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- Procurei-a ontem à tarde nas pistas - disse Walther. Anna não conseguia dizer uma palavra. - Se não sabe esquiar, terei prazer em ensinar-lhe. - E acrescentou com um sorriso: - De graça.

Ele a levou para Hausberg, a encosta dos principiantes, a fim de dar-lhe a primeira lição. Ficou logo evidente para ambos que Anna não tinha a menor aptidão para esquiar.

Perdia o equilíbrio e caía constantemente, mas insistia em tentar repetidamente, pois tinha receio de que Walther a desprezasse pelo seu fracasso. ao invés disso, depois da décima queda, ele a ajudou a levantar-se para coisas melhores e disse:

- Você foi feita para coisas melhores.

- Eu lhe direi à noite na hora do jantar.

Jantaram juntos naquela noite. Tomaram café juntos na manhã seguinte, e novamente almoçaram e jantaram juntos.

Walther se esqueceu de seus alunos. Deixou de dar lições de esqui para acompanhar Anna até à aldeia. Levou-a ao cassino em Der Gojdene Greif. Andaram de trenó, fizeram compras, andaram a pé e ficaram horas e horas conversando no terraço do hotel. Para Anna, era um tempo de encantamento. Cinco dias depois de se terem conhecido, Walther tomou-lhe as mãos e disse:

- Anna, quero casar-me com você.

Com isso, ele estragara tudo. Arrancou-a das terras de sonhos em que ela estava vivendo e a levou para a cruel realidade de quem e do que era ela. Um prêmio virginal e sem atrativos, de trinta e cinco anos, para quem estivesse disposto a dar o golpe do baú.

Tentou afastar-se, mas Walther a impediu:

- Nós nos amamos, Anna. Disso você não pode fugir. Ela o ouviu mentir, ouviu-o dizer: "Nunca amei ninguém antes de você", e facilitou as coisas porque queria desesperadamente acreditar nele. Levou-o para o quarto dela e os dois ficaram ali conversando.

Enquanto Walther contava a história de sua vida, ela de repente começou a acreditar nele e achou que a vida de Walther tinha sido muito semelhante à dela. Do mesmo modo, Walther nunca tivera a quem amar. Fora marginalizado por ser filho ilegítimo, da mesma forma que Anna pela doença. Como Anna, ele sempre sentiu necessidade de dar amor. Criado em um orfanato, quando chegou à adolescência e a sua beleza já era evidente, as mulheres do orfanato começaram a usá-lo, levando-o para os seus quartos à noite, pondo-o na cama e ensinando-lhe a dar-lhes prazer. Como recompensa, ganhava rações reforçadas, com pedaços de carne e sobremesas feitas com açúcar de verdade. Recebia tudo, menos amor. Quando Walther teve idade suficiente para fugir do orfanato, descobriu que o mundo lá fora não era diferente.

As mulheres continuavam a usá-lo, muitas vezes por vaidade, mas nunca iam além disso. Davam-lhe dinheiro, roupas e jóias, mas nunca se davam a si mesmas. Anna compreendeu que Walther era sua alma gêmea.

Casaram-se, numa cerimônia simples, na prefeitura. Anna esperava que seu pai ficasse contente. Ele se mostrou, ao contrário, exasperado.

- Você é uma tola vazia e imbecil! - gritou-lhe Anton Roffe. -Casou-se com um aventureiro que não vale nada. Já mandei fazer investigações sobre ele. Sempre viveu à custa das mulheres, mas foi a primeira vez que encontrou uma idiota a ponto de casar-se com ele.

- Pare com isso! - exclamou Anna. -Você não o compreende.

Mas Anton Roffe sabia que compreendia Walther Gassner até demais. Chamou o novo genro ao seu escritório. Walther olhou com aprovação a decoração severa do escritório e os velhos quadros pendurados nas paredes.

- Gosto disso aqui - disse ele.

- Sem dúvida alguma, é melhor de que o orfanato.

Walther olhou para ele, cheio de cautela.

- Que foi que disse?

- Vamos acabar com isso. Você cometeu um erro. Minha filha não tem dinheiro.

Os olhos cinzentos de Walther tornaram-se de pedra.

- Que está querendo me dizer?

