Выбрать главу

— Ninguém tem o direito de infligir a própria tristeza aos outros, como também não tem o direito de fazer de conta que não está triste. Tem apenas de aceitar o sofrimento dos outros e os seus esforços a fim de parecerem estóicos. Aceitar, aceitar… — dissera seu sogro num dia em que deixavam juntos o hospital. Sua voz ficara embargada e, olhando-o, ela vira que seu rosto estava molhado de lágrimas.

Cinco minutos depois, estavam sentados num banco à beira do tanque de lótus, à sombra do enorme Buda de pedra. Com um ruído líquido, brusco e voluptuoso, um sapo saltara da folha redonda onde estava, mergulhando na água. Surgidas da lama, hastes verdes e de botões túrgidos cortavam o espaço. Dispersos irregularmente, aqueles símbolos do esclarecimento haviam aberto ao sol, às moscas, aos minúsculos besouros e às abelhas silvestres, suas pétalas róseas e azuis. Numerosas e brilhantes libélu— las, verdes e azuis, dardejavam, paravam e voltavam a dardejar na caça aos mosquitos.

— Tathata — sussurrara o dr. Robert. — «Semelhança.»

Permaneceram sentados em silêncio por muito tempo. De repente, ele tocara o seu ombro, dizendo:

— Veja!

Susila levantara os olhos na direção que ele apontava. Dois pequenos papagaios haviam se empoleirado na mão direita do Buda e seguiam os rituais do namoro.

— O senhor parou de novo à beira do tanque de lótus? — perguntou Susila em voz alta.

O dr. Robert sorriu-lhe e concordou com um movimento de cabeça.

— Como estava Shivapuram? — indagou Will.

— Bastante agradável — respondeu o médico. — O seu único defeito é ser tão próximo do mundo exterior. Aqui podemos ignorar todas essas insanidades organizadas e prosseguir no trabalho. Mas lá, com o rádio, os postos de escuta e os outros meios de comunicação que um governo deve possuir, o exterior pode ser sentido, ouvido e cheirado. É isso mesmo, pode ser cheirado!

Dizendo isso, seu rosto se enrugou numa careta de repugnância cósmica.

— Aconteceu algo mais desastroso do que o habitual, desde que estou aqui?

— Nada fora do comum na sua parte do mundo. Gostaria de poder dizer o mesmo a respeito da nossa.

— Qual é o problema?

— É o nosso vizinho mais próximo, o coronel Dipa, que para início de conversa fez outro negócio com os tchecos.

— Mais armamentos?

— Sim. No valor de sessenta milhões de dólares. Ouvi pelo rádio esta manhã.

— Mas para quê?

— As razões de costume: glória e poder. Os prazeres da vaidade e da tirania. Em casa, terrorismo e paradas militares. No exterior, conquista e Te Deus. Isto faz lembrar o segundo item das notícias desagradáveis. A noite passada, o coronel fez outro daqueles celebrados discursos sobre Rendang Maior.

— Rendang Maior? Que é isso?

— Você tem razão em perguntar — respondeu o dr. Robert. — A Rendang Maior é o território que foi controlado pelos sultões de Rendang-Lobo, entre 1447 e 1483. Esse território compreendia Rendang, as ilhas Nicobas, trinta por cento de Sumatra e a nossa Pala. Hoje isso é o grito de revolta do coronel Dipa.

— Ele está mesmo falando sério?

— Sim. E fala com o rosto perfeitamente sério. Não. Estou errado. Fala com um rosto distorcido, purpúreo e com a tonalidade máxima de uma voz que ele educou, depois de muita prática, para soar exatamente como a de Hitler. «Rendang Maior ou morte!»

— Porém as grandes potências nunca o permitiriam.

