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— Como foi possível ensinar os professores dessas crianças a «construírem pontes»?

— Começamos a ensiná-los há cerca de cento e sete anos — respondeu Mrs. Narayan. — Foram criados cursos para homens e mulheres que já haviam sido educados nos moldes palaneses tradicionais. Isso significava que tinham aprendido boas maneiras, agricultura e artesanato industrial, misturados com a medicina caseira, a biologia e física das «velhas comadres», uma grande crença no poder mágico e na veracidade dos contos de fada. Não conheciam nada sobre ciência e história e ignoravam totalmente o que se passava no exterior. A única vantagem desses futuros professores residia no fato de serem budistas convictos. A maioria deles praticava a meditação e todos já haviam lido ou ouvido falar a respeito da filosofia do mahayana. Por conseguinte, nos campos da metafísica e da psicologia aplicadas, sua educação era muito mais completa do que a de qualquer grupo de futuros professores da sua parte do mundo. O dr. Andrew era um humanista antidogmático, educado cientificamente, que havia descoberto o valor do mahayana tanto na forma pura quanto na aplicada. Seu amigo, o rajá, era um budista tantrik que descobrira o valor da ciência pura e aplicada. Ambos viram com clareza que, para alguém ter a capacidade de ensinar as crianças a se tornarem seres humanos numa sociedade feita para permitir que seres humanos completos nela vivessem, o professor teria que aprender, antes de qualquer coisa, a aproveitar aquilo que os dois mundos tivessem de melhor.

— Qual foi a reação desses primeiros professores? Não houve nenhuma resistência aos novos métodos?

Mrs. Narayan meneou a cabeça negativamente:

— Não houve a menor resistência pelo simples fato de que nada realmente importante fora atacado. O budismo foi respeitado. Tudo o que se lhes pediu foi que deixassem de lado a ciência das «velhas comadres» e os «contos de fadas». Em troca receberam uma grande variedade de fatos do maior interesse, assim como as teorias mais úteis. De certo modo, as coisas excitantes da cultura, do poder e do processo do mundo ocidental tinham que ser associadas, e até certo ponto subordinadas, às teorias do budismo e aos fatos psicológicos da metafísica aplicada. Nesse programa do «melhor dos dois mundos» nada havia que ofendesse as suscetibilidades mesmo do mais sensível e ardente dos cultores religiosos.

— Tenho minhas dúvidas quanto aos nossos futuros professores — disse Will após um curto silêncio. — A esta altura dos acontecimentos, será que ainda têm capacidade de aprender a tirar o melhor dos «dois mundos»?

— Por que não? Não é necessário que abdiquem de qualquer coisa que seja realmente importante. Os nãos-cristãos poderiam continuar a pensar nos homens e os cristãos continuariam adorando a Deus. A única diferença é que Deus deve ser imaginado como Ser Imanente e o homem, um ser potencialmente auto-transcendente.

— E a senhora acha que eles fariam essas mudanças sem qualquer reclamação? — perguntou Will sorrindo. — É muito otimismo!

— Meu otimismo se baseia no fato de que, se alguém tentar resolver um problema com inteligência e realismo, os resultados têm todas as possibilidades, de serem bons — disse Mrs. Narayan. — O exemplo desta ilha justifica uma certa dose de otimismo. E agora vamos assistir a uma aula de dança.

Atravessaram um pátio sombreado por árvores e, passando por uma porta de vaivém, penetraram num recinto onde as batidas ritmadas de um tambor e os sons dos pífanos repetiam uma curta melodia pentatônica que Will achou vagamente parecida com uma cantiga escocesa.

— Trata-se de música mesmo ou é uma simples gravação — indagou Will.

— É uma gravação japonesa em fita — respondeu laconicamente Mrs. Narayan.

Abrindo uma segunda porta, penetraram numa grande sala de esportes onde dois jovens barbudos e uma senhora idosa, pequenina e extremamente ágil, usando longas calças de cetim preto, ensinavam os passos de uma dança alegre a um grupo de vinte ou trinta crianças.

— É alguma brincadeira ou faz parte do ensino?

— É uma mistura de ambos e também de ética aplicada. É semelhante aos exercícios de respiração de que falamos há pouco, porém muito mais eficazes porque são bem mais violentos.

— Esmaguemo-lo — cantavam as crianças em uníssono, enquanto pisoteavam com toda a força dos seus pequenos pés calçados de sandálias. — Esmaguemo-lo. — Após um furioso pisoteio final, deram início aos meneios e evoluções de um outro movimento da dança.

— Esta é chamada «dança rakshasi» — explicou Mrs. Narayan.

— Dança rakshasi? O que é isso? — indagou Will.

— Um rakshasi é uma espécie de demônio muito grande e desagradável. Ele personifica as paixões mais pavorosas. A dança rakshasi é um artifício usado para descarregar a energia acumulada pela ira e pelas frustrações naquelas cabecinhas perigosas.

«Esmaguemo-lo»… A música chegara novamente à parte do refrão: «esmaguemo-lo»…

— Batam novamente com os pés — gritou a professora de dança, dando o exemplo. — Com mais força! Mais!…

— O que foi que deu maior contribuição para a moralidade e para o comportamento racional? As orgias de Baco ou a República? As Éticas de Nicomaqueanas ou as danças coribânticas? — conjeturou Will.

— Os gregos — disse Mrs. Narayan — eram demasiadamente sensatos para pensar em termos de alternativas. Pensavam em termos de não, somente, mas e também. Não me refiro somente a Platão e Aristóteles, mas também às bacantes. Sem as danças vivas destinadas a aliviar as tensões, a moral filosófica teria sido impotente. Por outro lado, sem a moral filosófica, as danças vivas perderiam a significação. Nós nos limitamos a arrancar uma página do velho livro grego.

— Ótimo — disse Will, que como sempre (mesmo no auge do prazer e do entusiasmo) não conseguia esquecer que era um homem que nunca aceitava o «sim» com resposta. Lembrando-se disso, deu uma gargalhada. — Afinal de contas — disse —, isso não faz nenhuma diferença. O coribantismo não impediu que os gregos cortassem os pescoços uns dos outros. Se o coronel Dipa se decidir a entrar em ação, em que essa dança rakshasi poderá ajudá-los? Talvez somente sirva para auxiliá-los a se reconciliarem com o próprio destino.