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— E, com isso, terminou o último ensaio. Dez minutos depois, tendo feito mais alguns passes e persuadido o doente a dormir ainda mais profundamente, o dr. Andrew deu início à operação. Distendendo a pele, fez a incisão, dissecou a face e liberou o tumor de suas raízes no antro. O rajá permanecia inteiramente relaxado, com o pulso firme e regular, batendo setenta e cinco vezes por minuto, sem sentir mais dor do que sentira durante a operação-ensaio. O dr. Andrew estava trabalhando na garganta e o doente não sufocou. O sangue escorreu para a traquéia. O rajá tossiu e não acordou. A operação demorou quatro horas. Imediatamente após seu término, com uma pontualidade absoluta, abriu os olhos, sorriu para o dr. Andrew através das ataduras e perguntou, no seu cantado sotaque londrino, quando a operação iria começar. Depois de ser alimentado e lavado, o rajá recebeu mais alguns passes e foi persuadido a dormir mais quatro horas, na certeza de que, ao despertar, deveria se restabelecer rapidamente. O dr. Andrew manteve essa rotina por uma semana. O rajá ficava acordado diariamente durante oito horas e permanecia em transe durante as dezesseis horas restantes. Apesar das condições sépticas em que foi realizada a intervenção e da troca dos curativos, o paciente não sentiu dores e a cicatrização se processou sem que tivesse havido supuração. Lembrando-se dos horrores que presenciara na enfermaria de Edimburgo, especialmente nas enfermarias de cirurgia de Madras, o dr. Andrew quase não podia crer no que seus olhos viam. Agora estava tendo outra oportunidade para se convencer dos poderes do magnetismo animal. A rani, impressionada com o que o dr. Andrew fazia por seu marido, mandou que a filha mais velha do rajá, que estava no nono mês de sua primeira gravidez, mandasse chamá-lo. Ele encontrou a rani sentada junto a uma jovem de dezesseis anos, franzina e amedrontada, que, num inglês deficiente, conseguiu dizer que tanto ela quanto o filho que esperava iriam morrer. Tal afirmativa era baseada no fato de que, em três dias consecutivos, três pássaros pretos haviam cruzado seu caminho. O dr. Andrew não discutiu com ela, tendo, ao invés disso, pedido que se deitasse. Em seguida, começou a fazer os passes. Vinte minutos depois, a jovem estava em transe profundo. «Neste país os pássaros pretos trazem felicidade; são um presságio de vida e alegria», convenceu— a o dr. Andrew. Sua gravidez seria normal e o parto, sem dor. Ela não sentiria mais dor do que seu pai sentira durante a operação. Tudo seria absolutamente indolor, prometeu-lhe.

— Três dias mais tarde, e após mais três ou quatro horas de sugestão intensiva, tudo se confirmou. Quando o rajá despertou para o jantar, encontrou a esposa sentada à beira de seu leito. «Temos um neto e nossa filha está bem. O dr. Andrew disse que amanhã você poderá ser levado até o quarto dela a fim de abençoá-los.» Decorrido um mês, o rajá dissolveu o Conselho de Regência e reassumiu seus poderes reais; em sinal de gratidão ao homem que lhe salvara a vida (a rani estava convencida disso) e a vida de sua filha, investiu o dr. Andrew das funções de primeiro-ministro.

— Ele não voltou mais para Madras?

— Nem para Madras, nem mesmo para Londres. Ficou aqui em Pala.

— Tentando melhorar a pronúncia do rajá?

— Sim. No entanto, foi mais bem-sucedido nas modificações que fez no reino do rajá.

— Modificações em quê?

— Esta é uma pergunta a que não poderia responder, pois naquele tempo não havia nenhum plano, somente um amontoado de simpatias e de aversões. Tanto em Pala como na Europa, havia coisas das quais gostava apaixonadamente e outras que realmente detestava. Em suas viagens vira muitas coisas que lhe pareceram cheias de bom senso e outras que o repugnavam. Começou a compreender que os povos são, ao mesmo tempo, os beneficiários e as vítimas de suas próprias culturas. A cultura pode proporcionar-lhes os meios de atingirem a plena beleza de uma flor, mas também pode podá-los quando ainda em botão, ou fazê-los apodrecer no início da florescência. Nesta ilha proibida haveria possibilidade de evitar o apodrecimento, de reduzir ao mínimo a poda dos botões e fazer com que cada flor tivesse mais beleza? Esta era a questão para a qual, a princípio de modo implícito e depois cada vez mais cônscios daquilo que realmente pretendiam realizar, o dr. Andrew e o rajá procuravam encontrar uma resposta.

