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— Enquanto isso, irei conversar com as mocinhas e os rapazes. — Assim dizendo, Vijaya dirigiu-se para o grupo que estava no sopé dos penhascos vermelhos.

Deixando Murugan entregue à leitura da sua revista de ficção científica, Will acompanhou o dr. Robert através de uma porteira sustentada por pilares e cruzou a ampla plataforma de pedra que circundava o templo. Num dos ângulos dessa plataforma se erguia um pequeno pavilhão abobadado. Após entrarem, pararam junto a uma larga janela e olharam para fora. Na linha do horizonte, erguendo-se como uma sólida parede de jade e de lápis-lazúli, estava o mar. A uma íngreme escarpa de trezentos metros de profundidade, seguia-se o verde da selva. Além da selva, contrafortes e vales se desdobravam verticalmente. Campos incontáveis, dispostos como se fossem uma ampla escada construída por mãos humanas, cortavam-nos em sentido horizontal e as rampas inferiores se precipitavam num vasto planalto. À distância, parecendo inclinar-se entre as hortas e a praia franjada de palmeiras, surgia uma grande cidade que, do ponto privilegiado em que se encontravam, podia ser vista na plenitude de sua beleza. Parecia uma dessas cidades que se vêem nas minúsculas e delicadas pinturas dos livros de horas da Idade Média.

— Ali está Shivapuram — disse o dr. Robert. — Aquele conjunto de edifícios que se vê na montanha do outro lado do rio é o grande templo budista. É anterior a Borobudur e a escultura é tão delicada quanto a dos períodos mais recentes da índia.

Após um pequeno silêncio, continuou:

— Esta pequena casa de veraneio é o local onde costumávamos fazer os nossos piqueniques nos dias de chuva. Nunca me esquecerei do tempo em que Dugald (que devia ter dez anos) se divertia subindo na borda da janela, se equilibrava numa perna só, imitando uma atitude de Xiva dançarino. A coitada da Lakshmi ficava apavorada. Mas Dugald era um acrobata nato, o que torna seu acidente ainda mais incompreensível.

Balançou a cabeça e, depois de outro silêncio, prosseguiu:

— A última vez em que viemos até aqui foi há oito ou nove meses. Dugald estava vivo e Lakshmi ainda podia sair com os netos. Ele repetiu as acrobacias tipo Xiva para divertir Tom Krish— na e Mary Sarojini, e os seus braços se moviam com tanta rapidez que você juraria serem quatro.

O dr. Robert interrompeu a narrativa e, apanhando do chão um punhado de argila, atirou-o pela janela, dizendo:

— Queda, queda no espaço vazio… Pascal avait son gouffre. Como é estranho que o mais poderoso símbolo da morte seja ao mesmo tempo tão pleno de vida! — De repente o seu rosto se iluminou. — Viu aquele gavião? — perguntou.

— Um gavião?

O dr. Robert apontou para um ponto a meia distância entre o local em que estavam e as escuras copas das árvores, onde uma pequena encarnação de rapidez e rapinagem voava preguiçosamente em círculos, sem mover as asas.

— Faz-me recordar um poema que o velho rajá escreveu a respeito deste lugar — disse.

Você quer saber O que penso estar Fazendo nas alturas Onde Xiva dança Acima do mundo? O gavião que sobre nós Dardeja como uma seta negra E que deixa atrás de si Um grito agudo e um rastro cor de prata É á única resposta para a pergunta Sobre o que faço neste lugar. Estamos muito longe das quentes planícies Reprovadoramente distantes da nossa gente. Apesar disso, sinto-me muito perto, Pois daqui, entre o céu enevoado E o mar que avistamos, de repente Descubro os seus e os meus segredos. E o segredo, eu o concebo Como esse espaço vazio. Em outras palavras, esse espaço vazio É o símbolo da natureza de Buda, Sempre em perigo. Isso me faz lembrar… Parou de declamar e olhou o relógio.

— Qual a próxima parte do programa? — perguntou Will quando saíram para a luz.

