— Continua o mesmo de sempre.
— Que personalidade rara! L’homme au cerf-volant é como eu o classifico.
— O empinador de papagaios? — Will estava intrigado.
— Enquanto trabalha, ele não deixa de segurar uma das extremidades de um cordel que sustém um papagaio. Um papagaio que está sempre tentando subir mais alto, mais alto, mais ALTO. Mesmo quando envolvido pelos negócios, não deixa de sentir o Puxar do Alto, sentir o Espírito arrastando insistentemente a carne. Pense! Um homem de negócios, um grande Capitão da Indústria, para quem a única coisa que Realmente Importa é a Imortalidade da Alma! Você já imaginou a significação disso?
As coisas tornaram-se claras. A mulher estivera falando sobre o ingresso de Joe Aldehyde no Espiritualismo. Lembrou-se daquelas sessões espíritas semanais com Mrs. Harbotle (a autômata) e com Mrs. Pym (que era «dirigida» por um índio kiowa chamado Bawbo). Lembrou-se de Miss Tuke e de sua trombeta flutuante, pela qual, num chiado susssurrado, ela proferia palavras oraculares, que eram taquigrafadas pela secretária particular de Joe: «Compre cimento australiano. Não se alarme pela queda nas Breakfast Foods. Livre-se de quarenta por cento das suas ações de borracha e empregue o dinheiro em IBM e Westinghouse…»
— Alguma vez ele lhe falou a respeito daquele falecido corretor que sempre sabia como seria o movimento do mercado na semana seguinte? — perguntou Will.
— Sidhis — disse a rani, indulgente. — Apenas sidhis. O que se pode esperar deles? Quanto a Joe, é apenas um Principiante e, neste momento de sua vida, o negócio é o seu «carma». Ele foi predestinado a fazer o que fez, o que faz e o que fará. E o que fará — continuou ela, dramaticamente, ficando imóvel numa atitude de expectativa, com o dedo erguido e a cabeça levantada —, e entre o muito que fará (isso é o que minha Pequena Voz está dizendo) estão incluídas coisas grandes e maravilhosas aqui em Pala.
Que maneira espiritual de dizer: «É isso que eu quero que aconteça! Não como eu quero, mas sim como Deus o quer — e, por uma coincidência feliz, a Vontade de Deus e a minha sempre são idênticas!»
Ao pensar nisso, Will sorria interiormente, conservando porém a fisionomia impassível.
— Sua Pequena Voz diz alguma coisa a respeito da Petróleo do Sudeste da Ásia?
A rani voltou a «escutar» e depois balançou a cabeça, afirmativamente.
— Com toda a clareza.
— Presumo que o coronel Dipa não fale em outra coisa senão na Standard da Califórnia. Tenho curiosidade em saber — continuou Will — por que Pala tem de se preocupar com a preferência do coronel a respeito de companhias de petróleo.
— Meu governo — replicou Mr. Bahu sonoramente — está pensando em termos de um Plano Qüinqüenal para Coordenação e Cooperação entre as ilhas.
— Nesse plano está implícito que a Standard deverá ter o monopólio?
— Somente se as condições oferecidas forem mais vantajosas do que as dos outros competidores.
— Em outras palavras — disse a rani —, apenas se não houver alguém que nos pague mais.
— Antes de sua vinda, estava discutindo esse assunto com Murugan — informou Will. — A Companhia de Petróleo do Sudeste da Ásia dará a Pala aquilo que a Standard der e mais um pouco, eu disse a ele.
— Quinze por cento a mais?
— Digamos dez.
— Doze e meio.
Will olhou-a com admiração. Para alguém que tinha alcançado a Quarta Iniciação, ela estava indo bem.
— Joe Aldehyde dará urros, mas tenho certeza de que a senhora acabará conseguindo os doze e meio por cento.
— Não há dúvida de que é uma proposta bastante atraente — disse Mr. Bahu.
— O único problema é que o governo palanês não a aceitará.
— O governo palanês não tardará em mudar sua política — disse a rani.
— A senhora pensa assim?
— Eu o SEI — respondeu a rani, num tom que tornou bem claro que a informação tinha vindo diretamente do Mestre.
