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AGRADECIMENTO

Embora esta seja uma obra de ficção, os ambientes são autênticos, e desejo externar a minha gratidão aos que tão generosamente contribuíram para as minhas pesquisas. Se, adaptando suas informações às exigências de um romance, julguei necessário ampliar e sintetizar certos elementos de tempo, assumo plena responsabilidade por isso. Dirijo o meu mais sincero reconhecimento a:

Dra. Margaret M. McCarron, direta médica adjunta - Condado de Los Angeles, Universidade do Sul da Califórnia. Reitor Brady, Escola de Farmácia da Universidade da Carolina do Sul. Dr. Gregory A. Thompson, diretor do Centro de Informações sobre Drogas - Condado de Los Angeles, Universidade do Sul da Califórnia. Dr. Berna W. Chulé, do Centro de Informações sobre Drogas - Condado de Los Angeles, Universidade do Sul da Califórnia.

Dra. Judy Flesh. Urs. Jãggi, Hoffmann-La Roche Co., A. G., Basiléia.

Dr. Gunter Siebel, Schering A. G., Berlim. Divisões de Investigação Criminal da Scotland Yard, Zurique e Berlim.

Charles Walford, Sotheby Parke Bernet, Londres.

E a Jorja, que torna tudo possível.

LIVRO PRIMEIRO

Capítulo 1

Istambul, Sábado, 5 de Setembro. 22 horas Estava sentado sozinho e no escuro, atrás da mesa de Hajib Kafir, com os olhos voltados para as janelas empoeiradas do escritório e os minaretes intemporais de Istambul. Era um homem que se sentia bem em uma dúzia de capitais do mundo, e Istambul era uma das suas favoritas. Não a Istambul para turistas da rua Beyoglu ou do espalhafatoso Bar Lalezab do Hilton, mas a Istambul dos recantos ocultos que só os muçulmanos conheciam: os yalis, os pequenos mercados além dos souks e o Telli Baba, o cemitério onde só uma pessoa estava enterrada e aonde ia gente para rezar em sua intenção. A espera do homem era marcada por uma paciência de caçador e pela absoluta imobilidade de que domina o corpo e as emoções. Era do País de Gales e tinha a beleza enigmática e tempestuosa dos seus antepassados. Cabelos pretos, rosto forte e olhos vivos, de um azul intenso. Tinha mais de um metro e oitenta de altura e o corpo de um homem que se mantinha em boas condições físicas. Os cheiros de Hajib Kafir impregnavam a sala - o seu fumo adocicado, o seu acre café turco e o seu corpo gordo e oleoso. Rhys Williams não dava atenção a esses odores. Estava pensando no telefonema que lhe haviam dado de Chamonix uma hora antes.

- Um terrível acidente! Creia que estamos todos arrasados, Sr. Williams. Tudo aconteceu com tanta rapidez que não houve chance de salvá-lo. O Sr. Roffe morreu instantaneamente.

Sam Roffe era presidente da Roffe and Sons, a segunda companhia de produtos farmacêuticos do mundo, uma dinastia de muitos milhões de dólares que se espalhava por todo o globo.

Era impossível acreditar na morte de Sam Roffe. O homem sempre fora muito dinâmico, cheio de vida e energia, sempre em movimento, dentro de aviões que o levavam a fábricas e escritórios da companhia através do mundo, onde resolvia problemas que os outros nem podiam enfrentar, criava novos conceitos e fazia todo mundo trabalhar mais e melhor.

Embora houvesse sido casado e tivesse uma filha, seu único interesse na vida haviam sido os negócios. Sam Roffe tinha sido um homem brilhante e extraordinário.

Quem poderia substituí-lo? Quem seria capaz de governar o imenso império que ele deixava? Roffe não havia escolhido um herdeiro legítimo. Também não havia pensado em morrer aos cinqüenta e dois anos. Sempre pensara que havia tempo de sobra. E agora o tempo estava esgotado. As luzes do escritório se acenderam de repente. Rhys Williams olhou para a porta, ofuscado por um momento.

- Sr.Williams! Não sabia que havia alguém aqui. Era Sophia, uma das secretárias da companhia, que era sempre designada para servir Williams quando ele estava em Istambul.

Turca, na casa dos vinte anos, tinha um belo corpo sensual, estonteante de promessas. Fizera Rhys saber, através de sutis e antigas sugestões, que estava à sua disposição para dar-lhe os prazeres que desejasse, na hora que quisesse, mas Rhys não se interessava. Sophia disse:

- Voltei para acabar algumas cartas para o Sr. Kafir. Acrescentou, então, com uma voz bem doce:

- Quem sabe se não posso também prestar-lhe algum serviço… Quando ela se aproximou da mesa, Rhys sentiu o cheiro almiscarado de um animal selvagem no cio.

- Onde está o Sr. Kafir? Sophia abanou a cabeça com pesar.

- Já foi e não volta mais hoje. Deseja alguma coisa? Alisou com as palmas das mãos macias e hábeis à frente do vestido. Tinha olhos negros e úmidos.

- Desejo, sim. Procure-o. - Não sei onde ele pode estar… - Tente o Kervansaray ou o Mermara. Estaria decerto no primeiro desses lugares, onde uma das amantes de Hajib Kafir apresentava a dança do ventre. Mas Kafir era imprevisível. Poderia até estar em casa junto com a mulher.