— E encontraram alguma?

— Olhando o passado, a gente fica surpreendido com o que esses dois homens fizeram — disse o dr. MacPhail. — O médico escocês e o rei palanês, o calvinista que se tornou ateu e o piedoso mahayana budista, formavam uma estranha combinação. Em pouco tempo, esses dois homens de temperamentos, talentos, culturas e filosofias diferentes, se tornaram amigos, e as deficiências de cada um eram mutuamente compensadas. As qualidades naturais de um eram estimuladas e desenvolvidas pelo outro. O rajá tinha uma inteligência aguda e sutil, porém desconhecia o mundo além dos limites de sua ilha. Nada sabia sobre ciências físicas e desconhecia totalmente a tecnologia, a arte e o modo de pensar dos europeus. Embora não menos inteligente, o dr. Andrew ignorava totalmente a pintura, a poesia e a fisiologia indianas. Pouco a pouco foi descobrindo que também ignorava tudo a respeito da inteligência e da arte de viver. Nos meses que se seguiram à operação, cada um se tornou ao mesmo tempo aluno e professor do outro. Isso, no entanto, foi somente um começo, pois não eram pessoas que se contentassem apenas em melhorar os conhecimentos em proveito próprio. O rajá tinha um milhão de súditos e o dr. Andrew era virtualmente o seu primeiro-ministro. A melhoria dos conhecimentos privados de cada um deveria ser como que uma preliminar para os melhoramentos públicos. Se o rei e o médico estavam se educando mutuamente sobre o que de melhor havia em ambos (o oriental e o europeu; o antigo e o moderno), era para auxiliar toda a nação a fazer o mesmo. Aproveitando o melhor dos dois mundos para criarem o melhor de todos os mundos. Um mundo que, além de ser criado segundo os vários padrões culturais, fosse pleno de potencialidades ainda não realizadas. Era uma ambição enorme, quase que irrealizável, mas que tinha o mérito de esporeá-los, de fazer com que andassem depressa por caminhos que os próprios anjos temeriam percorrer. E os resultados que ocasionalmente colheram vieram provar, para surpresa geral, que não eram tão loucos como pareciam. É verdade que não conseguiram criar o melhor de todos os mundos, mas com uma série de tentativas audazes realizaram um mundo superior a muitos outros. Uma pessoa que fosse simplesmente prudente e perspicaz nem sequer imaginaria ser possível congregar de modo harmonioso, e num mesmo mundo, culturas tão diversas.

— Se o louco persiste na sua loucura, acabará se tornando sábio — disse Will, citando Os provérbios do inferno.

— Exatamente — disse o dr. Robert. — E a mais extravagante de todas as loucuras é aquela descrita por Blake e que o rajá e o dr. Andrew contemplavam: a enorme loucura de tentar fazer um casamento entre o céu e o inferno. Mas, se você persistir nessa enorme loucura, a recompensa será estupenda! No entanto, é indispensável que permaneça inteligente. Tolices a nada conduzem. É somente entre os inteligentes e os espertos que a loucura pode trazer sabedoria ou produzir bons resultados. Felizmente, esses dois loucos tinham talento e foram bastante hábeis para iniciar suas loucuras de modo modesto e sedutor. Começaram dando alívio às dores. Os palaneses eram budistas e sabiam como a miséria está relacionada com a mente. Apegue-se, almeje, lute e viverá num inferno de sua própria fabricação. Desapegue-se e viverá em paz. Buda já dizia: «Eu lhes mostro o sofrimento e o seu fim». O dr. Andrew dispunha de um meio que permitia uma espécie de desligamento mental que daria fim a pelo menos uma espécie de sofrimento: a dor física. Com o próprio rajá, sua esposa, a rani, e sua filha servindo como intérpretes, o dr. Andrew dava aulas dessa arte recém-descoberta a grupos de parteiras, médicos, professores, mães e inválidos. O parto sem dor colocou imediatamente as mulheres de Pala, cheias de entusiasmo, ao lado dos inovadores. Com as operações sem dor para pedras na bexiga, cataratas e hemorróidas, ganharam a aprovação de todos os velhos e doentes. De um só golpe, mais da metade da população adulta se aliou a eles e ficou inclinada a receber com boa vontade as reformas que se seguiram.