— Resolveu cavar e cavoucar como uma forma de terapêutica?
— Não como um tratamento, mas como um método profilático que torne desnecessário o tratamento. Em Pala, os professores e os funcionários do governo trabalham pelo menos duas horas por dia, cavando e cavoucando.
— Como parte das suas obrigações?
— Sim. Mas isso também faz parte dos seus prazeres.
Will fez uma careta e comentou:
— Eu não consideraria isso um prazer!!
— Sua atitude é decorrente do fato de não lhe terem ensinado a usar apropriadamente sua mente e seu corpo — explicou Vijaya. — Se lhe houvessem ensinado a fazer as coisas com o mínimo de esforço e o máximo de atenção, você apreciaria mesmo a labuta honesta.
— Imagino que aqui as crianças sejam educadas dessa maneira, não é?
— A partir do momento em que começam a fazer as coisas por si mesmas. Por exemplo, qual é a posição correta que se deve assumir enquanto se abotoam as roupas?
Ato contínuo, Vijaya começou a abotoar a camisa que acabara de vestir.
— A resposta à questão é: pôr-se o cérebro e o corpo na melhor posição fisiológica. Nós as encorajamos ao mesmo tempo a observar como se sentem por estarem na melhor posição fisiológica. Fazemos com que saibam, por meio de toques, pressões e sensações musculares, em que consiste o processo de abotoar— se. Quando alcançam os quatorze anos de idade, aprenderam como tirar o melhor e máximo, tanto objetiva como subjetivamente, de qualquer atividade que empreendam. É nessa época que os iniciamos no trabalho. Noventa minutos por dia em alguma espécie de trabalho manual.
— De volta ao velho sistema do trabalho manual infantil!
— Ou melhor, um passo adiante desse ócio infantil moderno. Vocês não permitem que seus adolescentes trabalhem e por isso eles têm de descarregar a força na delinqüência. Em outros casos, essa força é sufocada até que estejam completamente domesticados e aptos a se tornarem viciados no sedentarismo. E agora, vamos. Já está na hora — acrescentou. — Irei na frente.
Quando entraram no laboratório, Murugan terminava de fechar sua pasta para evitar que algum curioso a visse.
— Estou pronto — disse ele. Pondo o volume de mil, trezentas e cinqüenta e oito páginas do «Novíssimo Testamento» debaixo do braço, acompanhou-os.
Alguns minutos depois, apertados num jipe antiquado, os quatro rodavam pela estrada que, passando pelo estábulo do touro branco, perto do poço de lótus, pelo enorme Buda de pedra e pelo portão do acampamento, ia dar na rodovia.
— Sinto muito que não possamos lhes fornecer um meio de transporte mais confortável — disse Vijaya, enquanto iam aos trancos.
Will deu uma pancadinha amigável no joelho de Murugan.
— Este é o homem com quem você deveria estar se desculpando — disse. — Aquele cuja alma anseia por Jaguares e Thunderbirds.
— Isso é um desejo que talvez tenha de permanecer insatisfeito — disse o dr. Robert, do banco traseiro.
Murugan não fez nenhum comentário, porém sorriu enigmaticamente e de modo superior.
— Não podemos importar brinquedos, somente coisas essenciais — continuou o dr. Robert.
— Quais são elas?
— Você verá daqui a pouco.
Fizeram uma curva e a distância, abaixo deles, viam-se os telhados de sapé e os jardins tricolores de uma vila de tamanho considerável. Vijaya estacionou o veículo num lado da estrada e desligou o motor.
— Você está diante de novo Rothamsted — disse. — Ou melhor, diante de Madalia. Aqui há arroz, legumes, frutas e aves domésticas, sem esquecer duas olarias e uma fábrica de móveis. Também há esses fios.
Apontou na direção onde a longa fileira de torres metálicas subia por trás da vila, num aclive cheio de plataformas, mergulhava cume abaixo, escondendo-se para reaparecer mais adiante, subindo por outro vale, na direção do cinturão verde da selva montanhosa e dos distantes picos nublados.
— Eis uma das importações indispensáveis: material elétrico. Depois que a força das quedas-d’água tiver sido utilizada e as linhas de transmissão forem instaladas, existe algo mais que possui grande prioridade. — Indicou com o dedo um bloco de cimento sem janelas que se erguia desajeitadamente entre as casas de madeira existentes nas imediações da entrada superior da vila.
— Que é aquilo? Algum forno elétrico? — perguntou Will.
— Não. As estufas estão do outro lado da vila. É o frigorífico da comunidade.
— No passado costumávamos perder aproximadamente metade dos víveres perecíveis que produzíamos — explicou o dr. Robert. — Agora as perdas são mínimas. Tudo aquilo que plantamos é para nós, não para as bactérias do meio ambiente.
— Então, agora, dispõem de bastante alimento.
— Mais do que o suficiente. Comemos melhor do que qualquer outro país da Ásia e ainda há um excedente que se destina à exportação. Lenin costumava dizer que eletricidade mais socialismo é igual a comunismo. Mas nossas equações são bastante diferentes. Eletricidade menos indústria pesada mais controle da natalidade é igual a democracia e abundância. Eletricidade mais indústria pesada menos controle da natalidade é igual a miséria, totalitarismo e guerra.
— A título de curiosidade, quem é o dono de tudo isso? — perguntou Will. — Seu regime é o capitalismo ou o socialismo estatal?
— Nenhum dos dois. Na maior parte do tempo, trabalhamos no sistema cooperativo. A agricultura palanesa sempre se baseou na construção de plataformas e em obras de irrigação, e isso requer acordos amigáveis e esforços conjugados das firmas concorrentes. As competições não são compatíveis com o plantio de arroz num país montanhoso. Por isso o nosso povo achou simples passar, na comunidade de uma vila, do sistema de auxílios mútuos para as técnicas eficientes do cooperativismo. É nesse sistema que compram, vendem, financiam e dividem os lucros.
— Mesmo o financiamento é feito em bases cooperativas?
O dr. Robert fez que sim com a cabeça.
— Não queremos nada com esses agiotas que se encontram por todo o interior da índia. Nada de bancos nos moldes ocidentais. Nosso sistema de empréstimos foi baseado no estilo das associações de crédito criadas na Alemanha, há mais de um século, por Wilhelm Raiffeisen. O dr. Andrew persuadiu o velho rajá a convidar um dos empregados de Raiffeisen a vir aqui para organizar um sistema bancário cooperativo. E isso funciona até hoje.
— Qual é a sua moeda?
O dr. Robert mergulhou a mão no bolso da calça e tirou-a cheia de moedas de ouro, prata e cobre.
— Modestamente falando, Pala é um país produtor de ouro — explicou. — Nossa mineração é suficiente para dar lastro ao nosso papel-moeda, completando assim nossa exportação. Podemos pagar à vista, mesmo equipamentos caros, como estas linhas de transmissão e aqueles geradores que estão mais adiante.