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— Em quanto tempo a lição será aprendida? Quando deixará de se sugestionar por esses símbolos?

— Talvez nunca venha a aprender. Isso acontece a várias pessoas. Para compensar, muitas outras aprendem com facilidade.

Pegando o braço de Will, guiou-o na escuridão até chegarem atrás da imagem da Sabedoria. O cantochão tornou-se mais nítido. Quase escondido pelas sombras, um homem velho e nu da cintura para cima estava sentado numa postura rígida e imóvel, e só seus lábios se moviam: parecia a estátua dourada de Amitabha.

— O que está entoando? — perguntou Will.

— Alguma coisa em sânscrito.

Sete sílabas incompreensíveis eram repetidas sem interrupção.

— Que repetição tola!

— Não é tão tola assim, pois graças a isso às vezes se consegue o que se quer — objetou Mrs. Rao.

— Ajudam pelo simples fato de serem repetidas e não pelo que possam significar ou sugerir — explicou Vijaya. — Poderia repetir «Olá trapaceiro, trapaceiro», e isso funcionaria tão bem quanto «Om», «Kyrie Eleison» ou «Láila, illa, llah». Funcionaria porque, enquanto a pessoa está ocupada com a repetição de «trapaceiro, trapaceiro», ou mesmo do nome de Deus, não pode estar inteiramente preocupada consigo mesma. O único inconveniente é que o hábito de repetir «Olá, trapaceiro, trapaceiro» pode ter conseqüências inteiramente diversas: tanto pode mergulhá-lo nas trevas da idiotia como pode levá-lo ao desconhecido mundo do conhecimento pleno.

— Pelo que estou ouvindo, acho que você não recomendaria isso à nossa amiguinha das orquídeas…

— Não recomendaria a não ser que estivesse excessivamente nervosa ou ansiosa. Contudo, isso não se dá com ela. Conheço-a muito bem, pois costuma brincar com meus filhos.

— Sendo assim, que faria no caso dela?

— Entre outras coisas, daqui a mais ou menos um ano a levaria ao lugar para onde estamos nos dirigindo agora — respondeu Vijaya.

— Que lugar?

— Para a sala de meditação.

Will seguiu-o através de uma arcada e um pequeno corredor. Abriram pesadas cortinas e penetraram numa grande sala pintada de branco. De uma grande janela à esquerda se descortinava um pequeno jardim plantado de bananeiras e árvores de fruta-pão. Não havia mobiliário, apenas algumas almofadas espalhadas pelo chão. Na parede oposta à janela havia um grande quadro a óleo. Will olhou-o de relance e depois aproximou-se para vê-lo mais de perto.

— Que beleza! — disse finalmente. — Quem é o autor?

— É Gobind Singh.

— E quem é Gobind Singh?

— É o melhor pintor de paisagens que Pala já teve. Morreu em 1948.

— Por que nunca vimos nenhum quadro dele?

— Simplesmente porque apreciamos demais seu trabalho para permitir que seja exportado.

— Ótimo para vocês, porém nada bom para nós — disse Will, olhando novamente para a pintura. — Esse homem esteve alguma vez na China?

— Não, mas estudou com um pintor cantonês que vivia em Pala, e é claro que tinha visto várias reproduções das paisagens de Sung.

— Uma autoridade em Sung que escolheu pintar a óleo e que se interessava pelo claro-escuro — disse Will.

— Isso só aconteceu em 1910, quando foi a Paris e fez amizade com Vuillard.

Will balançou a cabeça dizendo:

— É fácil perceber isso se observarmos a extraordinária riqueza estrutural de sua obra.

Continuando a olhar o quadro em silêncio, Will perguntou após algum tempo:

— Por que está pendurado aqui nesta sala?

— Dê a sua opinião.

— Será porque é o que vocês chamam um «diagrama da mente»?

— Não. O templo é que era um diagrama. Isso é algo muito melhor. É uma autêntica manifestação da Mente (com M maiúsculo) através do cérebro de um individuo. Essa manifestação está relacionada com o que sentiu e com o modo como transportou para uma tela uma paisagem que teve a oportunidade de ver. Representa o vale mais próximo, a oeste de onde estamos. Foi pintado do local onde as linhas de força desaparecem além da cordilheira.

