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— A súplica decidiu-o. Sem mais hesitações, o dr. Andrew, tomando as magras mãos do rajá entre as suas, começou a lhe falar cheio de convicção sobre um novo e maravilhoso método de tratamento recentemente descoberto na Europa, onde somente era aplicado por alguns dos médicos mais famosos. Então, voltando-se para os serviçais que, durante todo esse tempo, os observavam em silêncio, ordenou-lhes que se retirassem. Embora sem compreenderem o que o médico dissera, o tom de voz e os gestos enfáticos que utilizara foram bastante claros e, após curvarem-se, deixaram o aposento. Tirando o casaco e arregaçando as mangas da camisa, o dr. Andrew deu início aos famosos «passes» sobre os quais lera, com irônico ceticismo, nas páginas do Lancei. Do alto da cabeça, sobre o rosto, descendo até atingir o epigástrio… Esses gestos deveriam ser repetidos até que o paciente caísse em transe… ou, segundo o comentário irônico do autor do artigo, «até que o charlatão dirigente se decida a dizer que seu crédulo paciente já se encontra sob o influxo magnético». Impostura, fraude, charlatanice! Mas a despeito disso… Ele continuava a trabalhar em silêncio. Vinte passes, cinqüenta passes. Após um suspiro, o paciente fechou os olhos. Sessenta, oitenta, cem, cento e vinte. O calor estava opressivo. A camisa do dr. Andrew estava encharcada de suor e seus braços doíam. Inflexível, prosseguia repetindo a mesma gesticulação absurda. Cento e cinqüenta, cento e setenta e cinco, duzentas vezes. Tudo não passava de fraude e impostura, mas ainda assim se impôs a fazer com que esse pobre homem dormisse, mesmo que para isso precisasse de um dia inteiro. «O senhor vai dormir», disse em voz alta, enquanto fazia o passe número duzentos e onze. «O senhor vai dormir.» O doente pareceu afundar mais nos travesseiros e, de repente, o dr. Andrew percebeu o som de um sibilo. «Desta vez o senhor não sufocará, pois há bastante espaço para a passagem do ar. O senhor não vai ficar sufocado.» A respiração do rajá ficou calma e, depois de mais alguns passes, o dr. Andrew achou que não haveria perigo se repousasse um pouco. Enxugando o rosto, levantou-se, esticou os braços e deu umas voltas pelo quarto. Voltando a sentar-se à cabeceira do rajá, segurou seu punho extremamente descarnado e contou-lhe o pulso. Havia uma hora estava em torno de cem e agora a freqüência era de setenta batimentos por minuto. Erguendo o braço do paciente, sua mão balouçou como a de um morto e, ao soltá-lo, caiu inerte. «Majestade», disse ele. Após uma pausa, chamou novamente em voz mais alta: «Majestade». Não obteve resposta. Tudo não passava de charlatanice, impostura e fraude, mas mesmo assim havia funcionado.

Subitamente, um grande louva-a-deus multicor esvoaçou pelo quarto de Will, indo empoleirar-se na grade aos pés da cama; dobrando as asas rosa e branco, ergueu a pequena cabeça chata e esticou as pernas dianteiras, surpreendentemente fortes, em atitude de oração. Tirando uma lente do bolso, o dr. MacPhail se curvou para examiná-lo.

— É um Gongylus gongyloides e se disfarça de modo a parecer uma flor. Quando as moscas e as mariposas vêm incautas sugar-lhe o néctar, é ele quem as suga. E, quando são fêmeas, devoram os amantes. — Guardando novamente a lente, recostou-se na cadeira e disse a Will Farnaby: — O que mais nos fascina no universo é sua selvagem improbabilidade. Não sei dizer o que é mais inverossímiclass="underline" o Gongylus gongyloides, o Homo sapiens ou a apresentação de meu bisavô a Pala e à hipnose.

— Nada poderia ser mais inesperado, com exceção talvez da minha própria apresentação a Pala e à hipnose. A primeira foi através de um naufrágio e um precipício. A segunda, através de um monólogo sobre uma catedral inglesa — disse Will.