— O serviço do templo — respondeu o dr, Robert. — Os jovens alpinistas oferecerão a conclusão dos estudos a Xiva. Em outras palavras, às suas próprias imagens, que eles vêem como se fossem Deus. Após a cerimônia, começará a segunda parte da Iniciação: a experiência da auto-liberação.

— Com o auxílio do moksha!

O dr. Robert balançou a cabeça em sinal de afirmação.

— Seus chefes lhes dão o remédio antes que deixem a cabana da Associação de Alpinismo. De lá eles se dirigem para o templo e a droga começa a agir durante a cerimônia. Devo lhe dizer que a cerimônia é em sânscrito e, sendo assim, você não entenderá uma só palavra. Na qualidade de presidente da Associação de Alpinismo, Vijaya fará uma alocução em inglês. Eu também farei uma e na conversação dos jovens predominará o inglês.

O interior do templo era frio e escuro como uma caverna. Toda a iluminação provinha de um pouco da esmaecida luz solar que se filtrava através de pequenas janelas de rótula e das sete velas do altar que pendiam como trêmulos halos amarelos sobre a cabeça da imagem. Era uma estátua em cobre, pouco maior que uma criança, e representava Xiva. Circundada por uma auréola fulgurante de glória, com os quatro braços em expressivas posições, os cabelos trançados voando em desordem, o pé direito esmagando o mais horrível e maligno dos pigmeus e o pé esquerdo graciosamente erguido, lá estava o deus como que congelado em êxtase. Sem os trajes de alpinismo, de sandálias, com o peito nu, usando calções ou saias de cores vivas, um grupo de moças e rapazes, juntamente com seis jovens que haviam sido seus chefes e instrutores, estava sentado no chão com as pernas cruzadas. Acima deles, no último degrau do altar, um velho sacerdote, barbeado e usando um manto cerimonial amarelo, recitava algo sonoro e incompreensível.

Deixando Will instalado num bom lugar, o dr. Robert, andando na ponta dos pés, dirigiu-se para onde Vijaya e Murugan estavam sentados e se acocorou atrás deles.

Ao esplêndido ribombar do sânscrito seguiu-se um canto alto e nasalado, que foi por sua vez substituído por uma ladainha na qual as alocuções do sacerdote se alternavam com as respostas dos fiéis.

O incenso começara a ser queimado num turíbulo de bronze. O velho sacerdote ergueu as mãos. Durante longos minutos do mais absoluto silêncio, fios de fumaça do incenso se elevaram em linha reta e sem ondeações, ante o deus. Aí, como se tivesse encontrado uma corrente de ar, se desfez numa nuvem invisível que encheu o espaço penumbroso com a fragrância de um outro mundo.

Abrindo os olhos, Will pôde observar que, ao contrário dos demais, Murugan estava inquieto e preocupado. Na sua fisionomia podia-se também perceber impaciência e desaprovação. Nunca havia feito escaladas e por isso considerava o alpinismo coisa sem importância. Sempre se recusara a tomar o moksha, achando que aqueles que o usavam ultrapassavam os limites do admissível. Sua mãe acreditava nos Mestres Ascendentes e conversava regularmente com Koot Hoomi. Por isso a imagem de Xiva lhe parecia um ídolo vulgar.

«Que pantomima eloqüente», pensava Will enquanto observava o rapaz. Mas, para felicidade do pobre Murugan, ninguém estava prestando a menor atenção aos seus gestos.

— Shivanayama — disse o velho sacerdote quebrando o longo silêncio. — Shivanayama — repetiu, e fez um aceno.

Levantando-se do lugar onde estava, a mocinha alta que Will vira descer o precipício subiu os degraus do altar. Apoiada na ponta dos pés, seu.corpo untado brilhando sob as lâmpadas como uma segunda estátua de cobre, pendurou uma grinalda de flores amarelo-claras no mais alto dos braços esquerdos de Xiva. Feito isso, de mãos postas, olhando para a face serena e sorridente do deus, começou a falar numa voz insegura, mas que progressivamente foi se tornando mais firme: