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Will fez que sim com a cabeça.

— Após ter vivido tantos anos na Suíça, primeiramente no colégio e mais tarde quando tivemos que ir viver nas montanhas para tratar da saúde do meu filhinho — e ela afagou o braço de Murugan —, freqüentemente me exprimo com mais facilidade em francês do que na minha própria língua, em inglês ou em polonês — explicou. — A doença do meu filho vem ilustrar o que dizia a respeito de a Providência estar sempre ao nosso lado. Quando soube que meu filhinho estava à beira da tuberculose pulmonar, esqueci tudo o que aprendera e fiquei desesperada. Cheia de medo e de angústia, indignei-me contra Deus, por ter permitido que tal coisa acontecesse. Que Cegueira Absoluta! O meu filhinho ficou bom e aqueles anos passados nas Neves Eternas foram os mais felizes de nossas vidas. Você não acha, meu querido?

— Sim. Foram os mais felizes — concordou o jovem, parecendo inteiramente sincero.

A rani sorriu triunfante, apertou os lábios carnudos e vermelhos e, com um leve estalo, separou-os novamente, num beijo a longa distância.

— Disso se deduz, meu caro Farnaby, que nada acontece por Acaso. Existe um Grande Plano e, dentro dele, um número incontável de pequenos planos. Um pequeno plano para cada um de nós. Todas as coisas que nos acontecem dispensam explicações.

— É mesmo…

— Houve um tempo — continuou a rani — em que eu apenas o sabia com a lógica. Agora eu o sei com meu coração. Eu realmente… — fez uma pausa por um instante para preparar a pronúncia da Maiúscula Mística — Compreendo!

«Ela tem uma mediunidade assombrosa», pensou Will, recordando-se do comentário daquele freqüentador assíduo de sessões espíritas que era Joe Aldehyde.

— Presumo que a senhora é dotada de uma mediunidade natural — disse.

— De nascença — admitiu ela. — Mas a desenvolvi graças especialmente a um treino continuado. Um treino visando a Alguma Coisa Mais.

— Que quer dizer com isso?

— Refiro-me à vida do Espírito. Enquanto se avança no Caminho, todos os sidhis, todos os dons mediúnicos e poderes miraculosos se desenvolvem espontaneamente.

— É verdade?

— Minha mãe faz as coisas mais fantásticas — disse Murugan com orgulho.

— N’exagérons pas, chéri.

— Mas não estou exagerando — insistiu Murugan.

— É um fato que posso confirmar e que realmente confirmo — acrescentou o embaixador, sorrindo contrafeito. — Como sou um perpétuo cético a respeito dessas coisas, não me agrada ver o impossível acontecer. Mas, infelizmente, tenho um «fraco» pela honestidade e, quando o impossível realmente acontece ante meus olhos, sinto-me compelido, malgré moi, a testemunhar o fato. Sua Majestade faz as coisas mais fantásticas.

— Está bem… Se assim lhe agrada… — disse a rani irradiando contentamento. — Porém nunca se esqueça, Bahu, nunca se esqueça de que os milagres não têm a menor importância. O que importa é a Outra Coisa, a Coisa que encontramos no fim do Caminho.

— Depois da Quarta Iniciação — especificou Murugan. — Minha mãe…

— Querido! Não se deve falar dessas coisas! — E a rani levou um dedo aos lábios, como que pedindo silêncio.

— Sinto muito — disse o jovem.

A rani fechou os olhos e Mr. Bahu, deixando cair o monóculo, respeitosamente acompanhou o séquito e era a própria imagem de Savonarola orando em silêncio.

Que se passava atrás daquela austera e quase descarnada máscara de reconhecimento? pensava Will.

— Poderia saber como a senhora veio a descobrir o Caminho?

Por um ou dois segundos a rani nada respondeu. Continuou sentada com os olhos fechados, sorrindo como um Buda misterioso e complacente.

— Foi a Providência quem me mostrou — disse afinal.

— Sim, sei disso. Mas deve ter havido uma ocasião, um lugar ou um instrumento humano.

— Vou lhe contar.

