mijar do limite do mundo.
Cersei se pôs abruptamente em pé.
- As crianças não têm de ouvir esta nojeira. Tommen, Myrcella,
venham - Cersei saiu da sala re estar em passo vivo, seguida pela
cauda do vestido e pelas crias.
Jaime Lannister observou o irmão, pensativo, com seus frios olhos
verdes,
- Stark nunca consentirá em abandonar Winterfell com o filho
pairando sob as sombras da morte.
- Ele consentirá se Robert ordenar - disse Tyrion. - E Robert
ordenará. De qualquer forma, não há nada que Lorde Eddard possa
fazer pelo filho.
- Poderia pôr fim ao seu tormento - disse Jaime. - Era o que eu faria
se fosse meu filho. Seria um ato de misericórdia.
- Aconselho-o que não sugira essa idéia a Lorde Eddard, meu querido
irmão - disse Tyrion.
- Ele não a receberá de bom grado.
- Mesmo que o rapaz sobreviva, será um aleijado. Pior que um
aleijado. Uma coisa grotesca. Eu preferiria uma morte boa e limpa.
Tyrion respondeu com um encolher de ombros que acentuou o
modo como eram torcidos.
- Falando em nome das coisas grotescas - disse -, permito-me
discordar. A morte é terrivelmente final, ao passo que a vida está
cheia de possibilidades.
Jaime sorriu.
- Você é um duendezinho perverso, não é?
- Ah, sim - admitiu Tyrion. - Espero que o rapaz acorde. E vou ficar
muito interessado em ouvir o que ele pode ter a dizer.
O sorriso do irmão coagulou como leite azedo.
- Tyrion, meu querido irmão - disse ele em tom sombrio -, há
momentos em que você me dá motivo para duvidar de que lado
esteja.
A boca de Tyrion estava cheia de pão e de peixe. Bebeu um trago da
forte cerveja preta para empurrar tudo para baixo e dirigiu a Jaime
um sorriso de lobo.
- Ora, Jaime, meu querido irmão - disse -, assim você me magoa. Bem
sabe como amo minha família.
Jon
Jon subiu os degraus devagar, tentando não pensar que aquela podia
ser a última vez. Fantasma caminhava em silêncio ao seu lado. Lá
fora, a neve rodopiava através dos portões do rasteio, e o pátio era
um lugar de barulho e caos, mas dentro das espessas paredes de
pedra ainda havia calor e silêncio. Muito silêncio para o gosto de Jon.
Chegou ao patamar e ficou ali por um longo momento, com medo.
Fantasma encostou o focinho em sua mão e Jon conseguiu coragem
por causa do contato. Endireitou-se e entrou no quarto.
A Senhora Stark estava lá, junto à cama. Estivera ali, noite e dia, ao
longo de quase quinze dias. Nem por um momento abandonara a
cabeceira de Bran. Ordenara que as refeições lhe fossem trazidas, e
também os banhos e uma pequena cama dura para dormir, embora
se dissesse que quase não tinha dormido. Ela própria o alimentava
com a mistura de mel, água e ervas que lhe sustentava a vida. Nem
uma vez deixara o quarto. Por isso Jon mantivera-se afastado.
Mas agora não havia mais tempo.
Parou à porta por um momento, com medo de falar, de se
aproximar. A janela estava aberta, lá embaixo um lobo uivava.
Fantasma o ouviu e ergueu a cabeça.
A Senhora Stark olhou para ele. Por um momento não pareceu
reconhecê-lo. Por fim, pestanejou.
- O que você está fazendo aqui? - perguntou numa voz
estranhamente monótona e despida de emoção.
- Vim ver Bran - Jon respondeu. - Dizer-lhe adeus,
O rosto dela não se alterou. Seus longos cabelos ruivos estavam
opacos e emaranhados. Parera ter envelhecido vinte anos.
- Acabou de dizer. Agora, vá embora.
Parte dele só desejava fugir, mas sabia que se o fizesse podia nunca
mais ver Bran. Deu um nervoso passo para dentro do quarto.
