— É isso que usa quando ele se entusiasma? — Will perguntou a Radha.
— Quando se entusiasma no momento impróprio ou a respeito de coisas que não pode resolver.
Will voltou-se para o rapaz.
— E você, precisa beliscar-lhe a orelha?
Ranga respondeu sorrindo:
— Acho mais satisfatório dar-lhe umas palmadas nas nádegas. Infelizmente ela raramente merece.
— Isso quer dizer que ela é mais equilibrada do que você?
— Mais equilibrada? Posso lhe garantir que ela é anormalmente sã.
— E você? É apenas um ser normal?
— Talvez um pouquinho fora do centro. — Ele balançou a cabeça. — Às vezes fico terrivelmente deprimido, com a impressão de que não sirvo para nada.
— Tanto isso não é verdade — disse Radha — que lhe deram uma bolsa para estudar bioquímica na Universidade de Manchester.
— Que é que faz com ele quando começa a usar esses recursos desesperados de mísero pecador? Puxa-lhe as orelhas?
— Sim — respondeu —, e… também faço outras coisas.
Ela olhou para Ranga, que retribuiu o olhar, e ambos começaram a rir.
— Bem — disse Will —, essas outras coisas sendo o que são, você está mesmo entusiasmado com a idéia de deixar Pala por cerca de dois anos?
— Não muito — admitiu Ranga.
— Mas ele tem que ir — disse Radha com firmeza.
— E você acha que ele será feliz quando chegar lá?
— Isso é exatamente o que eu queria lhe perguntar — disse Ranga.
— Você não gostará do clima, da comida, dos ruídos, dos cheiros e da arquitetura. Porém tenho certeza de que gostará do trabalho, e é até provável que chegue à conclusão de que gosta de grande parte do povo.
— Que tal as moças? — perguntou Radha.
— Como é que você quer que responda? Quer saber a verdade ou quer que eu diga coisas para consolá-la?
— Diga a verdade.
— Bem, minha cara, a verdade é que Ranga fará um enorme sucesso. Dúzias de moças o acharão irresistível e algumas delas serão realmente encantadoras. Como se sentirá você se ele não puder resistir?
— Ficarei satisfeita porque ele estará bem.
Will voltou-se para Ranga:
— E você se alegrará se ela se consolar com outro rapaz enquanto estiver fora?
— Gostaria de ficar — disse ele. — Mas se realmente me alegrarei, isto é outra questão.
— Fará com que jure fidelidade?
— Não a farei prometer nada.
— Mesmo sendo ela a sua namorada?
— Ela é livre.
— Ele também é livre. Livre para fazer o que quiser — disse a pequena enfermeira.
Will lembrou-se da alcova rosa-morango de Babs e deu uma risada grosseira.
— Livre especialmente para fazer o que ele não gosta. — Dizendo isso, olhou de um para outro daqueles rostos jovens e percebeu que estava sendo observado com uma certa surpresa. Mudando de tom e sorrindo de maneira diferente, comentou:
— Tinha me esquecido de que um de vocês é anormalmente são e o outro é apenas um pouco fora do centro. Como poderei esperar que cheguem a compreender a respeito do que este forasteiro e doente mental está se referindo? — Sem dar-lhes tempo de responder, perguntou: — Há quanto tempo… Talvez vocês me considerem indiscreto. Gostaria de saber, apenas por uma questão de interesse antropológico, há quanto tempo vocês são amigos. Se acharem que estou me intrometendo, basta que digam que não é da minha conta.
— Amigos ou amantes? — perguntou Radha.
— Já que estamos conversando francamente, por que não falar sobre os dois?
— Ranga e eu somos amigos desde crianças. Temos sido amantes (exceto por aquele deprimente episódio do pijama branco) desde que tinha quinze anos e meio e ele dezessete. Quer dizer, há mais ou menos dois anos e meio.
— E ninguém fez objeção?
— Por que haveriam de fazer?
— De fato, por quê? Acontece que, na parte do mundo de onde venho, praticamente todos fariam objeções.
— E a respeito das relações entre rapazes? — perguntou Ranga.
— Teoricamente, são consideradas ainda mais fora das convenções do que as moças. Na prática… as coisas são um pouco diferentes. Você pode imaginar o que acontece quando quinhentos ou seiscentos adolescentes masculinos estão reunidos num internato. Esse tipo de coisa costuma acontecer por aqui?
— É claro.
— Estou surpreso!
— Surpreso? Por quê?