As pálpebras tremularam, abriram-se, e uma vez mais ele se encontrou sob o brilhante e firme olhar daqueles olhos protuberantes.

Acontecera em Lausanne, durante o primeiro ano em que estudava na Suíça. O instrumento fora a querida e pequena madame Buloz, que era a esposa do velho e querido professor Buloz. Este fora o homem a quem seu pai, o último sultão de Rendang, a confiara, após muitas conjeturas e investigações. O professor tinha sessenta e sete anos de idade, ensinava Geologia e era protestante. Pertencia a uma seita tão austera que, salvo por algumas exceções (tomava um copo de clarete ao jantar, fazia somente duas preces ao dia e era rigidamente monógamo), poderia ser considerado muçulmano.

Sob tal guarda a princesa de Rendang teria estímulo intelectual, conservando-se ao mesmo tempo moral e doutrinariamente intacta. Porém o sultão de Rendang não contava com a esposa do professor. Madame Buloz tinha apenas quarenta anos, era gorda, sentimental, esfuziante e oficialmente professava a mesma religião do marido. Na verdade, ela nada tinha de protestante e era uma ardente teosofista, recém-convertida, que num quarto do sótão da casa perto da Place de la Riponne tinha o seu oratório. Sempre que dispunha de tempo, ela secretamente se recolhia nesse oratório para fazer exercícios respiratórios e de concentração, a fim de elevar o kundalini. Embora se submetesse a uma disciplina exaustiva, a recompensa foi transcendentalmente grande.

Altas horas de uma quente noite de verão, ela sentira a Presença, enquanto o querido velho professor dormia, roncando ritmadamente, dois andares abaixo. O mestre Koot Hoomi ali estava!

A rani fez uma pausa de suspense.

— Extraordinário! — disse Mr. Bahu.

— Extraordinário! — repetiu Will, incrédulo.

A rani resumiu a história.

Imensamente feliz, madame Buloz fora incapaz de guardar seu segredo. A princípio se limitou a fazer misteriosas alusões que aos poucos se transformaram em confidências, as quais redundaram num convite para visitar o oratório e para assistir a um curso de Iniciação. Em pouco tempo Koot Hoomi estava concedendo maiores graças à noviça que à professora.

— E, desde então — concluiu a rani —, o Mestre tem me ajudado a ir Para a Frente.

«Ir para a frente? Ao encontro de quê?», Will se perguntou. Somente Koot Hoomi sabia a resposta. Aquela expressão de calma e arrogância, de serena egolatria que podia ver naquele rosto grande e rubicundo, desagradava-o profundamente. Ela o fazia lembrar-se de Joe Aldehyde. Joe era um desses felizes magnatas sem escrúpulos que usam seu dinheiro para comprar tudo aquilo que possa representar influência e poder. Ali estava, envolta em samito branco e maravilhosamente mística, uma representante da «espécie» de Joe Aldehyde: uma mulher magnata que tinha o monopólio, não da soja ou do cobre, mas do Espiritualismo puro dos Mestres Ascendentes e que esfregava as mãos com sua façanha.

— Eis um exemplo do que Ele fez por mim — continuou a rani. — Oito anos atrás, para ser precisa, em 23 de novembro de 1953, o Mestre veio a mim, durante a minha Meditação matinal. Veio em pessoa e veio com Glória.

— Uma grande Cruzada deverá ser iniciada — disse Ele. — Um movimento mundial para salvar a Humanidade da autodestruição; e você, minha filha, é o instrumento indicado.

— Eu? Um movimento mundial? Mas isso é absurdo — respondi. — Nunca fiz sequer uma palestra em toda a minha vida ou escrevi uma só palavra que pudesse ser publicada! Nunca fui uma líder ou tive espírito organizador!

— Todavia — e Ele me deu um de seus sorrisos de beleza indescritível —, será você quem iniciará esta Cruzada: a Cruzada Mundial do Espírito. As pessoas se rirão e você será chamada de tola, excêntrica e fanática. Os cães latem, porém a caravana prossegue. Desse pequeno e ridículo começo, a Cruzada do Espírito está destinada a se transformar em Força Poderosa. Uma força para o Bem, uma força que finalmente salvará o mundo. —