quarto onde os dois conversavam.
- Todo este falatório está se tornando muito cansativo, irmã - disse o
homem. - Venha cá e se cale.
Bran sentou-se na gárgula com uma perna para cada lado, apertou-as
em redor dela e deslizou até ficar de cabeça para baixo. Pendurou-se
pelas pernas e esticou a cabeça lentamente até a janela. O mundo
parecia estranho de pernas para o ar. Um pátio nadava
vertiginosamente lá embaixo, com as lajes ainda úmidas da neve
derretida.
Bran olhou pela janela.
Dentro do quarto, um homem e uma mulher lutavam. Estavam
ambos nus. Bran não conseguia ver quem eram. As costas do homem
estavam voltadas para ele, e seu corpo ocultou a mulher quando ele
a empurrou contra a parede,
Ouviam-se sons suaves e úmidos. Bran percebeu que se beijavam.
Observou, assustado e de olhos esbugalhados, com a respiração
apertada na garganta. O homem tinha uma mão entre as pernas da
mulher, e a devia estar machucando, porque ela começou a gemer,
com voz profunda.
- Para - disse ela - para, para. Ah, por favor... - mas a voz era baixa e
fraca, e ela não o empurrava para longe. As mãos enterraram-se nos
emaranhados cabelos dourados dele e puxaram--lhe o rosto para o
peito.
Bran viu-lhe o rosto. Os olhos dela estavam fechados e a boca aberta,
gemendo. Os cabelos moviam-se de um lado para o outro quando a
cabeça dela se deslocava para a frente e para trás, mas, mesmo
assim, reconheceu a rainha.
Deve ter feito algum ruído. De súbito, os olhos dela abriram-se e
fitaram-no. Ela gritou.
Então, tudo aconteceu ao mesmo tempo. A mulher empurrou
precipitadamente o homem, gritando e apontando. Bran tentou içar-
se, dobrando-se sobre si próprio ao tentar alcançar a gárgula. Mas o
fez com muita pressa. A mão arranhou inutilmente a pedra lisa, e no
seu pânico as pernas deslizaram e, de repente, viu-se caindo. Houve
um instante de vertigem, um desamparo nauseante quando a janela
passou por ele. Esticou a mão, agarrou o parapeito, perdeu-o, voltou
a agarrá-lo com a outra mão. Bateu com força no edifício. O impacto
tirou-lhe o fôlego. Bran ficou suspenso por uma mão, arquejando.
Rostos surgiram na janela acima dele,
A rainha. E agora Bran reconhecia o homem a seu lado. Eram tão
parecidos como reflexos num espelho.
- Ele nos viu - disse a mulher com voz esganiçada.
- Pois viu.
Os dedos de Bran começaram a deslizar. Agarrou o parapeito com a
outra mão. Suas unhas enterraram-se na pedra dura. O homem
estendeu um braço.
- Agarre a minha mão - disse. - Antes que caia.
Bran agarrou-lhe o braço com toda sua força. O homem o puxou até
o umbral.
- Que está fazendo? - quis saber a mulher.
O homem a ignorou. Era muito forte. Pôs Bran em pé sobre o
parapeito.
- Que idade tem, rapaz?
- Sete anos - disse Bran, tremendo de alívio. Seus dedos tinham
marcado profundas estrias no braço do homem. Largou-o,
envergonhado.
O homem olhou para a mulher.
- As coisas que faço por amor - disse, com repugnância. Deu um
empurrão em Bran.
Gritando, Bran caiu da janela de costas para o vazio. Nada havia a
que se pudesse agarrar. O pátio correu ao seu encontro.
Em algum lugar, ao longe, um lobo uivava. Corvos voavam em
círculos sobre a torre quebrada, esperando por milho.
Tyrion
Em algum lugar no grande labirinto de pedra de Winterfell um lobo
uivou. O som pairou sobre o castelo como uma bandeira de luto.
