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Enquanto isso, Mrs. Anand estava explicando, sotto voce, a fim de não distrair a atenção dos alunos. Ela sempre dividia as classes em dois grupos. Num ficavam os do tipo «visual», aqueles que, como os antigos gregos, pensavam em termos geométricos. Os «não-visuais», aqueles que preferiam a álgebra e as abstrações, constituíam o outro grupo. Com alguma relutância, Will deixou de prestar atenção à beleza de um mundo não-destruído e que ali estava representado por aquele grupo de corpos jovens e se resignou a demonstrar um interesse inteligente pela diversidade humana e pelo ensino da Matemática.

Finalmente saíram da sala. Na porta vizinha, numa sala azul— clara, decorada com quadros de animais dos trópicos, de Bodhisattva e dos seus peitudos shaktis, a 5a série inferior estava tendo uma das aulas bissemanais de Filosofia Elementar Aplicada. Os seios eram menores, os braços mais finos e menos musculosos; somente há um ano haviam emergido da infância.

— Os símbolos são públicos — estava dizendo um homem ainda jovem próximo ao quadro-negro, no momento em que Will e Mrs. Narayan entraram na sala. Desenhou uma série de pequenos círculos e escreveu os números 1, 2, 3, 4 e a letra n. — Estes números representam o povo — explicou. Depois, partindo de cada um dos pequenos círculos, desenhou uma linha que os ligava a um quadrado existente à esquerda do quadro-negro. Escreveu um S no centro do quadrado. — Se o sistema de símbolos que o povo usa quando quer conversar entre si. Todos falam a mesma língua: inglês, palanês, esquimó, dependendo do local onde vivem. As palavras são públicas. Pertencem a todos os que falam uma determinada língua. Estão catalogadas nos dicionários. Observemos agora o que está acontecendo lá fora — dizendo isso, apontou para uma janela aberta. Sobre o fundo branco de uma nuvem, meia dúzia de ruidosos papagaios voavam em nossa direção e, após passarem por trás de uma árvore, desapareceram no horizonte. O professor desenhou um segundo quadrado do lado oposto do quadro, marcou-o com a letra A (para designar «acontecimento») e ligou-o aos círculos por meio de linhas. O que acontece lá fora é público, ou pelo menos bastante público — disse ele. — Quando alguém fala ou escreve, isso também é público. Mas as coisas que ocorrem no interior destes pequenos círculos são individuais. Individuais.

Pondo a mão sobre o peito, repetiu:

— Individual. — Friccionou a testa e disse: — Individual.

— Tocou as pálpebras e a ponta do nariz com o indicador escuro. — Agora vamos fazer uma experiência simples: digam a palavra «beliscar».

— Beliscar — disse a classe em uníssono. — Beliscar…

— B-E-L–I-S-C-A-R, beliscar. Isso é uma palavra pública. Todos podem procurá-la no dicionário. Mas agora quero que vocês se belisquem. Com força! Com mais força!

Com um acompanhamento de risos, de «ais» e de «uis», as crianças cumpriram a ordem que lhes foi dada.

— Pode alguém sentir aquilo que seu vizinho está sentindo?

Seguiu-se um coro de «nãos».

— Parece que embora haja… Vamos ver quantos somos?

— disse o professor correndo os olhos pelas carteiras à sua frente. — Parece que houve vinte e três dores diferentes e independentes. Vinte e três somente nesta sala. Quase três bilhões em todo o mundo, sem acrescentarmos as dores de todos os animais. Cada uma delas é estritamente individual. Não há nenhum mo— do de transferir a experiência de um centro da dor para outro. Nenhuma comunicação a não ser indiretamente, através do S. — Dizendo isso, apontou para o quadrado à esquerda do quadro— negro e depois para os círculos do centro. — Dores individuais aqui em 1, 2, 3, 4 e n. Notícias a respeito de dores individuais em S, onde você pode dizer «beliscar», que é uma palavra pública, catalogada no dicionário. Prestem atenção a isso: exige somente uma palavra pública, «dor», para designar os três bilhões de experiências individuais, embora cada uma delas possa diferir tanto da outra quanto meu nariz difere do de vocês, e como o nariz de cada um de vocês difere do nariz do outro. Uma única palavra define coisas e acontecimentos que pela sua natureza se assemelham entre si. Esta é a razão pela qual a palavra é pública. E, sendo pública, é impossível que abranja todas as múltiplas variantes de um mesmo acontecimento.

