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Depois que o dr. Robert se calou, Will percebeu os chiados e o raspar das patas dos ratos engaiolados; olhando pela janela aberta, ouviu a babel da vida tropical e o chamado distante de um pássaro mainá:

— Aqui e agora, rapazes! Aqui e agora…

— Você é como aquele mainá — disse finalmente o dr. Robert. — Educado para repetir palavras que não entende ou de que não conhece a razão de ser. «Não é real. Não é real.» Porém, se experimentasse aquilo que Lakshmi e eu atravessamos juntos ontem, compreenderia melhor. Saberia que foi muito mais real do que aquilo que você chama de realidade. Mais real do que o que está pensando e sentindo neste momento. Mais real do que o mundo que tem à sua frente. No entanto, tudo o que lhe ensinaram a dizer foi: «Não é real. Não é real. Não é real».

O dr. Robert pousou afetuosamente a mão no ombro do rapaz.

— Ensinaram-lhe que não passamos de um grupo de viciados em entorpecentes, cheios de autocomiseração, chafurdando em ilusões e falsos samadhis. Ouça, Murugan, procure esquecer todas as obscenidades que lhe foram incutidas. Esqueça pelo menos até o ponto em que lhe seja possível admitir uma simples experiência. Tome quatrocentos miligramas de moksha e descubra, por si, qual o seu efeito. Descubra o que diz sobre a sua própria natureza e a respeito deste estranho mundo onde você terá que viver, aprender, sofrer e finalmente morrer. Sim, mesmo você morrerá um dia. Daqui a cinqüenta anos? Amanhã? Quem sabe? No entanto, acontecerá, e somente um tolo não se prepara para esse dia. — Virando-se para Will, disse: — Gostaria de me acompanhar enquanto tomamos um banho de chuveiro e trocamos de roupa?

Sem esperar resposta, deixou-os e dirigiu-se a uma porta que conduzia ao corredor central do grande edifício. Will apanhou seu bordão de bambu e, acompanhado por Vijaya, deixou a sala.

— Acha que Murugan ficou impressionado? — perguntou a Vijaya logo que a porta se fechou atrás deles.

Vijaya encolheu os ombros, dizendo:

— Duvido.

— Com a influência de sua mãe e a paixão por motores de combustão interna, é provavelmente impermeável a qualquer coisa que lhe possa ser dita. Deveria tê-lo ouvido discorrer sobre os veleiros a motor! — disse Will.

— Já tivemos oportunidade de ouvi-lo — aparteou o dr. Robert, que, parado diante de uma porta azul, os aguardava para que fossem todos juntos. — Já o ouvimos freqüentemente. Quando atingir a maioridade, os veleiros irão constituir um assunto político de grande importância.

Vijaya sorriu e disse:

— Velejar ou não velejar, eis a questão.

— Não é somente em Pala que «é a questão» — acrescentou o dr. Robert. — É um problema que todos os países subdesenvolvidos terão que resolver de um modo ou de outro.

— O resultado é sempre o mesmo. Em todos os lugares em que estive (e já estive quase em toda a parte) se decidiram espontaneamente a velejar — disse Will.

— Sem exceção — concordou Vijaya. — Velejar pelo simples fato de velejar, mandando às favas as considerações sobre as realizações, o autoconhecimento e a liberação. Isso sem mencionarmos as simples questões de saúde pública, de agricultura e de felicidade.

— Enquanto nós — disse o dr. Robert — sempre preferimos usar a nossa economia e tecnologia com os seres humanos, não permitindo que sejam usados pela economia e a tecnologia dos outros. Importamos o que não produzimos, porém nos limitamos a produzir e importar somente o que é permitido por nossos recursos. E nossos recursos são limitados, não só pelas nossas divisas em libras, marcos ou dólares, mas principalmente, principalmente — insistiu — por nosso desejo de sermos felizes e por nossa ambição em nos tornarmos inteiramente humanos. Após cuidadosos estudos sobre o assunto, decidimos que os veleiros a motor estão entre as coisas, no meio de muitas outras, que não nos podemos permitir. O probrezinho do Murugan terá de aprender isso pelo modo mais duro, uma vez que ainda não aprendeu e não o deseja fazer pelo modo mais fácil.

— Qual o modo mais fácil? — perguntou Will.

— Através da educação e do «revelador da realidade». Murugan ainda não teve nenhum dos dois, ou melhor, teve o oposto. Sua educação foi estragada na Europa (governanta suíça, professores ingleses, cinema americano, anúncios de todas as partes) e a realidade foi ofuscada pelo estigma da espiritualidade materna. Não é de espantar que sonhe com os veleiros a motor.

