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— Não. Iremos ainda mais alto.

O dr. Robert apontou para o último posto avançado da cordilheira, onde havia uma rocha vermelho-escura que tinha uma vertente inclinada para a selva. A outra, muito escarpada, se dirigia para um vértice que se perdia entre as nuvens.

— Iremos ao velho templo de Xiva. Os peregrinos costumavam ir até lá nas primaveras e outonos equinociais. Em toda a ilha, este é um dos meus lugares favoritos. Quando as crianças eram pequenas, Lakshmi e eu costumávamos ir lá fazer piqueniques quase todas as semanas. Há quantos anos!

Sua voz tinha um tom de tristeza. Suspirando, recostou-se no assento do jipe e fechou os olhos.

Abandonando a estrada que se dirigia para o Posto Experimental das Grandes Altitudes, continuaram a subida.

— Estamos chegando à última e pior etapa da viagem — disse Vijaya. — São sete curvas fechadas e cerca de oitocentos metros num túnel sem ventilação.

Tendo mudado para a primeira marcha, a conversa se tornou impossível. Dez minutos depois chegavam ao destino.

CAPÍTULO X

Movendo com cuidado a perna imobilizada, Will desceu do carro e olhou em redor. Ao sul se erguiam elevados penhascos vermelhos e nas outras direções viam-se declives escarpados. A crista da cordilheira tinha sido nivelada e no centro desse estreito terraço se erguia o templo — uma grande torre vermelha maciça, quadrangular e dotada de suportes verticais. As montanhas haviam fornecido a matéria-prima para a construção e suas formas simétricas contrastavam com as rochas. Possuía a regularidade pragmática das coisas vivas e não a das abstrações euclidianas. Suas paredes ricamente trabalhadas e seus contornos arredondados se entrelaçavam e se estreitavam para formar uma espiral que terminava num anel de mármore. Sobre a cúpula achatada e multiarqueada, uma protuberância da mesma pedra vermelha — semelhante a um grande folheto — coroava o conjunto.

— Foi construída cinqüenta anos antes da conquista normanda — disse o dr. Robert.

— Parece que não foi construída pelo homem e sim que surgiu das rochas — comentou Will. — Assemelha-se a um botão de agave, cujo caule, ao atingir três metros de altura, tivesse explodido em flores.

— Olhe — disse Vijaya tocando seu braço. — Um grupo de alunos do curso básico está descendo.

Will olhou na direção das montanhas e viu que um jovem, calçando botas ferradas e usando trajes de alpinismo, tentava descer por uma garganta existente na encosta do precipício. Apoiando-se num ponto em que pôde repousar, o jovem atirou a cabeça para trás e emitiu o grito dos alpinistas. Quinze metros acima, outro rapaz surgira de trás de um contraforte de rochas e, deixando a saliência onde se apoiara, iniciou a descida.

— Não se sente tentado? — perguntou Vijaya dirigindo-se a Murugan.

Agindo como um adulto entediado e sofisticado, que tem coisas mais importantes com que se ocupar e que não se interessa por brincadeiras de criança, Murugan respondeu com um levantar de ombros:

— Nem um pouco.

Saindo de onde estava, sentou-se sobre um leão entalhado em madeira e gasto pelo tempo e, tirando do bolso uma revista americana ricamente encadernada, começou a ler.

— Que é que está lendo? — perguntou Vijaya.

— Ficção científica — respondeu Murugan, em tom de desafio.

— Tudo o que lhe permita fugir à realidade — comentou sorrindo o dr. Robert.

Fingindo não ter ouvido, Murugan virou uma página e continuou a ler.

— Ele é muito bom — disse Vijaya, que estava observando os progressos do jovem alpinista. — Na extremidade de cada corda há um homem experimentado — esclareceu. — Você não pode vê-lo porque está atrás daquele contraforte, dez a doze metros acima. Existe um espigão de ferro fixado na rocha, onde a corda é amarrada. Todo o grupo pode cair sem que nada de grave aconteça.