Seguiu-se um silêncio, após o qual o professor levantou os olhos e perguntou:

— Alguém sabe alguma coisa sobre Mahakasyapa?

Muitas mãos se levantaram. Ele apontou com o dedo para uma menina de saia azul e de colar de conchas, que estava sentada na primeira fila.

— Conte-nos alguma coisa, Aniya.

Nervosa e com voz ciciada, Amiya começou:

— Mahakasyapa foi o único dos discípulos de Buda que compreendeu o que ele dizia — disse na sua pronúncia defeituosa.

— E a respeito de que ele falava?

— Ele não estava conversando e foi por isso que os discípulos não o entenderam.

— Todavia, Mahakasyapa compreendeu o que Buda dizia, embora ele não estivesse pregando, não é verdade?

A menina concordou com um aceno de cabeça.

— Foi exatamente assim. Todos pensavam que ele ia fazer um sermão, mas ele não o fez. Somente apanhou uma flor e levantou-a para que todos a vissem.

— Isso foi o sermão — gritou um menino de tanga amarela e que se mexera durante todo o tempo no banco, contendo a custo o desejo de mostrar o que sabia.

— Mas ninguém entendeu aquele tipo de sermão, somente Mahakasyapa — insistiu a menina.

— Que disse Mahakasyapa quando Buda levantou a flor?

— Nada — gritou em triunfo o menino de tanga amarela.

— Limitou-se a sorrir — disse Amiya. — E isso mostrou a Buda que havia entendido. Retribuiu o sorriso e ambos se sentaram sorrindo.

— Muito bem — disse o professor. — E agora vamos ouvir o que você pensa que Mahakasyapa entendeu — falou, dirigindo— se ao menino de tanga amarela.

Após um curto silêncio, a criança, de crista caída, balançou a cabeça.

— Não sei — murmurou.

— Alguém sabe?

Houve uma série de conjeturas: talvez tivesse entendido que o povo fica enfastiado com sermões, mesmo com os sermões de Buda; talvez gostasse tanto de flores quanto o Compassivo gostava; talvez fosse uma flor branca que o tivesse feito pensar na Grande Luz; ou talvez fosse azul, a cor de Xiva…

— Boas respostas — disse o professor. — Especialmente a primeira. Os sermões são terrivelmente maçantes, principalmente para o pregador. Contudo, uma pergunta ficou sem resposta. Se qualquer uma das respostas que vocês deram tivesse correspondido àquilo que Mahakasyapa entendeu quando Buda levantou a flor, por que será que ele não usou tantas palavras para explicá-lo?

— Talvez não fosse um bom orador — disse Amiya na sua pronúncia defeituosa.

— Era um excelente orador.

— Talvez estivesse com dor de garganta.

— Se estivesse com dor de garganta, não sorriria tão prazerosamente.

— Diga-nos — pediu uma voz trêmula vinda do fundo da sala.

— Diga-nos — repetiu uma dúzia de vozes.

O professor balançou a cabeça.

— Se Mahakasyapa e o Compassivo não conseguiram traduzir em palavras, como poderei fazê-lo? Vamos dar outra olhada nesses diagramas que estão no quadro-negro. Palavras públicas, acontecimentos maiores, menos públicos. Finalmente o povo. Centros inteiramente individuais de dor e de prazer. Completamente individuais? Talvez não seja de todo verdadeiro. É possível que, apesar de tudo, exista alguma espécie de comunicação entre os círculos, não através das palavras, como estou me comunicando com vocês neste momento. É possível que isso aconteça de um modo direto. Pode ser que tenha sido isso que Buda quis dizer naquele sermão sem palavras, no qual levantou a flor. «Possuo o tesouro dos ensinamentos sem erros», disse aos discípulos, «o maravilhoso espírito de nirvana, a ausência de forma da forma verdadeira, excedendo o poder das palavras, o ensinamento a ser ministrado e a ser recebido de uma fonte estranha a qualquer das doutrinas. Isto entreguei agora a Mahakasyapa».