Tyrion Lannister ergueu os olhos dos seus livros e estremeceu,
apesar de a biblioteca estar quente e aconchegante. Há algo no uivar
de um lobo que tira um homem do seu aqui e agora e o deposita
numa floresta escura da mente, correndo nu à frente da matilha.
Quando o lobo gigante voltou a uivar, Tyrion fechou o pesado livro
encadernado a couro que estava lendo, um discurso com cem anos
de um meistre há muito morto sobre a mudança das estações.
Cobriu um bocejo com as costas da mão. Sua lanterna de leitura
bruxuleava, com o óleo quase gasto, enquanto a luz da madrugada se
esgueirava pelas janelas elevadas. Tinha passado a noite inteira lendo,
mas nada havia de novo. Tyrion Lannister não era homem de dormir
muito.
Quando deslizou do banco, sentiu as pernas rígidas e doloridas.
Devolveu-lhes alguma vida com uma massagem e mancou
pesadamente até a mesa onde o septão ressonava baixinho, com um
livro aberto a servir-lhe de almofada. Tyrion deitou um olhar de
relance ao título. Não admirava: era uma biografia do Grande Meistre
Aethelmure.
- Chayle - disse, em voz baixa. O jovem ergueu-se de um salto,
pestanejando, confuso, com o cristal de sua ordem balançando
vigorosamente na ponta de sua corrente de prata. - Vou quebrar o
jejum. Trate de pôr os livros de volta nas prateleiras. Tome cuidado
com os rolos valirianos, porque o pergaminho está muito seco. O
Máquinas de Guerra de Ayrmidon é bastante raro, e a sua é a única
cópia completa que já vi - Chayle olhou-o de boca aberta, ainda meio
adormecido. Pacientemente, Tyrion repetiu as instruções, depois deu
ao septão uma palmada no ombro e o deixou com suas tarefas.
No exterior, Tyrion encheu os pulmões com o ar frio da manhã e
começou sua laboriosa descida dos íngremes degraus de pedra que se
enrolavam em torno do exterior da torre da biblioteca. Era um
avanço lento; os degraus eram altos e estreitos, ao passo que as
pernas eram curtas e torcidas. O sol nascente ainda não iluminava os
muros de Winterfell, mas os homens já estavam muito ativos no
pátio, lá embaixo. A voz áspera de Sandor Clegane vagueou até seus
ouvidos.
- O rapaz leva muito tempo para morrer. Gostaria que se fosse logo.
Tyrion olhou para baixo de relance e viu o Cão de Caça em pé ao
lado de Joffrey, enquanto escudeiros formigavam em redor.
- Pelo menos morre em silêncio - respondeu o príncipe. - E o lobo
que faz barulho. Quase não consegui dormir esta noite.
Clegane lançou uma longa sombra sobre a terra bem batida quando
seu escudeiro levantou o elmo negro sobre sua cabeça.
- Posso silenciar a criatura, se o agraciar - disse através do visor
aberto. O ajudante colocou-lhe uma espada na mão. Clegane testou o
seu peso cortando o ar frio da manhã. Atrás dele, o pátio ressoava
com o som estridente de aço a bater em aço.
A idéia pareceu encher o príncipe de prazer.
- Mandar um cão matar um cão! - exclamou. - Winterfell está tão
infestado de lobos que os Stark nunca se darão conta da falta de um.
Tyrion saltou do último degrau para o pátio.
- Permita-me discordar, sobrinho - disse. - Os Stark são capazes de
contar até seis. Ao contrário de certos príncipes que eu poderia citar.
Joffrey teve pelo menos a educação de corar.
- Uma voz vinda de lugar algum - disse Sandor. Espreitou através do
elmo, olhando para um lado e para outro. - Espíritos do ar!
O príncipe riu, como ria sempre que o guarda-costas fazia aquela
farsa de pantomimeiro. lyrion já estava habituado.
- Aqui embaixo.
O homem alto espreitou para o chão e fingiu reparar nele.
- O pequeno senhor Tyrion - disse. - As minhas desculpas. Não o vi