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— Ela ficou lisonjeada?

— Penso que sim. Abandonara o catolicismo, porém ainda tinha um fraco por crucificações e «santas mulheres». De qualquer modo, telefonou-me na manhã seguinte à hora do café. Perguntou-me se gostaria de dar um passeio de carro pelo campo. Era domingo e o tempo estava milagrosamente bom. Aceitei. Passamos uma hora num bosque de aveleiras, colhendo primaveras e olhando as pequenas anêmonas brancas. Não se deve apanhar anémonas, pois elas murcham depois de uma hora — explicou ele. — Observei muitas coisas no meio daquelas aveleiras, enquanto olhava as flores a olho nu e, depois, com a lente que Molly trouxera com ela. Não sei dizer porquê, mas foi uma terapêutica extraordinária observar o âmago das primaveras e anémonas. Até o fim do dia, não via mais os vermes. Mas Fleet Street ainda existia e me esperava. Na segunda-feira, por volta da hora do almoço, eles já rastejavam aos milhões por toda parte. Milhões de vermes. Mas agora eu sabia o que fazer com eles. Naquela noite fui para o estúdio de Molly.

— Ela era pintora?

— Não uma pintora genuína, e ela sabia disso. Sabia e não se ressentia, apenas tirava o maior proveito possível do fato de não ter talento. Não pintava por causa da arte em si. Pintava porque gostava de olhar as coisas e depois reproduzir meticulosamente o que vira. Naquela noite deu-me uma tela e uma paleta e me disse para fazer o mesmo que ela.

— E isso funcionou?

— Funcionou tão bem que, após dois meses, eu cortei uma maçã podre pelo meio e, no centro, não havia nenhum verme; quero dizer, no sentido subjetivo. Objetivamente havia e era tudo o que um verme deve ser. E foi assim que o pintei. Aliás, nós o pintamos, pois costumávamos pintar as mesmas coisas.

— Que houve com os outros vermes, os vermes espectrais do exterior da maçã?

— Bem, eu ainda tinha recaídas, principalmente em Fleet Street e em alguns coquetéis. Porém os vermes eram definitivamente em menor número e menos perseguidores. Enquanto isso, algo novo acontecia no estúdio. Estava começando a amar. Amando porque o amor é contagioso e Molly estava claramente apaixonada por mim. Por quê? Somente Deus é quem sabe!

— Vejo várias razões plausíveis. Ela talvez o tenha amado porque… — Susila olhou-o como se o estivesse avaliando, e sorriu. — Bem, porque você é uma espécie de peixe bastante atraente.

— Obrigado por tão generoso cumprimento — disse ele sorrindo.

— Por outro lado (e isso não é tão elogioso), talvez o tivesse amado porque você fez com que ela sentisse pena de você.

— Confesso que isso é verdade. Molly era uma «irmã de caridade».

— Infelizmente uma irmã de caridade não é o mesmo que «esposa do amor».

— Foi exatamente o que descobri.

— Suponho que descobriu depois do casamento.

Will hesitou por um momento.

— Para dizer a verdade, foi um pouco antes. Não porque tivesse havido um desejo premente de sua parte, mas apenas porque estava ansiosa por fazer qualquer coisa que me agradasse. Apenas porque em princípio ela não acreditava em convenções e era entusiasta do amor livre, e mais surpreendentemente ainda da liberdade de se conversar a esse respeito. — Dizendo isso, lembrou-se das coisas escandalosas que ela dizia com tanta serenidade, mesmo em frente da mãe dele.

— Você o sabia com antecedência e mesmo assim se casou com ela — resumiu Susila. Will concordou mudamente, com um aceno de cabeça. — Porque você era um cavalheiro e um cavalheiro mantém a palavra, penso eu.

— Em parte devido a essa razão fora de moda, mas também porque a amava.

— Você a amava?