— Quando sobreviesse essa mudança, não seria bom que alguém dissesse ao coronel Dipa uma palavrinha em favor da Petróleo do Sudeste da Ásia?
— Sem a menor dúvida.
Will voltou-se para Mr. Bahu:
— Estaria o senhor preparado, senhor embaixador, a tratar do assunto com o coronel Dipa?
Com polissílabos, como se estivesse se dirigindo ao plenário de alguma organização internacional, Mr. Bahu se esgueirou diplomaticamente. Por um lado, sim, mas pelo outro, não. De um ponto de vista, branco; porém, de um ângulo diferente, distintamente negro.
Will escutou-o, mantendo um silêncio polido. Atrás da máscara de Savonarola, atrás do monóculo aristocrático e da verbosidade do embaixador, ele via e ouvia o corretor levantino em busca da sua comissão, o oficial insignificante mendigando uma gratificação. Quanto teria sido prometido àquela «real iniciada» para que patrocinasse com tanto entusiasmo a causa da Petróleo do Sudeste da Ásia? E claro que ela nada queria para si mesma! Evidentemente que não! Não é preciso dizer que tudo se destinaria à Cruzada do Espírito e à maior glória de Koot Hoomi.
Mr. Bahu alcançara a peroração do seu discurso no plenário da organização internacionaclass="underline"
— Conseqüentemente, deve ser compreendido — dizia ele — que qualquer atitude a ser tomada por mim ficará na dependência do momento oportuno. Estou sendo bastante claro?
— Perfeitamente — assegurou-lhe Will. — E agora deixe-me expor minha posição nesse assunto — continuou com chocante franqueza. — O que me interessa é o dinheiro. Receberei duas mil libras para não fazer absolutamente nada. Terei um ano de liberdade apenas para ajudar Joe Aldehyde a pôr as mãos em Pala.
— Lorde Aldehyde — disse a rani — é extraordinariamente generoso.
— Extraordinariamente — concordou Will —, considerando-se o pouco que posso fazer neste assunto. Não é necessário dizer que ele será ainda mais generoso com alguém que possa colaborar mais eficazmente.
Houve um longo silêncio. À distância, um pássaro mainá gritava monotonamente: «Atenção!» Atenção para a avareza, atenção para a hipocrisia, atenção para o cinismo vulgar…
Bateram à porta.
— Entre — disse Will. Virando-se para Mr. Bahu, sugeriu: — Continuemos essa conversa em outra ocasião. — Mr. Bahu concordou. — Entre — repetiu ele.
Uma jovem de cerca de vinte anos, vestindo uma saia azul e um casaco curto, sem botões, que deixava sua cintura descoberta e que somente às vezes escondia um par de seios redondos como maçãs, entrou alegremente no quarto. Em seu rosto moreno havia um sorriso de amigável saudação, salientado por duas covinhas laterais.
— Sou a enfermeira Appu — apresentou-se. — Radha Appu. — Notando as visitas de Will, interrompeu-se: — Oh, desculpe-me! Não sabia… — Fez uma reverência mecânica à rani.
Enquanto isso, Mr. Bahu levantara-se cortesmente.
— Enfermeira Appu — disse entusiasticamente. — Meu anjinho do hospital de Shivapuram. Que surpresa agradável.
Will percebeu logo que a surpresa estava bem longe de ser agradável.
— Como está o senhor, Mr. Bahu? — perguntou a enfermeira sem nenhum sorriso.
Virando-se rapidamente, começou a ocupar-se com as alças da bolsa de lona que trazia consigo.
— Vossa Majestade provavelmente se esqueceu, mas eu tive de ser submetido a uma intervenção cirúrgica no verão passado — disse Mr. Bahu. — Hérnia — especificou ele. — Bem, essa jovem costumava vir lavar-me todas as manhãs, às oito e quarenta e cinco, pontualmente. E agora, após ter desaparecido por todos esses meses, eis que a encontro de novo!
— Sincronização — disse a rani, oracularmente. — É tudo parte do Plano.
— Deveria aplicar uma injeção em Mr. Farnaby — disse a enfermeira, levantando os olhos de sua bolsa, ainda sem sorrir.