haviam decorado as paredes da sala de trono dos Targaryen. O rei
Robert os substituíra por estandartes e tapeçarias, mas Tyrion
insistira, até que encontrou os crânios na cave úmida e fria onde
tinham sido armazenados.
Esperava achá-los impressionantes, talvez mesmo assustadores, mas
não belos. Porém, eram. Negros como ônix, polidos até ficarem lisos,
o osso parecia tremeluzir à luz de seu archote. Sentiu que gostavam
do fogo. Atirara o archote para dentro da boca de um dos crânios
maiores e fizera as sombras saltar e dançar na parede atrás de si. Os
dentes eram longas facas curvas de diamante negro. A chama do
archote não era nada para eles; tinham-se banhado no calor de fogos
muito maiores. Quando se afastou, Tyrion podia jurar que as órbitas
vazias do animal o tinham visto partir.
Havia dezenove crânios. Os mais antigos tinham mais de três mil
anos; os mais recentes, não mais de século e meio. Estes últimos
eram também os menores: um par de crânios, não maiores que os de
mastins, e estranhamente deformados, tudo o que restava das
últimas duas crias nascidas em Pedra do Dragão. Eram os últimos
dos dragões Targaryen, talvez os últimos dragões em todo o mundo,
e não tinham vivido muito tempo.
A partir desses dois crânios, os outros aumentavam em tamanho até
os três grandes monstros das canções e das histórias, os dragões que
Aegon Targaryen e as irmãs tinham soltado sobre os Sete Reinos de
antigamente. Os poetas tinham-lhes atribuído nomes de deuses:
Balerion, Meraxes, Vhaghar. Tyrion estivera entre suas maxilas
escancaradas, sem palavras e cheio de respeitoso temor. Podia ter
entrado a cavalo pela garganta de Vhaghar, embora não fosse
possível voltar a sair, Meraxes era ainda maior. E o maior de todos,
Balerion, o Terror Negro, podia ter engolido um auroque inteiro, ou
até mesmo um dos mamutes peludos que diziam viver nas frias
extensões para lá do Porto de Ibben.
Tyrion ficou naquela cave úmida durante muito tempo, de olhos
fixos no enorme crânio de olhos vazios de Balerion, até o archote se
gastar, tentando abarcar o tamanho do animal vivo, imaginar a
aparência que podia ter tido quando estendia as grandes asas negras
e varria os céus, a exalar fogo.
Seu remoto antepassado, Rei Loren do Rochedo, tinha tentado lutar
contra o fogo quando uniu forças com o Rei Mern, da Campina, a
fim de se opor à conquista Targaryen. Isso acontecera havia perto de
trezentos anos, quando os Sete Reinos eram reinos, e não meras
províncias de um reino mais vasto. Entre ambos, os dois Reis tinham
seiscentos estandartes, cinco mil cavaleiros montados e dez vezes
esse número em cavaleiros livres e homens de armas. Diziam os
cronistas que Aegon, o Senhor dos Dragões, possuía talvez um
quinto dessa força, e que a maioria de seus homens tinha sido
recrutada das fileiras do último rei que matara, homens de fidelidade
incerta.
As tropas encontraram-se nas planícies da Campina, entre campos
dourados de milho pronto para a colheita. Quando os dois reis se
apresentaram, o exército Targaryen tremeu, estilhaçou-se e começou
a fugir. Por alguns momentos, escreviam os cronistas, a conquista
esteve por um fio... mas só por esses breves momentos, antes que
Aegon Targaryen e as irmãs se juntassem à batalha.
Foi a única vez que Vhaghar, Meraxes e Balerion foram todos soltos
ao mesmo tempo. Os poetas os chamaram o Campo de Fogo. Quase
quatro mil homens morreram queimados naquele dia, e entre eles
contava-se o Rei Mern da Campina, Rei Loren escapou e viveu tempo
suficiente para se render, prestar vassalagem aos Targaryen e gerar
um filho, fato que deixava Tyrion devidamente grato.
