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— Muito simples, no que diz respeito aos «Peter Pans». Nunca lhes é dada a oportunidade para que desenvolvam qualquer ânsia de poder. Nós curamos as suas tendências à delinqüência antes que tenham podido se desenvolver. Com os «homens músculos» a coisa é diferente. São tão musculosos e tão esmagadoramente extrovertidos quanto no seu mundo. E por que não se transformam em Stalins, Dipas ou em tiranos domésticos? Em primeiro lugar, nossas organizações sociais lhes oferecem muito poucas oportunidades de tiranizarem as suas famílias, e com nossos sistemas políticos é praticamente impossível que exerçam um domínio que ultrapasse os limites. O segundo fator reside no modo como educamos os «homens músculos», a fim de que tenham consciência das coisas, que desenvolvam a sensibilidade e achem prazer nas coisas simples da vida diária. Isso significa que sempre dispõem de uma, entre inúmeras alternativas, a fim de compensar o prazer de se tornarem chefes. Finalmente, canalizamos esse «amor ao poder e ao domínio», que acompanha esse tipo de físico e quase todas as suas variantes, fazendo com que se voltem para as coisas e se afastem das pessoas. Nós os designamos para a execução das mais variadas espécies de tarefas difíceis, vigorosas e violentas, que lhes permitam exercitar os músculos e satisfazer a sua necessidade de domínio. Mas isso é feito sem prejudicar ninguém e de um modo útil e positivamente inofensivo.

— Essas esplêndidas criaturas abatem árvores em vez de pessoas, não é assim?

— Exatamente. Quando já estão fartos das florestas podem ir para os mares ou fazer experiências em mineração. Quando querem um serviço mais leve, são encaminhados às plantações de arroz.

De repente, Will Farnaby deu uma gargalhada.

— De que está rindo?

— Estava me lembrando do meu pai. Talvez que, rachando lenha, ele viesse a se beneficiar e também à sua desgraçada família. Infelizmente era um gentleman inglês, e rachar lenha estava inteiramente fora de questão.

— Não fazia nenhum exercício físico para descarregar suas energias?

Will moveu a cabeça em sinal negativo.

— Além de ser um gentleman — explicou —, meu pai estava convencido de que era um intelectual. E um intelectual não caça, não atira nem joga golfe; limita-se a pensar e a beber. Suas únicas diversões, além do brandy, eram a tirania, as licitações e a política teórica. Imaginava ser uma «versão século XX» de lorde Acton, o último e solitário filósofo do liberalismo. Vocês gostariam de ouvi-lo falar a respeito das iniquidades «do moderno e onipotente Estado»? «O poder corrompe. O poder absoluto corrompe completamente. Completamente!», dizia. Após isso, tomava outra dose de brandy e voltava com renovado prazer à sua diversão favorita: maltratar a esposa e os filhos.

— Se o próprio lorde Acton assim não procedeu, foi simplesmente porque era virtuoso e inteligente — disse o dr. Robert. — Nada havia em suas teorias que visasse impedir que um delinqüente («homem músculo» ou «Peter Pan») viesse a pisar qualquer pessoa que se encontrasse ao alcance dos seus pés. Essa foi a fraqueza fatal de Acton. Como político teórico, era admirável. Como psicólogo prático, era quase inexistente. Parecia pensar que o problema do poder se resolveria apenas com boas organizações sociais, devidamente suplementadas pela moralidade sadia e por um pouco de religiosidade bem esclarecida. Mas o problema do poder tem as suas raízes na anatomia, na bioquímica e no temperamento. É evidente que o poder tem que ser restringido aos níveis legais e políticos. Também é evidente que deve haver uma contenção ao nível individual, isto é, nos instintos, emoções, glândulas, vísceras, músculos e sangue. Se dispusesse de tempo, gostaria de escrever um livro sobre a psicologia humana em relação à ética, à religião, à política e à lei.

