela.

Quando um senhor dos cavalos morre, seu cavalo é morto com

ele, para que possa montar orgulhoso nas terras da noite. Os

corpos são queimados a céu aberto, e o khal ergue-se na sua

montaria de chamas para ocupar o seu lugar entre as estrelas.

Quanto mais ferozmente o homem tiver queimado em vida,

mais brilhante sua estrela será na escuridão.

Jhogo a viu primeiro.

- Ali - disse ele numa voz abafada. Dany olhou e a viu, baixa,

no leste. A primeira estrela era um cometa que ardia,

vermelho. Vermelho de sangue; vermelho de fogo; a cauda do

dragão. Não poderia ter pedido um sinal mais forte.

Dany tirou o archote da mão de Aggo e o enfiou entre as

toras. O óleo pegou fogo de imediato, os arbustos e o mato

seco um instante depois. Minúsculas chamas correram pela

madeira como velozes ratos vermelhos, patinando sobre o óleo

e saltando de casca em ramo, de ramo em folha. Um calor que

aumentava soprou-lhe no rosto, suave e súbito como o hálito

de um amante, mas em segundos se tornara quente demais

para suportar. Dany deu um passo atrás, A madeira estalou,

cada vez mais alto. Mirri Maz Duur começou a cantar numa

voz estridente e ululante.

As chamas rodopiaram e contorceram-se, fazendo corridas

umas com as outras pela plataforma acima. O ocaso ondulou

quando o próprio ar pareceu liquefazer-se com o calor. Dany

ouviu toras que se fendiam e estalavam. O fogo envolveu Mirri

Maz Duur. A canção dela tornou-se mais sonora, mais

estridente... e então arquejou, uma vez e outra, e a canção

transformou-se num lamento trêmulo, agudo, sonoro e cheio

de agonia.

E agora as chamas chegavam ao seu Drogo, e o rodeavam por

completo. Suas roupas pegaram fogo, e por um instante o khal

ficou vestido com farrapos de flutuante seda cor de laranja e

elos de fumaça rodopiante, cinzenta e oleosa. Os lábios de

Dany abriram-se, e ela deu por si prendendo a respiração.

Parte de si queria ir com ele, como Sor Jorah temera, correr

para as chamas para lhe pedir perdão e introduzi-lo no seu

corpo uma última vez, deixando o fogo derreter a carne até se

tornarem um só, para sempre.

Conseguia sentir o cheiro de carne queimada, em nada

diferente da carne de cavalo assando numa fogueira. A pira

rugia no crepúsculo que se aprofundava como um grande

animal, afogando o som mais fraco dos gritos de Mirri Maz

Duur e projetando longas línguas de fogo para lamber a

barriga da noite. Quando a fumaça se tornou mais espessa, os

dothrakis se afastaram, tossindo. Grandes gotas de fogo cor de

laranja desenrolaram seus estandartes naquele vento infernal,

com as toras silvando e estalando, e fagulhas brilhantes

erguendo-se na fumaça e afastando-se, flutuando como outros

tantos vaga-lumes recém-nascidos. O calor batia o ar com

grandes asas vermelhas, afastando os dothrakis, afastando até

Mormont, mas Dany ficou no seu lugar. Era do sangue do