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— Não há dúvida! Vocês tiveram sorte!

— E, para coroar esta sorte surpreendente — continuou Ranga —, houve também a administração excepcionalmente boa de Murugan, o «Reformador», e de Andrew MacPhail. O dr. Robert já lhe falou a respeito de seu bisavô?

— Muito pouco.

— Ele lhe contou a respeito da fundação do Posto Experimental? — Will balançou a cabeça, negativamente. — O Posto Experimental — disse Ranga — teve um papel relevante na política da nossa população. Tudo começou com a fome. Antes de vir para Pala, o dr. Andrew viveu alguns anos em Madras. Estava lá havia dois anos quando os ventos não sopraram na época devida. As colheitas foram queimadas, os reservatórios de água e até mesmo os poços secaram. Não havia comida a não ser para os ingleses e para os ricos. As pessoas morriam como moscas. Há uma famosa passagem nas memórias do dr. Andrew a respeito daquela falta de víveres. Um comentário após a descrição. Quando ele era criança, teve de ouvir muitos sermões. Nesse momento, enquanto trabalhava entre indianos famintos, um deles lhe vinha à memória: O homem não vive apenas de pão, este era o texto, e o pregador fora tão eloqüente que várias pessoas se converteram. O homem não vive apenas de pão. Porém sem o pão, ele estava vendo com os próprios olhos, não há inteligência, espírito, luz interior ou Pai do Céu. Só há lugar para a fome, o desespero, a apatia e finalmente a morte.

— É outra das brincadeiras cósmicas — disse Will. — Esta é de autoria do próprio Jesus: Àqueles que têm lhes será dado, e daqueles que não têm será tirado, mesmo o pouco que têm, a mera possibilidade de continuar a viver como um ser humano. Esta é a mais cruel de todas as brincadeiras de Deus e também a mais usada. Tive oportunidade de vê-la em ação, sobre os milhões de homens, de mulheres e de crianças espalhados por todo o mundo.

— Então está em condições de compreender por que aquela fome causou uma impressão tão profunda no espírito do dr. Andrew. Ele e seu amigo, o rajá, decidiram que ao menos em Pala jamais deveria faltar o pão. Daí nasceu a idéia de construir o Posto Experimental. O Rothamsted dos trópicos foi um grande sucesso. Em poucos anos tínhamos novas espécies de arroz, de milho, de painço e de fruta-pão. As criações de gado e de galinhas melhoraram, assim como as condições do cultivo e de adubação. Fomos nós que construímos a primeira fábrica de superfosfato a leste de Berlim. Graças a todas essas coisas, o povo estava se alimentando, tinha vida mais longa e perdia menor número de crianças. Dez anos após a fundação do Rothamsted dos trópicos o rajá fez um recenseamento. A população se conservara estável por quase um século e agora começava a aumentar. O dr. Andrew previu que, dentro de aproximadamente cinqüenta ou sessenta anos, Pala se transformaria na mesma espécie de cortiço que Rendang já era. Que devia ser feito? O dr. Andrew já lera Malthus: A produção do alimento cresce aritmeticamente, enquanto a população cresce geometricamente. O homem tem apenas duas escolhas: deixar o assunto a cargo da Natureza, que o resolverá pelos métodos conhecidos (fome, peste ou guerra), ou optar pela solução apresentada por Malthus (que era um clérigo), que consistia no uso da contenção moral a fim de limitar o número de nascimentos.

— Contenção moral — repetiu a pequena enfermeira, enrolando o «r» no modo indonésio de imitar um clérigo escocês. — Incidentalmente — acrescentou — o dr. Andrew acabava de se casar com a sobrinha do rajá, que tinha dezesseis anos.

— E isto — disse Ranga — foi ainda mais uma razão para corrigir Malthus. A fome de um lado e a contenção do outro. Claro que deveria haver um modo melhor, mais feliz e humano, e que permitisse que as opções malthusianas fossem seguidas. Mesmo naquela época, mesmo antes da idade da borracha e dos espermicidas, existiam recursos. Havia as esponjas, os sabões e camisas-de-vênus que eram feitos de qualquer espécie de tecido impermeável (desde a seda oleada à tripa de carneiro). Todo um arsenal foi utilizado pelo Comitê de Controle da Natalidade.

— Como reagiram o rajá e seus súditos a esse controle? Horrorizaram-se?

— De modo algum. Eram budistas convictos e cada um deles sabia muito bem que a procriação não é mais que um assassinato adiado. «Faça o máximo para escapar à roda do nascimento e da morte e, por favor, não contribua com vítimas supérfluas para a roda.» Para um budista convicto o controle da natalidade adquire um sentido metafísico. Para a comunidade de uma aldeia de plantadores de arroz, tem um sentido social e econômico. Deve haver jovens em número suficiente para trabalhar nos campos, sustentar os idosos e as crianças. Porém esse número não deve ser excessivo, pois, se assim for, nem os velhos nem os trabalhadores nem seus filhos terão o que comer. Nos tempos antigos os casais tinham seis filhos para que uns dois ou três sobrevivessem. Surgiram então a água purificada e o Posto Experimental. Dos seis filhos, cinco passaram a sobreviver. Os velhos métodos de procriação deixaram de ter sentido é a única objeção feita ao Controle da Natalidade era sua crueza. Felizmente havia uma alternativa mais estética. O rajá era um iniciado em tantrik e aprendera a ioga do amor. O dr. Andrew passou a conhecer o maithuna e, sendo um verdadeiro homem de ciência, concordou em experimentá-lo. Ele e sua esposa foram convenientemente instruídos.

— Quais foram os resultados?

— Aprovação entusiástica.

— Esse é o sentimento de todos a respeito do assunto — disse Radha.

— Vamos, vamos, nada de generalização! Algumas pessoas estão de acordo, outras não. O dr. Andrew foi um dos entusiastas. O assunto foi discutido longamente. Por fim decidiram que os anticoncepcionais deveriam ser como a educação: livres, adquiridos com os impostos e (embora seu uso não fosse completamente compulsório) divulgados. Para aqueles que tinham necessidade de algo mais apurado, haveria o ensino da ioga do amor.

— Quer dizer que eles continuaram com a idéia do maithunal

— Não foi assim tão difícil. O maithuna é ortodoxo. As pessoas não eram compelidas a fazer nada contra sua religião. Ao contrário, uma oportunidade lhes era oferecida a fim de se reunirem aos eleitos, pelo simples fato de estarem aprendendo algo esotérico.

— E não se esqueça do ponto mais importante de todos — interrompeu a pequena enfermeira. — Para as mulheres, todas as mulheres, e não importa o que diga a respeito de «impulsos de generalização», a ioga do amor significa perfeição, ser transformada, sair de si mesma e completar-se. — Houve um breve silêncio. — Agora — continuou num tom mais vivo —, é preciso que o deixemos dormir.

— Antes que se vão — disse Will —, gostaria de escrever uma carta. Nada mais que um bilhete para meu chefe, comunicando-lhe que continuo vivo e sem perigo imediato de ser comido pelos nativos.

Radha deu uma busca no gabinete do dr. Robert e voltou trazendo lápis, papel e um envelope.

Veni vidi. Naufraguei, encontrei a rani e seu colaborador de Rendang, que sugere poder entregar a «encomenda» em troca de «baksheesh», ao som de vinte mil libras (ele foi específico). Devo negociar nessa base? Se você telegrafar: «Artigo proposto O.K.», irei em frente. Se, ao contrário, mandar dizer: «Sem pressa para o artigo», deixarei o assunto morrer. Diga a minha mãe que estou bem e que escreverei em breve.