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— Eu lhe escreverei uma carta a esse respeito.

— Faça-o hoje — aconselhou Mr. Bahu —, pois o avião sai de Shivapuram amanhã ã noite e não haverá outro levando o correio até a próxima semana.

— Obrigado pelo aviso — disse Will. — E agora, Sua Majestade e o adolescente tendo se retirado, tratemos de outra tentação. Que tal o sexo?

Com o gesto de um homem que tenta se libertar de um enxame de incômodos insetos, Mr. Bahu agitou a mão ossuda e morena para a frente e para trás do rosto.

— Apenas uma distração, isso é tudo. Apenas uma importuna e humilhante aflição. Mas um homem inteligente sempre sabe como manejá-la.

— Como é difícil compreender os vícios de outro homem! — disse Will.

— Você está certo. Todos deveriam se apegar à insanidade que Deus achou adequada à própria maldição. Pecca fortiter, era o conselho de Lutero. Porém faça o propósito de pecar os seus próprios pecados, não os de outrem. E, acima de tudo, não faça aquilo que o povo desta ilha faz. Não tente proceder como se fosse essencialmente sadio, razoável e intimamente bom. Somos pecadores viajando neste mesmo barco cósmico que está perpetuamente a naufragar.

— Apesar disso, rato algum tem qualquer justificativa para abandoná-lo. É isso o que quer dizer?

— Alguns deles às vezes tentam sair, porém nunca vão muito longe. A História e os outros ratos sempre se encarregam de fazer com que eles se afoguem como o resto de nós. É por isso que Pala não tem a mínima chance.

Carregando uma bandeja, a pequena enfermeira tornou a entrar no quarto.

— Com exceção do peixe, a comida é toda budista — disse, enquanto amarrava o guardanapo em torno do pescoço de Will.

— Decidimos que os peixes são vegetais, no sentido estrito do termo.

Will começou a comer.

— Com exceção da rani, de Murugan e de nós, quantas pessoas de fora você conhece? — perguntou, após engolir a primeira porção.

— Bem, houve um grupo de médicos americanos — respondeu ela. — Eles vieram a Shivapuram no ano passado, quando eu trabalhava no Hospital Central.

— De que se ocupavam?

— Queriam descobrir a razão pela qual temos índices tão baixos de neurose e de doenças cardiovasculares.. Que médicos! — E ela balançou a cabeça. — Francamente, Mr. Farnaby, eles me fizeram ficar arrepiada! Aliás, todos lá no hospital ficaram arrepiados.

— Você julga a nossa medicina primitiva?

— Esta não é a palavra acertada. Não é primitiva. Em cinqüenta por cento é extraordinária! Nos outros cinqüenta é inexistente. Antibióticos maravilhosos! Por outro lado, não existem métodos destinados a aumentar a resistência orgânica, a fim de que o emprego dos mesmos não seja necessário. Operações fantásticas! Porém não há nada que ensine ao povo como atravessar a vida sem ser retalhado. E assim por diante. Alfa positivo para remendá-lo quando começar a cair aos pedaços, porém delta negativo quando se trata de conservá-lo saudável. Afora a canalização dos esgotos e as vitaminas sintéticas, vocês não parecem fazer nada no que diz respeito à profilaxia. No entanto, têm um provérbio que diz: A prevenção é melhor que a cura. Mas a cura é tão mais dramática do que a prevenção!

— E para os médicos é também bastante mais rendosa — disse Will.

— Pode ser que o seja para os seus médicos. Os nossos são pagos para conservarem a saúde do povo.

— Como é que isto é feito?

— Há centenas de anos essas perguntas vêm sendo feitas e já obtivemos uma infinidade de respostas. Respostas químicas e psicológicas, respostas sobre o que devemos comer, respostas sobre como fazer o amor, respostas sobre o que ver e ouvir, respostas sobre como devemos nos sentir, sendo o que somos nesta espécie de mundo…

— E quais são as melhores respostas?

— Absolutamente nenhuma delas é melhor que as outras.

— Não existe nenhuma panacéia?

— E como poderia existir? — Dando essa resposta, ela começou a recitar o pequeno verso que toda estudante de enfermagem tinha de decorar desde o primeiro dia de aula:

Sou como a multidão que obedece a leis Tão numerosas quanto os seus membros. Quimicamente impura E a minha constituição. Não existe um remédio único Para males que jamais têm somente uma causa.

— Assim, quer se trate de prevenir ou de curar, atacamos simultaneamente em todas as frentes. Vamos desde a dieta à auto-sugestão, dos íons negativos à meditação.

— Muito sensato — comentou Will.

— Talvez sensato em demasia — disse Mr. Bahu. — Você já tentou falar a sério com um maníaco?

Will meneou a cabeça.

