Dando outro dos seus sorrisos sardónicos, o embaixador começou a falar:
— Aqueles a quem Deus pretende destruir, começa por transformar em loucos. Porém às vezes se decide por uma alternativa mais eficiente e faz com que sejam sadios. — Mr. Bahu levantou— se e foi até a janela. — Meu carro já chegou. Preciso voltar para o meu escritório em Shivapuram. — Dirigindo-se a Will, obsequiou-o com uma longa e floreada despedida e, «desligando— se» do embaixador, fez o seguinte arremate: — Não se esqueça de escrever aquela carta. É muito importante. — Sorriu com ares de conspirador e, com a mão direita, fez o gesto de quem conta dinheiro.
— Graças a Deus! — disse a pequena enfermeira quando ele se retirou.
— Qual foi sua ofensa? A de costume? — perguntou Will.
— Ofereceu dinheiro a alguém com quem desejou ir para a cama, porém esse alguém não gostava dele. Repetiu a proposta, oferecendo uma soma ainda maior. Será que isso é comum na terra dele?
— É um hábito muito divulgado — assegurou-lhe Will.
— Eu não gostei.
— Pude observar. Gostaria de lhe perguntar uma coisa. Que me diz de Murugan?
— Por que pergunta?
— Por simples curiosidade. Percebi que vocês já haviam se encontrado. Isto se deu dois anos atrás, não é verdade? Quando a rani estava fora, não foi?
— Como soube disso?
— Um passarinho me disse. A bem da verdade, foi um pássaro bem grande e pesado.
— A rani! Ela deve ter feito os fatos parecerem com Sodoma e Gomorra.
— Infelizmente fui poupado dos detalhes escusos. Ela se limitou a negras insinuações. Por exemplo, insinuações a respeito de veteranas messalinas dando aulas de amor a jovens e inocentes rapazes.
— E como ele precisava dessas lições!
— Insinuações também a respeito de uma jovem promíscua que tinha a mesma idade que ele. — A enfermeira Appu soltou uma risada. — Você a conhece?
— A jovem precoce e promíscua era eu.
— Você? A rani sabe disso?
— Murugan apenas lhe contou os fatos, não os nomes. Por isso eu lhe sou muito grata. Procedi muito mal perdendo a cabeça por uma pessoa a quem realmente não amava e ferindo a quem amava. Por que somos tão tolos?
— O coração tem as suas razões e as glândulas endócrinas têm outras — disse ele.
Houve um longo silêncio.
Will terminou de comer a verdura e o peixe cozido, e a enfermeira estendeu-lhe um prato de salada de frutas.
— Você nunca viu Murugan usando pijama de cetim branco — disse ela.
— Acha que é um espetáculo que não devo perder?
— Não faz idéia do quanto ele fica bonito! Ninguém tem o direito de ser tão belo! Chega a ser indecente. E a mesma coisa que gozar de uma vantagem desleal.
Fora a beleza dele vestindo o pijama de sulka que finalmente a fizera perder a cabeça. Perdê-la de modo tão completo que durante dois meses foi outra pessoa — uma tola a perseguir alguém que não a suportava. Enquanto isso, desprezara a quem sempre a amara e a quem também amava.
— Até que ponto chegaram as coisas com o jovem do pijama? — perguntou Will.
— Somente até a cama. Porém, quando comecei a beijá-lo, ele fugiu, indo trancar-se no banheiro, e lá ficou até que eu lhe dei a minha palavra de honra de que não o molestaria. Agora posso rir desse dia; porém, na época… — Ela meneou a cabeça.
— Que tragédia! Pelo meu modo de proceder, eles devem ter percebido tudo o que aconteceu. Tornou-se claro que jovens precoces e promíscuas não resolviam o problema. Ele necessitava de aulas regulares, essa era a verdade.
— O resto da história eu sei — disse Will. — O rapaz escreveu à mãe, que veio voando, e voando o levou para a Suíça.
— Regressaram há seis meses e a maior parte desse tempo têm vivido em Rendang, na casa da tia de Murugan.
Will esteve a ponto de falar sobre o coronel Dipa, mas lembrou-se em tempo da promessa que fizera ao rapaz e manteve-se em silêncio.
Do jardim veio o som de um assobio.
— Com licença — disse a pequena enfermeira, dirigindo-se à janela. Sorrindo feliz para o que via, ela acenou com a mão.
— É Ranga.
— Quem é Ranga?
— Aquele meu amigo de quem eu falava. Ele deseja lhe fazer algumas perguntas. Poderia entrar por um minuto?
— Claro que pode!
Ela voltou à janela e fez um sinal.
— Presumo que o pijama de cetim branco está completamente fora de cena, não é mesmo?
Ela concordou.
— Foi uma tragédia em apenas um ato. Achei minha cabeça tão rapidamente quanto a perdera. E, quando a achei, vi que Ranga estava esperando por mim.
A porta se abriu e um jovem esbelto, usando tênis e calça curta cáqui, entrou no quarto.
— Ranga Karakuran — disse, ao apertar a mão de Will.
— Se você viesse cinco minutos antes, teria o prazer de encontrar Mr. Bahu — disse Radha.
— Ele estava aqui? — Ranga fez uma careta de nojo.
— É tão mau assim? — perguntou Will.
Ranga enumerou as acusações.
— Ouça: a) ele nos odeia; b) ele é o chacal domesticado do coronel Dipa; c) ele é o embaixador não-oficial de todas as companhias de petróleo; d) o velho porco fez insinuações a Radha; e, finalmente, e) anda por aí fazendo preleções a respeito da necessidade da revivência da religiosidade. Chegou mesmo a publicar um livro sobre o assunto, que foi prefaciado por alguém da Harvard Divinity School. Tudo isso faz parte da campanha contra a independência palanesa. Deus é o álibi de Dipa. Por que os criminosos não podem ser francos a respeito de seus planos? Todo esse idealismo vagabundo faz qualquer pessoa vomitar!
Radha estendeu a mão e deu-lhe três fortes beliscões na orelha.
— Sua pequena… — começou ele, zangado. Interrompeu— se logo e começou a rir. — Você tem toda a razão — disse. — Mas isso não era motivo para beliscar com tanta força.