Com as pernas abertas e os pés apoiados nas encostas da estreita garganta, o chefe do grupo os encorajava e dava instruções em altas vozes. À medida que o rapaz se aproximava, ele cedia seu lugar, descia uns sessenta metros, parava e emitia o grito dos alpinistas. Usando botas e calças compridas, uma mocinha alta e de tranças surgiu de trás do contraforte e começou a descer.

— Excelente — disse Vijaya, observando-a.

Enquanto isso, de uma construção baixa, existente no sopé do rochedo — uma versão tropical de uma cabana dos Alpes —, um grupo de jovens saíra para observar o que estava acontecendo.

Will foi informado de que pertenciam aos outros três grupos de alpinistas que tinham se submetido, algumas horas antes, ao Exame Pós-elementar.

— O melhor grupo recebe algum prêmio? — perguntou Will.

— Ninguém ganha nada — respondeu Vijaya. — Isto não é uma competição; se você quer saber, se assemelha muito mais a uma provação.

— Uma provação que marca o fim da infância e o ingresso na adolescência — explicou o dr. Robert. — Uma provação que os ajudará a compreender o mundo onde têm de viver e que os fará sentir a onipresença da morte e a precariedade fundamental de toda a existência. À provação segue-se a revelação. Dentro de alguns minutos esses rapazes e essas mocinhas terão sua primeira experiência com o moksha. Assistirão em conjunto a uma cerimônia religiosa no templo.

— Algo semelhante à confirmação?

— Difere da confirmação por ser mais do que uma simples peça do palavrório teológico. Graças ao moksha, foi incluída uma experiência da «coisa» real.

— A «coisa» real? — perguntou Will meneando a cabeça. — Gostaria de acreditar que isso existe.

— Ninguém está lhe pedindo para acreditar — disse o dr. Robert. — A «coisa» real não é uma proposição. É um modo de ser. Não ensinamos nenhum credo às nossas crianças. Também não as perturbamos emocionalmente com cargas simbólicas. Quando chega o tempo em que devem aprender as verdades mais profundas da religião, mandamos que escalem um precipício e depois disso lhes damos quatrocentos miligramas de revelação. Duas experiências de primeira mão sobre o que é a realidade, através das quais qualquer rapaz ou moça dotado de inteligência mediana pode tirar boas conclusões sobre a razão de ser das coisas.

— Convém que o velho e querido problema do poder não seja esquecido — disse Vijaya. — O alpinismo é um preventivo à tirania.

— Na sua opinião, meu pai deveria ter sido um alpinista, além de lenhador?

— Isso pode lhe parecer engraçado — respondeu Vijaya, rindo. — Mas o fato é que funciona. Funciona realmente! Posso dar-lhe o meu caso como exemplo. Até agora, consegui resistir a todas as tentações de impor meus desejos. Garanto-lhe que as tentações foram tão fortes quanto esses desejos…

— Parece existir somente um problema — disse Will. — Nesse processo de se livrar das tentações, você pode cair… —

Lembrando-se do que acontecera a Dugald MacPhail, deixou a frase inacabada.

Foi o dr. Robert quem a terminou:

— Poderia cair e morrer. Dugald estava escalando sozinho — disse após uma pausa. — Ninguém sabe o que aconteceu. Seu corpo só foi encontrado no dia seguinte.

— Mesmo assim, continua achando que o alpinismo seja uma boa idéia? — perguntou Will, apontando com seu bordão de bambu para as minúsculas figuras que se arrastavam com dificuldade nas ermas escarpas de rocha nua.

— Ainda assim acho que é uma boa idéia — respondeu o dr. Robert.

— Mas a pobre Susila…

— É verdade. Pobre Susila. Pobre Lakshmi. Pobre de mim. Mas se Dugald não tivesse o hábito de arriscar a vida, muitos outros poderiam ser infelizes por razões inteiramente diferentes. É melhor que uma pessoa seja atraída por perigos que podem matá-la do que ser tentada a matar os outros ou fazê-los infelizes. Ferir a outrem simplesmente porque um excesso de prudência ou de ignorância não permitiu que, na escalada de um abismo, a agressividade natural fosse extravasada. E, agora, quero lhe mostrar o panorama — disse em outro tom.