— Que nuvens! Que luz! — exclamou Will.

— E a luz de uma hora antes do escurecer — explicou Vijaya. — Parara de chover pouco antes e o sol saíra novamente, mais brilhante do que nunca. Uma luminosidade oblíqua se filtrava através de um teto de nuvens e dava novo brilho aos moribundos clarões da tarde. Um pontilhado de luzes se espalhava sobre todas as coisas e intensificava as sombras.

— Intensificava as sombras — repetiu Will para si mesmo enquanto olhava o quadro. A sombra daquele maciço de nuvens, que se assemelhava a um verdadeiro continente, tornava quase negra toda a extensão da cordilheira. A meia distância, ilhas de nuvens formavam novas ilhas de sombras. E entre aquela sucessão de sombras se destacava o brilho do arroz novo, as tonalidades quentes da terra lavrada, a incandescência do calcário virgem e as grandes manchas escuras alternavam com o fulgor de diamantes que se irradiava das flores eternamente verdes. No centro do vale erguia-se um grupo de distantes e minúsculas casas de sapé. Apesar da distância e das dimensões, como eram perfeitas, nítidas e cheias de significação! Significativas, mas, quando se indagava interiormente sobre seu significado, não se obtinha resposta. Will formulou a pergunta.

— Qual o seu significado? — repetiu Vijaya. — Elas são o que são. O mesmo se aplica às montanhas, às nuvens, às luzes e às sombras. Por essa razão, consideramos este quadro uma imagem autenticamente religiosa. Os quadros pseudo-religiosos sempre têm alguma outra significação além das coisas que estão representando, algum fragmento de tolice metafísica ou algum dogma absurdo sobre a teologia local. Uma imagem verdadeiramente religiosa é sempre intrinsecamente significativa. Por isso, penduramos este tipo de quadro nas nossas salas de meditação.

— Sempre paisagem?

— Quase sempre. As paisagens realmente fazem com que as pessoas se lembrem de quem são.

— E serão melhores do que as cenas da vida de um santo ou de um salvador?

Vijaya balançou a cabeça.

— Em primeiro lugar aí está a diferença entre o objetivo e o subjetivo. Um quadro de Cristo ou de Buda é simplesmente a lembrança de algo observado por um behaviorista e interpretado por um teólogo. Porém, quando se é confrontado com uma paisagem como esta, é psicologicamente impossível que seja vista com os olhos de algum J. B. Watson ou com o cérebro de um Tomás de Aquino. A submissão a essa experiência imediata é quase que forçada e a pessoa é praticamente compelida a representar um ato de autoconhecimento.

— Autoconhecimento? Como assim?

— Sim, autoconhecimento — insistiu Vijaya. — A vista deste vale é a projeção da sua própria mente, da mente de todos, tal qual existe, acima e abaixo do nível da história de cada um. São os mistérios da escuridão, de uma escuridão fervilhante de vida. Verdadeiros apocalipses de luz: o brilho da luz das frágeis casinhas, das árvores, da grama ou dos espaços azuis entre as nuvens, tem a mesma intensidade. O homem é tão divino quanto a Natureza e tão infinito quanto o Vazio. Isto é um fato que resiste a todas as tentativas que fazemos para negá-lo. Desse modo, estamos ficando perigosamente próximos à teologia e ninguém jamais foi salvo por uma teoria. Aferremo-nos aos dados e aos fatos concretos.

Apontando para o quadro, Vijaya continuou:

— E os fatos concretos estão todos representados neste quadro: metade de uma vila iluminada pelo sol, enquanto a outra está envolta em sombras e em mistério. Montanhas azul-escuras encimadas por fantásticas massas de vapor. Lagos azuis no céu, lagos verde-claros contrastando com o áspero marrom— avermelhado da terra iluminada pelo sol. Essa grama em primeiro plano, essa moita de bambus a poucos metros da encosta… No vale, pequeninas casas… Mais adiante, picos de seiscentos metros de altura. As paisagens não dão a noção de distância e por isso são os motivos religiosos mais autênticos.