— Sim. Não. Não sei. Mas naquela época eu sabia. Pelo menos pensava saber. Estava realmente convencido de que a amava. Sabia e ainda sei por que estava convencido. Estava grato por que ela conseguira exorcizar aqueles vermes e, além disso, a respeitava e admirava. Ela era tão melhor e mais honesta do que eu! Infelizmente você está certa. Uma irmã de caridade não é o mesmo que uma esposa do amor. Mas estava pronto a aceitar Molly nos seus termos, não nos meus. Estava pronto a acreditar que seus termos eram melhores que os meus.

Após uma longa pausa, Susila perguntou:

— Depois de quanto tempo você começou a ter casos extraconjugais?

Will sorriu zombeteiramente.

— Três meses após o dia do nosso casamento. O primeiro foi com uma das secretárias do meu escritório. Meu Deus, que coisa enfadonha! Depois desse houve uma pequena pintora, uma jovem judia de cabelos encaracolados que Molly ajudara financeiramente enquanto estivera estudando em Slade. Eu costumava ir a seu estúdio duas vezes por semana, das cinco às sete. Passaram-se quase três anos até que Molly descobrisse.

— Suponho que ficou aborrecida.

— Ficou muito mais do que eu podia imaginar.

— Qual foi sua atitude?

Will balançou a cabeça.

— Foi aí que tudo começou a se complicar, pois não tinha a menor intenção de me privar dos meus coquetéis com Raquel. No entanto, me odiava por fazer Molly tão infeliz. Ao mesmo tempo, odiava-a por ser infeliz. Ressentiam-me seu sofrimento e o amor que a fazia sofrer. Sentia que eram injustos, que eram uma espécie de chantagem para me forçar a deixar meu inocente divertimento com Raquel. Por causa do seu grande amor e por sentir-se tão infeliz com o que eu fazia (na realidade eu fora forçado a fazê-lo), ela pressionava e tentava restringir minha liberdade. Enquanto isso ela era verdadeiramente infeliz. E eu, apesar de odiá-la por estar fazendo chantagem às custas de sua infelicidade, sentia uma pena enorme dela. Sentia pena, mas não sentia compaixão. Compaixão é compartilhar do sofrimento, e o que eu desejava a todo custo era me poupar da dor que seu sofrimento me causava. Queria evitar dolorosos sacrifícios por meio dos quais poderia pôr fim ao seu sofrimento. Ter pena era minha resposta. Sentia uma pena apenas superficial. Sentia como se fosse mero espectador, como um esteta ou um conhecedor de suplícios.

Não sei se você entende o que quero dizer. E essa minha pena de esteta era de tal intensidade que, todas as vezes que a sua infelicidade alcançava um clímax, chegava quase a confundi-la com amor. Quase, porém não completamente. E quando tentava expressar minha pena sob a forma de ternura física (assim fazia por ser esse o único meio pelo qual podia obter uma pausa temporária em sua infelicidade e na dor que secundariamente me infligia), essa ternura era sempre frustrada antes que pudesse chegar à sua consumação natural. Era frustrada porque, por temperamento, ela era apenas a «irmã de caridade» e não uma esposa. Apesar disso, em todos os níveis, com exceção do sensual, ela me amava com uma confiança integral, que em resposta exigia da minha parte uma entrega absoluta. Mas não me entreguei. Talvez porque realmente não pudesse e, ao invés de ficar agradecido pela sua entrega, eu a ressentia por saber que continha uma série de pretensões que me recusava a admitir. Desse modo, ao fim de cada crise, voltávamos ao início do velho drama, o drama de um amor incapaz de sensualidade, entregue a uma sensualidade incapaz de amor e que despertava sentimentos de culpa feitos de exasperação, pena, ressentimento e, às vezes, de verdadeiro ódio (porém sempre com uma ponta de remorso). Tudo isso contra— ponteado por uma sucessão de noites furtivas com a minha pintora de cabelos encaracolados.

— Que espero tenham sido, pelo menos, agradáveis.

Ele encolheu os ombros.

— Apenas razoáveis, pois Raquel não conseguia esquecer que era uma intelectual e tinha um modo de perguntar qual a minha opinião sobre Piero di Cosimo nos momentos mais inoportunos. O prazer real, a verdadeira agonia eu nunca experimentara até que Babs entrou em cena.