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cidade - informou Illyrio certa noite na mansão que pertencera a

Drogo, entre bandejas de pato com mel e laranjas-pimenta. O khal

juntara-se a seu khalasar, e sua propriedade fora oferecida a

Daenerys e ao irmão até o casamento.

- É melhor que casemos depressa a Princesa Daenerys, antes que

entreguem metade da riqueza de Pentos a mercenários e sicários -

brincou Sor Jorah Mormont. O exilado pusera a espada a serviço do

irmão de Dany na noite em que fora vendida a Khal Drogo; Viserys

aceitara-a com avidez. Mormont tornara-se desde então uma

companhia constante.

Magíster Illyrio soltou uma ligeira gargalhada através da barba

bifurcada, mas Viserys nem sequer sorriu.

- Pode tê-la amanhã, se assim desejar - disse o príncipe. Olhou de

relance para Dany e ela abaixou os olhos. - Desde que pague o preço.

Illyrio ergueu uma mão lânguida, fazendo cintilar anéis nos seus

gordos dedos,

- Já lhe disse, tudo está acertado. Confie em mim. O khal lhe

prometeu uma coroa, e a terá.

- Sim, mas quando?

- No momento que o khal escolher - Illyrio respondeu. - Ele terá

primeiro a donzela, e depois do casamento terá de fazer sua

procissão pela planície para apresentá-la a dosh khaleen em Vaes

Dothrak. Talvez depois disso. Se os presságios favorecerem a guerra.

Viserys fervilhou de impaciência.

- Eu cago nos presságios dothrakis. O Usurpador está sentado no

trono de meu pai. Quanto tempo terei de esperar?

Illyrio encolheu os enormes ombros.

- Já esperou a maior parte da vida, grande rei. Que são mais alguns

meses, mais alguns anos? Sor Jorah, que viajara para o leste até Vaes

Dothrak, concordou com um aceno.

- Aconselho-o a ser paciente, Vossa Graça. Os dothrakis cumprem

com a palavra dada, mas fazem as coisas ao seu próprio ritmo. Um

homem inferior pode suplicar um favor ao khal, mas nunca deve ter

a presunção de censurá-lo.

Viserys eriçou-se.

- Cuidado com a língua, Mormont, ou ainda acabará por ficar sem

ela. Não sou nenhum homem inferior, sou o Senhor de direito dos

Sete Reinos. O dragão não suplica.

Sor Jorah baixou respeitosamente os olhos. Illyrio deu um sorriso

enigmático e arrancou uma asa do pato. Mel e gordura escorreram-

lhe pelos dedos e pingaram-lhe na barba quando mordiscou a carne

tenra. Já não há dragões, pensou Dany, de olhos fixos no irmão,

embora não se atrevesse a dizê-lo em voz alta.

Apesar disso, naquela noite sonhara com um. Viserys batia nela, a

machucava. Ela estava nua, atrapalhada de medo. Fugiu dele, mas o

corpo parecia pesado e desajeitado. Ele bateu nela de novo. Ela

tropeçou e caiu. "Você acordou o dragão", gritava ele enquanto lhe

dava pontapés. Acordou o dragão, acordou o dragão." Tinha as coxas

escorregadias de sangue. Fechou os olhos e choramingou. Como que

em resposta, ouviu-se um hediondo som de rasgar e o estalar de um

grande fogo. Quando voltou a olhar, Viserys tinha desaparecido,

grandes colunas de chamas trguiam-se por toda a parte e, no meio

delas, estava o dragão. Virou lentamente a grande cabeça, guando os

olhos fundidos do animal encontraram os dela, acordou, tremendo e

coberta por uma fina película de suor. Nunca tivera tanto medo..

... Até o dia em que seu casamento por fim chegou.