- Por que lê tanto?
Tyrion ergueu os olhos ao ouvir aquela voz. Jon Snow estava a alguns
pés de distância, olhando-o com curiosidade. Fechou o livro sobre
um dedo e disse:
- Olhe-me e diga o que vê.
O rapaz olhou-o com suspeita.
- Isto é algum truque? Vejo você. Tyrion Lannister.
Tyrion suspirou.
- Você é notavelmente gentil para um bastardo, Snow. O que vê é
um anão. Você tem o quê? Doze anos?
- Catorze - disse o rapaz.
- Catorze, e é mais alto do que alguma vez serei. Minhas pernas são
curtas e tortas, e caminho com dificuldade. Necessito de uma sela
especial para não cair do cavalo. Uma sela de minha própria
concepção, talvez te interesse saber. Era isso ou montar um pônei.
Meus braços são suficientemente fortes, mas, uma vez mais,
demasiado curtos. Nunca serei um espadachim. Se tivesse nascido
camponês, provavelmente me teriam expulsado para que morresse,
ou vendido para a coleção de aberrações de algum negociante de
escravos. Mas, ai de mim! Nasci um Lannister de Rochedo Casterly, e
as coleções de aberrações são das mais pobres. Esperam-se coisas de
mim. Meu pai foi Mão do Rei durante vinte anos. Aconteceu que,
mais tarde, meu irmão matou esse mesmo rei, mas minha vida está
cheia dessas pequenas ironias. Minha irmã casou-se com o novo rei e
o meu repugnante sobrinho será rei depois dele. Devo cumprir
minha parte pela honra da minha Casa, não concorda? Mas como?
Bem, poderei ter as pernas pequenas demais para o corpo, mas
minha cabeça é grande demais, embora eu prefira pensar que tem o
tamanho certo para minha mente. Possuo um entendimento realista
das minhas forças e fraquezas. A mente é a minha arma. Meu irmão
tem a sua espada, o Rei Robert, o seu martelo de guerra, e eu tenho
a mente... e uma mente necessita de livros da mesma forma que uma
espada necessita de uma pedra de amolar se quisermos que se
mantenha afiada - Tyrion deu uma palmada na capa de couro do
livro. - Ê por isso que leio tanto, Jon Snow.
O rapaz absorveu tudo aquilo em silêncio. Possuía o rosto dos Stark,
mesmo que não tivesse o nome: comprido, solene, reservado, um
rosto que nada revelava. Quem quer que tenha sido sua mãe, pouco
dela havia ficado no rapaz.
- E está lendo sobre o quê?
- Dragões - disse-lhe Tyrion.
- De que serve isso? Já não há dragões - disse o rapaz, com as fáceis
certezas da juventude.
- É o que dizem - respondeu Tyrion. - É triste, não é? Quando tinha
a sua idade, costumava sonhar em ter um dragão meu.
- Ah, sim? - perguntou o rapaz com suspeita na voz. Talvez pensasse
que Tyrion estava zombando dele.
- Ah, sim. Até um rapazinho enfezado, torcido e feio pode olhar o
mundo de cima quando está sentado no dorso de um dragão -
Tyrion afastou a pele de urso e pôs-se de pé. - Costumava acender
fogueiras nas entranhas de Rochedo Casterly e ficar horas olhando as
chamas, fazendo de conta que eram fogos de dragão. Por vezes
imaginava meu pai a arder. Outras, minha irmã - Jon Snow olhava-o
fixamente, submerso em partes iguais de horror e fascínio, Tyrion
soltou uma gargalhada rude. - Não me olhe assim, bastardo. Conheço
o seu segredo. Você sonhou o mesmo tipo de sonhos.
- Não - Jon Snow rebateu, horrorizado. - Nunca sonharia...
- Não? Nunca? - Tyrion ergueu uma sobrancelha, - Bem, sem dúvida