- Por favor - ele pediu.
Algo frio se moveu nos olhos dela.
- Eu disse para sair. Não o queremos aqui.
Tempos atrás, aquilo o teria posto a correr, até talvez o tivesse feito
chorar. Mas agora só o neixou zangado. Seria em breve um Irmão
Juramentado da Patrulha da Noite, e enfrentaria peri-ps maiores que
Catelyn Tully Stark.
- Ele é meu irmão - disse.
- Terei de chamar os guardas?
- Chame-os - disse Jon, em desafio. - Não pode me impedir de vê-lo -
atravessou o quarto, mantendo a cama entre ele e a Senhora Stark, e
olhou para Bran.
Ela segurava uma das mãos do filho. Parecia uma garra. Este não era
o Bran de que Jon se lembrava. A carne tinha desaparecido toda. A
pele esticava-se, apertada, sobre ossos espetados. Por baixo do
cobertor, as pernas dobravam-se de uma maneira que o enchia de
náusea. Os olhos estavam profundamente afundados em poços
negros; abertos, mas nada viam. A queda de algum modo o
encolhera. Quase parecia uma folha, como se o primeiro vento forte
o fosse levar para a tumba.
E, no entanto, sob a frágil gaiola daquelas costelas estilhaçadas, o
peito subia e descia a cada respiração pouco profunda.
- Bran - disse Jon -, lamento não ter vindo antes. Tive medo -
conseguia sentir as lágrimas rolarem pelo rosto. Já não se importava.
- Não morra, Bran, Por favor. Estamos todos à espera que você
acorde. Robb e eu, e as meninas, todos...
A Senhora Stark observava. Não tinha gritado pelos guardas, e Jon
tomou o fato por aceitação. Fora da janela, o lobo gigante voltou a
uivar. O lobo a que Bran não tivera tempo de pôr um nome.
- Tenho agora de ir embora - disse Jon. - Tio Benjen está à espera.
Vou para o Norte, para a Muralha. Temos de partir hoje, antes da
chegada das neves - lembrou-se de como Bran estivera excitado com
a perspectiva da viagem. O pensamento de deixá-lo para trás assim
era mais do que conseguia suportar. Jon limpou as lágrimas,
inclinou-se e deu um beijo ligeiro nos lábios do irmão.
- Eu quis que ele ficasse aqui comigo - disse a Senhora Stark em voz
baixa.
Jon a observou, desconfiado. Ela nem sequer o olhava. Não estava
falando para ele, mas para uma parte de si, era como se ele nem
estivesse no quarto.
- Rezei para que isso acontecesse - disse ela em voz baça. - Ele era o
meu rapazinho especial. Fui até o septo e rezei sete vezes aos sete
rostos de deus para que Ned mudasse de idéia e o deixasse aqui
comigo. Por vezes as preces são respondidas.
Jon não sabia o que dizer.
- A culpa não foi da senhora - conseguiu falar, depois de um silêncio
incômodo. Os olhos dela o encontraram. Estavam cheios de veneno.
- Não me faz falta a sua absolvição, bastardo.
Jon baixou os olhos. Ela embalava uma das mãos de Bran. Ele pegou
na outra e a apertou. Dedos como ossos de pássaro.
- Adeus - ele se despediu.
Já tinha chegado à porta quando ela o chamou.
- Jon - ele devia ter continuado a andar, mas ela nunca antes o
chamara pelo nome. Virou-se e a viu olhando-o no rosto, como se o
visse pela primeira vez.
- Sim? - ele respondeu,
- Deveria ter sido você - ela disse, e então voltou a virar-se para Bran
e começou a chorar, todo o corpo a estremecer com os soluços, Jon
nunca antes a vira chorar.
Foi uma longa descida até o pátio.
Lá fora, tudo era barulho e confusão. Carregavam-se carroças,
homens gritavam, eram postas armaduras e selas em cavalos que
eram tirados da cavalariça. Começara a cair uma neve ligeira, e toda