- Não estou querendo dizer coisa alguma. Estou dizendo. Não receberá nada por intermédio de Anna, pois ela nada tem. Se você tivesse procurado saber das coisas mais a fundo, teria sabido que a Roffe and Sons é uma empresa fechada. Isto significa que nenhumas das suas ações pode ser vendida. Vivemos com conforto, mas é só. Não há de modo nenhum uma grande fortuna com que você possa se locupletar aqui. - Tirou do bolso um envelope, que jogou na mesa à frente de Walther. - Isso o compensará do trabalho que teve. Espero que esteja fora de Berlim às seis horas da noite de hoje. Anna nunca mais deve ter notícias suas.

Walther disse calmamente:

- Por acaso já lhe passou pela cabeça que eu me casei com Anna porque a amo?

- Claro que não. Já passou pela sua?

Walther olhou para ele um momento e disse:

- Vamos ver o preço que me foi atribuído. Abriu o envelope e contou o dinheiro.

Depois, olhou para Anton Roffe. - Acho que valho muito mais do que vinte mil marcos.

- Pois é só o que vai receber. E dê-se por muito feliz.

- Para dizer a verdade, dou-me por muito feliz -disse Walther. - Muito obrigado.

Guardou o dinheiro no bolso em um gesto displicente e um momento depois saiu.

Anton Roffe sentiu-se reconfortado. Experimentava um sentimento de culpa e de aborrecimento pelo que tinha feito, mas sabia que aquela era a única solução. Anna ficaria infeliz com o fato de ter sido abandonada pelo marido, mas era melhor que isso tivesse acontecido o mais rápido possível. Tentaria descobrir alguns homens da idade dela em condições, tendo a certeza de que o homem que escolhesse iria respeitá-la, ainda que não a amasse. Teria de ser alguém que se interessasse por ela e não pudesse ser comprado por vinte mil marcos. Quando Anton Roffe chegou em casa. Anna correulhe ao encontro com os olhos cheios de lágrimas. Ele a tomou nos braços e disse:

- Anna, tudo vai correr bem. Você se consolará… - Anton olhou por sobre os ombros dela e viu Walther Gassner à porta. Anna olhava para o dedo e dizia:

- Veja o que Walther comprou para mim! Já viu algum dia um anel mais bonito? Custou vinte mil marcos.

No fim, os pais de Anna foram forçados a aceitar Walther Gassner. Como presente de casamento, compraram para o casal uma bela casa senhorial no Wannsee, com algumas antiguidades, sofás e poltronas confortáveis, uma mesa Roentgen na biblioteca e as paredes revestidas de estantes de livros. O andar de cima era mobiliado com elegantes peças dinamarquesas e suecas do século

XVIII.

- Tudo isso é demais - disse Walther a Anna. - Nada quero deles, nem de você.

Gostaria de poder comprar muitas coisas belas para você, - disse-lhe ele com um sorriso forçado de menino -, mas não tenho dinheiro.

- Claro que tem - respondeu Anna. - Tudo o que tenho é seu. Walther sorriu ternamente para ela e disse:

- É mesmo?

Anna insistiu em explicar a sua situação financeira, embora Walther não se mostrasse disposto a discutir questões de dinheiro. Tinha um fundo no nome dela que lhe permitia viver com conforto, mas a base de sua fortuna era constituída de ações da Roffe and Sons. As ações não poderiam, porém, ser vendidas sem a aprovação unânime da diretoria.

- Qual é o valor total de suas ações? - perguntou Walther. Anna disse. Walther não acreditou que fosse tanto e a fez repetir a importância. - E você não pode vender as ações?

- Não. Meu primo Sam não consentiria. Ele retém as ações que asseguram o controle.

Um dia Walther manifestou o seu desejo de trabalhar na empresa da família. Anton se opôs.

- Que pode um camarada como você, que não sabe senão esquiar, dar de positivo à Roffe and Sons? - perguntou ele.

Mas acabou cedendo aos apelos da filha, e Walther começou a trabalhar na administração da companhia. Dedicou-se ao trabalho e progrediu rapidamente. Quando o pai de Anna morreu, dois anos depois, Walther passou a fazer parte da diretoria. Anna tinha orgulho dele, pois Walther era um marido perfeito e continuava a mostrar-se enamorado dela. Levava-lhe sempre flores e pequenos presentes, e parecia muito feliz em passar as noites em casa a sós com ela. A felicidade de Anna era quase excessiva, e ela costumava rezar em silêncio, agradecendo a Deus. Apreendeu a cozinhar para fazer os pratos favoritos de Walther.