— Eu tentei uma vez — disse Mr. Bahu, afastando uma mecha de cabelo que já começava a branquear e que estava caída em sua testa. Logo abaixo da linha de implantação do cabelo via— se uma cicatriz irregular, cuja estranha palidez contrastava com o queimado da pele. — Felizmente a garrafa com que me bateu era bastante frágil. — Ajeitando o cabelo desordenado, virou-se para a pequena enfermeira, dizendo: — Nunca se esqueça, Miss Radha, que para os desajuizados, nada mais irritante que o juízo. Pala é uma pequena ilha completamente cercada por dois bilhões e novecentos milhões de casos mentais. Por isso, cuidado com o excesso de racionalismo. No país dos insanos, o homem perfeitamente integrado não se torna rei. — O rosto de Mr. Bahu positivamente luzia com o brilho voltairiano. — É linchado — disse.

Will sorriu ligeiramente; dirigindo-se novamente à enfermeira, perguntou:

— Vocês não têm candidatos aos manicômios?

— Temos tantos quanto vocês. O nosso manual diz que, relativamente à nossa população, a proporção é a mesma.

— Com isso, chega-se à conclusão de que viver num mundo sensato não parece fazer a menor diferença.

— Não para aqueles com a espécie de química corporal que os transforma em psicóticos. Esses nascem vulneráveis. Pequenos problemas, que as outras pessoas quase nem sentem, podem fazê-los cair. As investigações que estão sendo feitas nos levam a concluir que isso é o que os faz tão vulneráveis e, graças a esses trabalhos, temos a possibilidade de atendê-los antes que tenham o colapso nervoso. Logo que é identificado, o futuro doente começa a receber cuidados que se destinam a elevar a resistência. Novamente medicina preventiva, claro que aliada a um ataque maciço, partindo ao mesmo tempo de várias direções.

— Quer dizer que o fato de nascer num mundo sensato faz diferença, mesmo para os predestinados às psicoses?

— No que diz respeito aos neuróticos, a diferença já é bem nítida. A média de neuróticos entre vocês é de, aproximadamente, um em cada cinco ou mesmo quatro pessoas. A nossa é mais ou menos de um para cada vinte pessoas. Todo aquele que sofre colapso nervoso recebe um tratamento em que todas as frentes são atacadas. Os dezenove restantes (os que ainda não sofreram nenhum colapso) são tratados preventivamente em todas as frentes. Isso me faz voltar àqueles médicos americanos. Três deles eram psiquiatras. Entre eles havia um que falava com sotaque alemão e estava sempre fumando charutos. Esse foi o escolhido para nos fazer uma preleção! — A pequena enfermeira segurou a cabeça entre as mãos. — Nunca ouvira nada semelhante.

— Qual foi o assunto?

— Foi sobre o modo como tratam as pessoas que apresentam sintomas neuróticos. Não podíamos acreditar em nossos ouvidos. Eles nunca atacam de todos os lados. Apenas atacam mais ou menos a metade de uma frente. No ponto de vista deles, a «frente física» não existe. Com exceção de uma boca e de um ânus, os seus pacientes não possuem corpo. O doente não é um organismo, não nasceu com uma constituição nem com um temperamento. Tudo o que possui são as duas extremidades do tubo digestivo, uma família e uma psique. Porém, que espécie de psique? Não conseguem ver a mente como um todo; não parecem vê-la como é na realidade. Como admitir que não dêem valor à anatomia, à bioquímica e à fisiologia? A mente separada do corpo, essa é a única frente que atacam. E nem mesmo essa é atacada integralmente. O homem com o charuto continuou falando sobre o inconsciente. Mas o único inconsciente que os interessa é o inconsciente negativo; o lixo de que alguém tentou se livrar, enterrando-o no porão. Não dizem uma só palavra a respeito do inconsciente positivo! Não fazem qualquer movimento a fim de ajudar o paciente a se levantar na corrente da vida ou em direção à Natureza de Buda. Nenhuma tentativa visando ao menos ensinar-lhe a ter um pouco mais de consciência da vida rotineira. Você sabe a que me refiro: «Aqui e agora, rapazes! Atenção!» — disse, numa imitação dos pássaros mainás. — Essa gente se limita a deixar que os infortunados neuróticos chafurdem no velho hábito de nunca viverem inteiramente o presente. Ouvi tanta idiotice! Mas o fumador de charutos nem ao menos podia ter a desculpa de ser um tolo; pelo contrário, era um homem tão inteligente quanto possível! Deve ser algo voluntário. Alguma auto-indução, semelhante à embriaguez ou ao ato de a pessoa se convencer a acreditar em alguma tolice, somente porque a leu nas Escrituras. E a idéia que fazem do que seja normal! Acredite se quiser, mas no conceito deles um ser humano normal é aquele que é capaz de ter um orgasmo e de se ajustar à sociedade! — A pequena enfermeira segurou novamente a cabeça entre as mãos, continuando: — É inacreditável! Nenhuma pergunta sobre o que faz dos seus orgasmos. Nada a respeito de seus sentimentos, pensamentos e percepções! E que tal a sociedade com a qual se supõe que o indivíduo esteja ajustado? É sadia ou louca? Mesmo admitindo-se que seja bastante sadia, é justo que alguém deva ser completamente ajustado a ela?