— Não creio que seus súditos concordem com isso.

— E por que haveriam de concordar? Desde a infância lhes foi ensinado a estarem inteiramente cônscios do mundo e a desfrutarem dessa consciência. Além disso, tanto eles como o mundo e as pessoas que lhes foram mostradas foram vistos como coisas iluminadas e transfiguradas pelos «reveladores da realidade». Isso naturalmente os ajuda a ter uma percepção mais intensa e um prazer ainda mais cheio de compreensão, de modo que os acontecimentos mais triviais e as coisas mais simples sejam como se fossem jóias e milagres. Jóias e milagres! — repetiu enfaticamente. — Assim sendo, por que recorrermos aos veleiros a motor ou a qualquer outra espécie de distrações e de compensações?

— Nada a que falte o todo tem qualquer valor — citou Will.

— Agora compreendo a que se referia o velho rajá. Não se pode ser um bom economista sem ser também um bom psicólogo. E um bom engenheiro sem ser um tipo acabado do metafísico.

— Não se esqueça de todas as outras ciências — disse o dr. Robert. — Por exemplo, a farmacologia, a sociologia, a fisiologia, sem esquecer a autologia pura e aplicada, a neuroteologia, a metaquímica, o micromisticismo e a ciência básica, a ciência sobre a qual, mais cedo ou mais tarde, teremos de ser inquiridos: a tanatologia. — Enquanto assim falava, o dr. Robert mantinha o olhar a distância, como se quisesse estar a sós com seus pensamentos, lembrando-se de Lakshmi no hospital. Continuando em silêncio por alguns momentos, disse finalmente, mudando de tom:

— Bem… Vamos tomar banho.

Abrindo a porta azul, precedeu-os à entrada de um longo banheiro que tinha, de um lado, uma fileira de chuveiros e de pias e, do outro, uma série de pequenas gavetas e um grande guarda-roupa.

Will sentou-se enquanto seus companheiros se ensaboavam em bacias e continuou a conversar.

— Seria permitido a um forasteiro sem educação experimentar uma pílula «da verdade e da beleza»?

A resposta foi outra pergunta:

— O seu fígado está em bom estado? — indagou o dr. Robert.

— Excelente.

— Além disso, você não parece ser mais do que medianamente esquizofrênico. Desse modo, não vejo nenhuma contra— indicação.

— Posso me submeter à experiência?

— Quando quiser — respondeu o dr. Robert e, entrando no chuveiro mais próximo, abriu a torneira. Vijaya acompanhou-o.

— Vocês são mesmo intelectuais? — perguntou-lhes Will quando os dois saíram dos chuveiros e estavam se enxugando.

— Fazemos trabalho intelectual! — respondeu Vijaya.

— Então, qual a razão para toda essa horrível trabalheira?

— A razão é muito simples: durante esta manhã, tive algum tempo disponível — disse Vijaya.

— E eu também — disse o dr. Robert.

— Então foram para os campos e agiram à Tolstoi!

Vijaya sorriu e disse:

— Parece imaginar que o fazemos movidos por razões éticas!

— E não é?

— Certamente que não. Faço trabalho braçal simplesmente porque tenho músculos e, se não os usar, me transformarei num sedentário mal-humorado.

— Sem nada entre o córtex e as nádegas. Ou melhor, com tudo, porém em condições de inconsciência completa e de estagnação tóxica — disse o dr. Robert. — Os intelectuais do Ocidente são tolos «viciados em cadeiras» e por esse motivo a grande maioria de vocês é repulsivamente corrupta. No passado, mesmo os duques, os agiotas ou os metafísicos tinham que dar grandes caminhadas. Quando não iam a pé, estavam se sacudindo no lombo dos cavalos. Enquanto hoje, do magnata à sua secretária, do positivista lógico ao pensador positivo, nove décimos do seu tempo são gastos sobre espuma de borracha. Almofadas de espuma para traseiros de espuma: em casa, no escritório, nos carros, nos bares, nos aviões, nos trens e nos ônibus. Nada de movimentar as pernas, nada de lutar com as distâncias e a lei da gravidade, apenas elevadores, aviões, carros. Apenas espuma de borracha e a possibilidade de ficar eternamente sentado. A força vital acostumada a achar uma forma de escape através dos músculos cansados é devolvida às vísceras e ao sistema nervoso e vai lentamente destruindo-os.