A cerimônia iniciou-se de madrugada e prosseguiu até o crepúsculo,

um dia que parecia não ter fim de bebida, comida e luta. Um

monumental talude de terra fora erguido entre os palácios de erva e

Dany foi colocada ali sentada, ao lado de Khal Drogo, sobre o

fervente mar de dothrakis. Nunca vira tantas pessoas no mesmo

lugar, nem pessoas tão estranhas e assustadoras. Os senhores dos

cavalos podiam vestir tecidos ricos e usar doces perfumes quando

visitavam as Cidades Livres, mas a céu aberto mantinham os velhos

costumes. Tanto os homens quanto as mulheres trajavam

vestimentas de couro pintado sobre os peitos nus e polainas de pelo

de cavalo cilhadas por cintos com medalhões de bronze, e os

guerreiros untavam suas longas tranças com gordura que tiravam de

fossas abertas. Empanturravam-se de carne de cavalo assada com mel

e pimentões, bebiam leite fermentado de égua e os vinhos delicados

de Illyrio até cair e cuspiam ditos de espírito uns aos outros, por

cima das fogueiras, com vozes ásperas e estranhas aos ouvidos de

Dany.

Viserys estava sentado logo abaixo dela, magnífico numa túnica nova

de lã negra com um oragão escarlate no peito. Illyrio e Sor Jorah

sentavam-se ao seu lado. Era deles o lugar de maior honra, logo

abaixo dos companheiros de sangue do khal, mas Dany percebia a ira

nos olhos lilás do irmão. Não gostava de estar sentado abaixo dela, e

exasperava-se sempre que os escravos ofereciam os pratos primeiro

ao khal e à noiva, e lhe davam para escolher entre as porções que

eles recusavam. Nada podia fazer além de embalar o ressentimento, e

foi isso que fez, com o humor a tornar-se mais negro com o passar

das horas e dos insultos à sua pessoa.

Dany nunca se sentira tão só como enquanto esteve sentada no meio

daquela vasta horda. Seu irmão lhe dissera para sorrir, e portanto

sorriu até lhe doer o rosto e as lágrimas lhe subirem ros olhos sem

serem convidadas. Fez o melhor que pôde para escondê-las, sabendo

como Viserys ficaria zangado se a visse a chorar, aterrorizado com a

possível reação de Khal Drogo. Era-lhe trazida comida, peças

fumegantes de carne, grossas salsichas negras, tortas dothraki de

sangue, e mais tarde frutos, guisados de erva-doce e delicadas tortas

doces vindas das cozinhas de Pentos, mas afastou tudo com gestos.

Seu estômago dava voltas e sabia que não conseguiria manter nele

qualquer alimento.

Não havia ninguém com quem falar. Khal Drogo gritava ordens e

brincadeiras aos companheiros de sangue, e ria de suas respostas,

mas quase não olhava para o seu lado. Não tinham nenhuma língua

em comum. O dothraki era incompreensível para ela, e o khal sabia

apenas algumas palavras do valiriano adulterado das Cidades Livres,

e nem uma única do Idioma Comum dos Sete Reinos. Ela até teria

acolhido bem a conversa de Illyrio e do irmão, mas estavam dema-

siado afastados para ouvi-la.

E assim ali ficou, sentada em suas sedas nupciais, embalando uma

taça de vinho com mel, com medo de comer, falando em silêncio

consigo mesma. Sou do sangue do dragão, disse a si própria. Sou

Daenerys, Filha da Tormenta, Princesa da Pedra do Dragão, do

sangue e semente de Aegon, o Conquistador.

O sol estava apenas no primeiro quarto do céu quando viu o

primeiro homem morrer. Soavam tambores acompanhando algumas

das mulheres que dançavam para o khal. Drogo assistia sem

expressão, mas seus olhos seguiam-lhes os movimentos e, de vez em

quando, atirava-lhes um medalhão de bronze para que elas o

disputassem.

Os guerreiros também assistiam. Por fim, um deles entrou no

círculo, agarrou uma dançarina pelo braço, atirou-a no chão e

montou-a ali mesmo, como um garanhão monta uma égua. Illyrio