— Talvez não gostassem de vê-lo em Sumatra, mas quanto a Pala é outro assunto. — Ele meneou a cabeça. — Pala, infelizmente, não está sob as boas graças de ninguém. Não queremos o comunismo, nem tampouco o capitalismo. Desejamos ainda menos a industrialização por atacado que ambos (é claro que por diferentes razões) estão ansiosos para nos impor. O Ocidente o deseja porque o custo de nossa mão-de-obra é baixo e os dividendos dos investidores serão excelentes. O Oriente o deseja porque a industrialização, criando um proletariado, abrigará novos campos para a agitação comunista, podendo mesmo, depois de algum tempo, originar uma outra «democracia popular». Temos nos recusado a ambos e por isso somos malquistos em toda a parte. A despeito das diferenças ideológicas, as grandes potências talvez prefiram ver Pala subordinada a Rendang e com o seu petróleo explorado, a vê-la independente porém sem permitir qualquer exploração. Se Dipa nos atacar, dirão que foi um ato deplorável, porém não levantarão um só dedo para detê-lo. E quando formos dominados e os homens do petróleo forem chamados, ficarão realmente deleitados.

— E o que é que vocês podem fazer a respeito do coronel Dipa? — perguntou Will.

— Nada além da resistência passiva. Não dispomos de exército nem de amigos poderosos, enquanto ele dispõe de ambos. O máximo que podemos fazer é apelar para as Nações Unidas, caso comece a criar embaraços. Nesse meio-tempo, protestaremos através do nosso ministro em Rendang-Lobo sobre as últimas efusões do seu discurso a respeito da Rendang Maior. Protestaremos pessoalmente junto ao grande homem quando,’daqui a dez dias, fizer sua visita oficial a Pala.

— Uma visita oficial?

— Sim. Durante as comemorações da maioridade do jovem rajá. Ele já foi convidado há muito tempo, porém nunca deixou perceber se realmente vem. Hoje, porém, esse assunto foi definitivamente acertado. Além de uma festa de aniversário, teremos talvez uma visita muito importante. Mas vamos falar sobre coisas mais importantes. Como passou o dia de hoje?

— Tive um dia que, além de ter sido bom, foi também glorioso. Tive a honra de receber a visita de seu soberano reinante.

— De Murugan?

— Por que não me disse que ele era o soberano reinante?

O dr. Robert deu uma risada.

— Porque talvez você quisesse entrevistá-lo.

— Bem, não o entrevistei nem tampouco a rainha-mãe.

— A rani também veio?

— Veio a mandado de sua Pequena Voz. Não tenho a menor dúvida, sua Pequena Voz mandou-a para o lugar certo, pois meu chefe, Joe Aldehyde, é um de seus amigos mais caros.

— Por acaso ela lhe falou que está tentando trazer seu chefe para cá, a fim de explorar nosso petróleo?

— Sim.

— Recusamos sua última oferta cerca de um mês atrás. Você sabia disso?

Will sentiu-se aliviado em poder responder com bastante sinceridade que não sabia. Nem Aldehyde, nem a rani lhe haviam falado nada a respeito dessa recente recusa.

— O meu serviço se restringe à polpa de madeira, não ao petróleo — prosseguiu, não tão sincero. Houve um longo silêncio.

— Qual é minha situação legal aqui? De estrangeiro indesejável?

— Bem, felizmente você não é um vendedor de armamentos.

— Ou um missionário — disse Susila.

— Também não é um homem do petróleo, apesar de ter alguma culpa, por estar ligado a um deles. Pelo que sabemos, não é nem mesmo um explorador de urânio. Estes são os indesejáveis alfa positivos — concluiu o dr. Robert. — Como jornalista você está classificado entre os betas, embora não seja o tipo de pessoa que sonharíamos convidar para vir a Pala. Não é daqueles que, conseguindo chegar até aqui, necessitam ser sumariamente deportados.

— Gostaria de ficar durante todo o tempo permitido pela lei — disse Will.

— Poderia saber por quê?

Will hesitou. Na qualidade de agente secreto de Joe Aldehyde e de repórter com uma incorrigível paixão pela leitura, teria que permanecer o tempo necessário para negociar com Bahu e ganhar seu ano de liberdade. Mas havia outras razões mais consistentes.