— Isso nos trouxe de volta à pergunta inicial. Que vem a ser maithuna?
— Talvez seja melhor perguntar a Radha — disse o rapaz.
Will voltou-se para a pequena enfermeira.
— Que é?
— Maithuna — respondeu ela com seriedade — é a ioga do amor.
— Sagrado ou profano?
— Não existe diferença entre os dois.
— Tudo está incluído nisso — ajuntou Ranga. — Quando se pratica maithuna, o amor profano é amor sagrado.
— Buddhatvan yoshidyonisansritan — citou a moça.
— Não entendo nada do seu sânscrito! Quer explicar?
— Como você traduziria Buddhatvan, Ranga?
— Estar impregnado. Estar iluminado por Buda, isto é, estar em estado de graça.
Radha concordou e, voltando-se para Will, explicou:
— Significa que a graça está no yoni.
— No yoni? — Will se lembrou daqueles pequenos emblemas de pedra do «eterno feminino» que havia comprado das mãos de um vendedor corcunda, a fim de presentear as moças do escritório. Fora em Benares. Pagara oito annas por um yoni preto e doze pela imagem ainda mais sagrada do yoni-lingan. — Está mesmo no yoni ou isso tudo tem apenas uma significação metafórica?
— Que pergunta ridícula! — disse a enfermeira dando seu riso claro, alegre e sem afetação. — Você pensa que fazemos amor metaforicamente? Buddhatvan yoshidyonisansritan — repetiu. — Nada pode ser mais integralmente literal.
— Por acaso você ouviu falar na Comunidade de Oneida? — perguntou, por sua vez, Ranga.
Will disse que aprendera um pouco a respeito, através de um historiador americano especializado em comunidades do século XIX.
— Mas como é que você aprendeu isso? — perguntou.
— Porque é mencionado em todos os nossos manuais de filosofia aplicada. Basicamente, maithuna é o mesmo que o povo de Oneida chamava «continência masculina». É o mesmo que os católicos romanos querem dizer com coitus reservatus.
— Reservatus — repetiu a pequena enfermeira. — Isso sempre me dá vontade de rir. Mas que jovem «reservado»! — As covinhas reapareceram e houve um lampejo de dentes alvos.
— Não seja tola — disse Ranga severamente. — Isto é sério.
Ela expressou a sua contrição. Porém reservatus era realmente muitíssimo engraçado!
— Em uma palavra, é apenas o controle da natalidade sem o uso de anticoncepcionais — concluiu Will.
— Isso é apenas o início da história — prosseguiu Ranga.
— Maithuna significa também uma outra coisa. Alguma coisa ainda mais importante! — O estudante pernóstico havia readquirido segurança. — Lembre-se — continuou com seriedade —, lembre-se do ponto que Freud está sempre repisando. O ponto a respeito da sexualidade das crianças. Aquela com que nasce— mos. A que tivemos na infância e na puberdade e que estava concentrada nos órgãos genitais. A sexualidade dissimulada em todo o nosso ser. Esse foi o paraíso que herdamos e que perdemos à proporção que crescemos. Maithuna é a tentativa sistematizada para que readquiramos esse paraíso. Você, que tem boa memória, é capaz de se lembrar de qual a frase de Spinoza que citam no manual de filosofia aplicada? — perguntou, dirigindo-se a Radha.
— Torne seu corpo capaz de fazer muitas coisas e isso o ajudará a aperfeiçoar o amor intelectual de Deus — recitou a moça.
— Conseqüentemente, todas as iogas estão incluídas, mesmo a maithuna — disse Ranga.
— E é realmente uma ioga — insistiu a moça. — É uma ioga tão boa quanto a rajá ioga, a carma ioga ou a bhakti ioga. Para a maioria das pessoas é mesmo muito superior às outras, pois a maithuna realmente as leva até lá.
— Que quer dizer com «lá»? — perguntou Will.
— «Lá» é onde você sabe.
— Sabe o quê?
— Sabe quem na realidade é. Acredite ou não — ajuntou ela —, Tat Tvam asi (Tu és Esse) na verdade quer dizer Eu sou. «Esse» sou eu. — As covinhas vieram à tona e os dentes brilharam. — E «Esse» é também ele — disse, apontando para Ranga. — Inacreditável, não é? — Ela mostrou a língua para Ranga.
— E, no entanto, é um fato.
Ranga sorriu, estendeu a mão e pôs o dedo indicador na ponta do nariz de Radha.
— Não é um simples fato e sim uma verdade comprovada
— disse. Deu uma pancadinha no nariz dela. — Uma verdade comprovada — repetiu. — Portanto, cuidado, moça!
— Se tudo se resume em fazer amor seguindo uma técnica diferente, por que razão não somos todos iluminados? — perguntou Will.
— Vou lhe explicar — começou Ranga, porém a moça o interrompeu.
— Escute — disse. — Escute!
Will ouviu nitidamente, embora falha e distante, a voz estranha e inumana que o recebera quando de sua chegada a Pala.
— Atenção! — dizia. — Atenção, atenção…
— Aquele pássaro dos diabos está de volta!
— Mas esse é o segredo.
— «Atenção»? Mas há apenas um minuto você dizia que era uma coisa completamente diferente! Que há com esse rapaz, que subitamente ficou tão calado?
— Está calado apenas para poder prestar atenção com mais facilidade.
— E realmente se torna mais fácil — confirmou Ranga. — Esse é o ponto básico de maithuna. Não é a técnica especial que transforma a cópula em ioga; é a espécie de percepção que a técnica torna possível. É a consciência das próprias sensações, a consciência da não-sensação que existe em cada sensação.
— O que é «não-sensação»?
— É a matéria-prima da sensação que me é fornecida pelo meu não-ser.
— E você pode prestar atenção ao seu 1’não-ser»?
— Claro que posso.
Will voltou-se para a pequena enfermeira e perguntou:
— Você também?
— Dou simultaneamente atenção a mim mesma, ao meu não-ser, ao não-ser de Ranga, ao ser dele, ao corpo dele e a tudo que representa sentimento. Nisso incluo todo o amor, a amizade e os mistérios da outra pessoa, um perfeito estranho que se torna a outra metade do nosso ser e do nosso não-ser. Durante todo o tempo se presta atenção a tudo isso, mas as pessoas sentimentais, ou, pior ainda, as espiritualistas como a pobre velha rani considerariam esse conceito como destituído de atrativos, grosseiro e até mesmo sórdido. Mas não é sórdido porque, quando se presta a devida atenção ao que se passa, tudo se reveste de beleza, tão maravilhosa como tudo o que possa existir de mais belo.