— Desde que não existem barreiras para as moças…
— Mas uma espécie de amor não exclui a outra.
— Ambos são legítimos?
— Naturalmente.
— Você quer dizer que ninguém se incomodaria se Murugan estivesse interessado por um outro jovem de pijama?
— Não, se fosse uma boa espécie de amizade.
— Mas infelizmente — disse Radha — a rani fez um trabalho tão completo que ele não se interessaria por ninguém mais, a não ser por ela e por ele mesmo.
— Nada de rapazes?
— Pode ser que agora esteja se interessando. Tudo o que sei é que no meu tempo não havia nada no seu universo. Nada de rapazes e, ainda mais enfaticamente, nada de moças. Apenas a Mãe, a masturbação e os Mestres Ascendentes. Apenas discos de jazz, carros esporte, idéias hitlerianas a respeito de se tornar um grande líder, transformando Pala naquilo que ele chama «um Estado moderno».
— Há três semanas ele e a rani estiveram no palácio em Shivapuram — disse Ranga. — Convidaram um grupo da nossa Universidade para ouvir as idéias de Murugan sobre petróleo, industrialização, televisão, armamentos e Cruzada do Espírito.
— Conseguiu converter alguém?
Ranga balançou a cabeça, negativamente.
— Por que razão alguém deveria trocar algo rico, bom e interessante por algo mau, medíocre e enfadonho? Nós não sentimos necessidade de possuir seus barcos velozes ou sua televisão. Muito menos suas guerras, revoluções, renovações, os slogans políticos e as tolices metafísicas vindas de Roma e de Moscou. Você já ouviu falar sobre maithunal
— Maithuna? Que é isso?
— Comecemos com um esboço histórico — disse Ranga; e, com o atraente pedantismo de um estudante, que faz uma preleção sobre assuntos que aprendeu há muito pouco tempo, principiou: — O budismo chegou a Pala há cerca de mil e duzentos anos. Não veio do Ceilão como era de se esperar. Veio inicialmente de Bengala e, mais tarde, do Tibete, via Bengala. Por causa disso somos mahayanis e o nosso budismo caminha lado a lado com tantra. Você sabe o que é tantra?
Will teve de admitir que tinha somente a mais confusa das noções.
— Para falar a verdade — disse Ranga, com um riso que rompeu a crosta do seu pedantismo —, não sei a respeito desse assunto muito mais do que você. Existem estudos exaustivos sobre tantra. Na minha opinião, a maior parte do que já foi escrito a esse respeito não passa de um amontoado de tolices e de superstições. Apesar disso, tem um grande lastro de bom senso. O tantrik não renuncia ao mundo nem tampouco nega o seu valor. Não tenta escapar da vida através do nirvana, como fazem os monges da Southern School. Isso não! Aceita o mundo e dele se utiliza. Faz uso de tudo aquilo que produz, de tudo o que lhe acontece, de todas as coisas que vê, ouve, come ou toca. Tudo é usado como um meio de se libertar da própria prisão.
— Boa preleção — disse Will, num tom polido e descrente.
— Ainda tem mais — insistiu Ranga, acrescentando ao pedantismo a ânsia do proselitismo juvenil. — Nisso reside a diferença entre a sua filosofia e a nossa. Os filósofos ocidentais (mesmo o melhor deles) não passam de bons oradores. Os filósofos orientais geralmente não sabem como se expressar, mas não é isso o que importa. A filosofia de vocês é tão pragmática e eficiente quanto a física moderna. A diferença é que, nos assuntos puramente filosóficos, as questões são de ordem psicológica e os resultados são transcendentais. Os seus metafísicos fazem afirmações sobre a natureza humana e sobre o universo, porém não oferecem ao leitor qualquer meio que lhe permita analisar a verdade dessas afirmações. As nossas afirmações são sempre acompanhadas por uma verdadeira lista na qual são mencionadas todas as operações que podem ser feitas, a fim de avaliar a solidez das mesmas. Por exemplo: a afirmação Tat Twam asi (Tu és Esse) é o centro de toda a nossa filosofia. Tat Twam asi — repetiu ele. — Parece um problema de metafísica. Na realidade é uma experiência psicológica e as maneiras pelas quais essa experiência pode ser vivida foram descritas por nossos filósofos. Desse modo, qualquer pessoa que queira efetuar todas as operações que se fazem necessárias pode verificar a solidez do Tat Twam asi. Essas operações são chamadas ioga dhyana ou zen. Em certas circunstâncias especiais recebe também o nome de maithuna.