— À lei — repetiu Will. — Estava pensando justamente em lhe fazer perguntas sobre ela. Vocês realmente não têm espadas ou punições? Ou ainda necessitam de juízes e de policiais?

— Sim. Ainda necessitamos deles, porém em menor quantidade que vocês — disse o dr. Robert. — Em primeiro lugar, graças não só à educação, mas também aos tratamentos preventivos, não cometemos muitos crimes. Em segundo lugar, os raros crimes que são cometidos, na sua maioria são encaminhados ao CAM (Comitê de Auxílios Mútuos). Essa associação consiste na psicoterapia em grupo, praticada por membros da comunidade que, também em grupo, assumiram a responsabilidade do auxílio aos delinqüentes. Nos casos mais difíceis, a esse tipo de psicoterapia é associado um tratamento médico. Sob a direção de alguém dotado de uma capacidade de discernimento excepcional, os casos-problema são submetidos a experiências com o moksha.

— E qual é a função do juiz?

— O juiz ouve as testemunhas e decide se a pessoa acusada é inocente ou culpada; se é culpada, envia-a ao seu CAM. Quando julga aconselhável, encaminha o acusado ao serviço local ou aos especialistas que utilizam os cogumelos em seus estudos. A intervalos preestabelecidos, os especialistas e os membros do CAM enviam relatórios aos juízes e, quando são considerados satisfatórios, o caso é dado por encerrado.

— Que acontece nos casos que jamais venham a ser considerados satisfatórios?

— Na maioria das vezes são satisfatórios — disse o dr. Robert.

Houve um silêncio.

— Já escalou um rochedo alguma vez? — perguntou subitamente Vijaya.

Will sorriu e disse:

— Como pensa que machuquei minha perna?

— Isso foi escalada forçada. Pergunto se alguma vez já o fez como divertimento.

— Sim. O bastante para me convencer de que não tinha a menor aptidão.

Vijaya olhou de relance para Murugan e lhe perguntou:

— E você, já escalou enquanto esteve na Suíça?

O jovem corou fortemente, balançou a cabeça numa negativa e disse:

— Não se pode fazer nada disso quando se tem tendência para a tuberculose.

— Que pena! — disse Vijaya. — Teria sido tão bom para você…

Will perguntou:

— Pratica-se muito o alpinismo nestas montanhas?

— O alpinismo é parte integral do currículo escolar.

— Para todos?

— Um pouco para cada um. Para os «homens músculos» completamente desenvolvidos, as tarefas de escalada são maiores. Isso corresponde a um entre doze meninos e vinte e sete meninas. Breve estaremos vendo alguns jovens tentarem fazer sua primeira escalada após o curso elementar.

O túnel verde se alargou, ficou mais claro e subitamente se encontraram fora da floresta encharcada. Estavam numa larga prateleira de solo quase uniforme, cercada pelos seus três lados por rochas vermelhas que se elevavam a mais de seiscentos ou novecentos metros, numa sucessão de cumes recortados e de pináculos isolados. A temperatura estava agradável, mas ao passarem da luz solar para a sombra de uma ilha flutuante de cumulus poderia dizer-se que estava quase frio. O dr. Robert se inclinou para a frente e apontou, através do pára-brisa, um grupo de edifícios brancos que se achavam num montículo próximo ao centro do platô.

— Aquele é o Posto Experimental de Grandes Altitudes — disse. — Está a dois mil metros do nível do mar e tem mais de dois mil hectares de terra boa e plana, onde podemos plantar praticamente tudo o que cresce no sul da Europa. Desde trigo, cevada, ervilhas verdes, repolho, alface e tomates (as frutas não crescem nos lugares onde a temperatura da noite ultrapassa os sessenta e oito graus Fahrenheit), aos morangos, groselhas, nozes, ameixas rainhas-cláudias, pêssegos e abricós. Sem mencionar todas as valiosas plantas que são nativas das altas montanhas desta latitude, como os cogumelos que o nosso jovem amigo desaprova tão violentamente,

— É para esse lugar que nos dirigimos? — perguntou Will.