- Vou tentar, mas não sei se… - murmurou Sophia. -Diga a ele que, se não estiver aqui dentro de uma hora, será despedido. A expressão do rosto dela mudou.

- Vou ver o que posso fazer, Sr. Williams. Encaminhou-se para a porta.

- Apague a luz quando sair.

De qualquer maneira, era mais fácil ficar ali no escuro em companhia dos seus pensamentos. A imagem de Sam Roffe estava presente sempre. A escalada do monte Branco deveria ter sido fácil naquela época do ano, começo de setembro. Sam tinha tentado a empreitada anteriormente mas as tempestades o haviam impedido de chegar ao cimo.

- Desta vez vou cravar lá em cima a bandeira da companhia - dissera ele a Rhys.

E então houvera o telefonema de há pouco, quando ele se preparava para deixar o Pera Palace, onde estivera hospedado. Ouvia ainda a voz nervosa ao telefone. Estavam atravessando a geleira… Roffe falseara o pé e a sua corda se partira. Caíra numa fenda profunda. Rhys podia visualizar o corpo de Sam na colisão com o gelo implacável e a sua queda no abismo. Procurou então afastar a cena do espírito. Aquilo já era passado. O presente é que surgia repleto de preocupações. Era preciso comunicar a morte às pessoas da família de Sam Roffe, e elas estavam espalhadas por várias partes do mundo.

Tinha de ser uma comunicação pela imprensa. A notícia ia percorrer os círculos financeiros internacionais como uma crise financeira, era essencial que o impacto da morte de Sam Roffe fosse reduzido ao mínimo. Cabia a Rhys conseguir isso. Rhys Williams conhecera Sam Roffe havia nove anos.

Rhys tinha então, vinte e cinco anos e era gerente de vendas de uma pequena firma de produtos farmacêuticos. Era brilhante e gostava de inovar, tendo feito a firma se expandir. Com isso, a sua reputação havia crescido. Recebera uma proposta para trabalhar na Roffe and Sons, e, logo depois de recusá-la, soube que Sam Roffe comprara a companhia em que ele trabalhava e mandara chamá-lo. Ainda se lembrava do poder dominador de Sam Roffe naquele primeiro encontro.

- O seu lugar é aqui na Roffe and Sons - havia-lhe dito Sam Roffe. - Foi por isso que comprei aquela companhia trôpega em que você trabalhava. Rhys se sentiu lisonjeado e irritado ao mesmo tempo. - E se eu não quiser continuar? Sam Roffe sorrira e respondera, cheio de confiança: - Nós temos uma coisa em comum, Rhys. Somos ambiciosos. Queremos ser donos do mundo. E eu vou mostrar-lhe como se consegue isso. Essas palavras foram mágicas. Representavam a promessa de um banquete para a fome que ardia no íntimo de Rhys. De fato, ele sabia alguma coisa que Sam Roffe desconhecia. Rhys Williams não existia. Era um mito criado pela descrença, pela pobreza e pelo desespero.

Nasceu perto das jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen, nos retalhos vales vermelhos do País de Gales, onde camadas de arenito e depósitos de calcário e carvão em forma de pires rasgavam a terra verde. Cresceu em uma terra fabulosa, onde os próprios nomes exalavam poesias: Penderyn, Brecon, Pen-y Fan, Glyncorrwg e Maesteg.

Era uma terra de lenda, onde o carvão que se achava no fundo da terra se formara duzentos e oitenta milhões de anos antes, onde a paisagem fora, em outros tempos, coberta de tantas árvores que um esquilo poderia viajar do Farol de Brecon até o mar sem pousar as patas no chão. Mas a Revolução Industrial chegou e as belas árvores verdes foram abatidas pelos produtores de carvão vegetal para alimentar as fornalhas insaciáveis da industria do ferro. O garoto cresceu conhecendo heróis de outro tempo e de outro mundo, como Robert Farrer, queimado na fogueira pela Igreja Católica porque não quisera fazer votos de celibato e abandonar a mulher; como o rei Hywel, o Bom, que levara a lei ao País de Gales no século X; e como o destemido guerreiro Brychen, que gerara doze filhos e vinte e quatro filhas e resistira com bravura a todos os ataques ao seu reino. Era uma terra de histórias gloriosas aquela em que o garoto cresceu Mas nem tudo era glória. Os antepassados de Rhys haviam sido mineiros, e o jovem costumava ouvir os casos de sofrimentos que seu pai e seus tios contavam. Lembravam os terríveis tempos em que não havia trabalho, em que as ricas jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen foram fechadas em consequência de uma amarga luta entre as companhias e os mineiros e em que estes foram reprimidos por uma pobreza que corroeu a ambição e o orgulho, solapando o espírito e a força dos homens até fazê-los capitular. Quando as minas foram reabertas, houve outra espécie de inferno. Quase toda a família de Rhys tinha morrido nas minas. Alguns haviam morrido nas entranhas da terra, outros consumiram, tossindo, os pulmões enegrecidos. Poucos tinham passado dos trinta anos de idade. Rhys costumava ouvir o pai e os tios falarem do passado, do desmoronamento, dos mineiros invalidados e das greves.