Ouvindo isso, Susila riu-se e comentou:

— Felizmente não foi necessário que lhe fizesse todos aqueles passes. Com este calor! Na realidade admiro o dr. Andrew, pois às vezes são necessárias cerca de três horas para anestesiar as pessoas, usando os passes.

— E ele conseguiu?

— Sim, triunfalmente.

— E a operação chegou a ser realizada?

— Foi realizada, porém não imediatamente — disse o dr. MacPhail. — Uma longa preparação se fazia necessária. A primeira providência do dr. Andrew foi dizer a seu paciente que daí em diante poderia engolir sem sentir dores, e nas três semanas que se sucederam alimentou-o. Entre as refeições, punha-o em transe e fazia com que dormisse até a hora da próxima refeição. É maravilhoso observar do quanto é capaz um ser humano, se lhe for dada a chance. O rajá engordou cerca de seis quilos e se sentia como um homem novo. Estava cheio de esperança e confiança. O dr. Andrew se sentia do mesmo modo, pois ao tentar fortalecer a fé do rajá fortelecera a sua própria, e isso o fazia acreditar no sucesso da operação. Porém esse sentimento não o impediu de fazer o que estava a seu alcance para aumentar as possibilidades de sucesso. No princípio, insistia em dizer ao doente que o transe estava se tornando cada vez mais profundo, e que no dia da intervenção cirúrgica seria mais profundo ainda e bastante mais demorado. «O senhor dormirá durante quatro horas após a operação e, quando despertar, não sentirá a mínima dor», assegurou ao rajá. Nessa afirmativa que era feita pelo dr. Andrew havia um misto de absoluto ceticismo e de inteira confiança. A razão e a experiência lhe diziam que tudo aquilo era impossível. Mas na situação que estava enfrentando, a experiência ortodoxa havia se mostrado impraticável. O impossível já tinha acontecido várias vezes e não havia razão para que não continuasse acontecendo. O importante era dizer que aconteceria e, por isso, repetia continuamente: «Tudo está bem». O ensaio, porém, foi a maior das invenções do dr. Andrew.

— Ensaio de quê?

— Do ato cirúrgico. Eles ensaiaram cerca de meia dúzia de vezes e o ensaio final foi realizado na manhã da operação. Às seis horas, o dr. Andrew se dirigiu ao quarto do rajá e, depois de uma conversa alegre, começou a fazer os passes. Em poucos minutos o doente estava em profundo transe e o dr. Andrew descrevia tudo o que ia fazer. Tocando o osso malar próximo ao olho direito do rajá, disse: «Para iniciar, vou esticar a pele. Agora, com o bisturi». E passou a ponta de um lápis sobre a face do doente. «Estou fazendo uma incisão. O senhor não sentirá dor nem mal-estar. Os tecidos subjacentes estão sendo cortados agora e o senhor continua sem sentir desconforto. O senhor dorme simplesmente, com todo o conforto, enquanto eu disseco a face na direção de seu nariz. De vez em quando paro para ligar um vaso sangüíneo e depois prossigo. Terminada essa parte, estarei em condições de começar a dissecar o tumor que, tendo se originado no antro, se irradiou para cima, sob o malar, e atingiu a órbita. Ele também se irradiou para trás, até a garganta. Enquanto eu disseco, o senhor continua a dormir, sem sentir nada, inteiramente relaxado e confortável. Agora estou levantando sua cabeça.» Dizendo essas palavras, levantou a cabeça do rajá e fletiu-a para diante. «Estou fazendo isso para que o senhor possa se libertar do sangue que escorreu para sua boca e para sua garganta. Um pouco de sangue atingiu sua traquéia e o senhor precisa tossir ligeiramente para desobstruí-la. Isso não o fará acordar.» O rajá tossiu uma ou duas vezes e, quando o dr. Andrew voltou a pousar a cabeça nos travesseiros, ainda estava em sono profundo. «O senhor não ficará sufocado, mesmo quando eu estiver operando na garganta, onde terei de remover a parte mais baixa do tumor.» O dr. Andrew abriu a boca do rajá e introduziu dois dedos em sua garganta. «Tudo se resume em soltá-lo. Nada o fará sufocar e, se tiver que tossir para expelir o sangue, isso poderá ser feito sem que o senhor desperte. Durante o sono, durante um sono profundo.»