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— Concordo — disse Mrs. Narayan. — Todavia, para mim, o fato de possibilitar a reconciliação com o nosso próprio destino constitui uma realização heróica!

— Parece que a senhora admite o fato com muita calma.

— Qual seria a vantagem de uma atitude histérica? Nossa situação pessoal seria agravada e a situação política não melhoraria.

Esmaguemo-lo — tornaram a gritar as crianças em uníssono. E as tábuas tremiam com o bater dos pés. — Esmaguemo-lo.

— Não vá pensar que esta seja a única espécie de dança que ensinamos — prosseguiu Mrs. Narayan. — Dar nova direção às forças másculas de maus sentimentos é tarefa séria. Mas não menos importante é a missão de expressar a cultura e os bons sentimentos. Para esse fim, nos utilizamos de movimentos enérgicos e de gesticulação expressiva. Se o senhor tivesse vindo ontem, quando nosso mestre-visitador esteve aqui, eu poderia ter-lhe mostrado como ensinamos esse tipo de dança. Infelizmente hoje é impossível e ele não voltará antes de terça-feira.

— Que espécie de dança ele ensina?

Mrs. Narayan tentou descrever:

— Nada de saltos, nada de piruetas, nada de corridas. Os pés estão sempre firmes no solo. Os quadris e os joelhos executam movimentos de flexão e de lateralidade. Toda expressão é limitada aos braços, punhos, mãos, pescoço, cabeça, face e, sobretudo, aos olhos. Movimentos dos ombros para cima e para fora. Movimentos intrinsecamente belos e cheios de significação simbólica. É o pensamento adquirindo forma através de um ritual de gestos estilizados. É o corpo transformado num hieróglifo, numa sucessão de hieróglifos. E, do mesmo modo que na música e na poesia, essas atitudes dão formas às várias nuanças do nosso espírito. Movimentos dos músculos expressando o que se passa no consciente, traduzindo a penetração da Semelhança na multidão e levando essa mesma multidão até o Imanente, o Único e o Onipotente. É a meditação em ação. É a metafísica do mahayana, expressa não em palavras, mas através dos movimentos e gestos simbólicos — concluiu.

Saíram do ginásio por uma porta diferente daquela por onde haviam entrado e se dirigiram para a esquerda de um pequeno corredor.

— Quem vem a seguir?

— A 4a série elementar — respondeu Mrs. Narayan. — Eles estão às voltas com a Psicologia Elementar Aplicada. — Concluindo isso, abriu uma porta verde.

— Agora vocês já sabem — dizia uma voz que Will reconheceu. — Ninguém tem que sentir dor. Vocês já disseram a vocês mesmos que a alfinetada não doerá. E não doerá!

Entraram na sala. Muito alta, no meio de um grupo de pequenos corpos, alguns gordos, outros magros, porém todos de pele escura, lá estava Susila MacPhail. Após sorrir, apontou para duas cadeiras existentes num dos cantos da sala. — Ninguém tem que sentir dor. Mas não esqueçam: a dor sempre indica que alguma coisa está errada. Vocês aprenderam como eliminar a dor, mas não o façam sem antes se perguntarem: «Qual a razão desta dor?» E se for intensa e sem razão aparente, falem com suas mães, com seus professores ou com qualquer dos membros adultos do Clube de Adoção Mútua. Depois disso, eliminem a dor. Eliminem a dor, na certeza de que, se alguma coisa precisar ser feita, será feita. Compreenderam?

Depois de ter respondido a todas as perguntas, Susila continuou:

— Vamos brincar de faz-de-conta. Fechem os olhos e façam de conta que estão olhando aquele velho mainá de uma perna só que vem aqui diariamente em busca de alimento. Podem vê-lo?

Certamente que podiam. O mainá de uma só perna era indiscutivelmente um velho amigo.

— Vejam-no com a mesma nitidez com que o viram hoje na hora do almoço. Não fixem o olhar. Não façam nenhum esforço. Vejam somente o que chegar a vocês. Deixem o olhar passear do bico à cauda do pássaro, de seu olho redondo, pequeno e brilhante até sua única perna cor-de-laranja.

— Posso ouvi-lo — disse espontaneamente uma menina. — Ele está dizendo: «karuna, karuna».

— É mentira — disse outra criança com indignação. — Está dizendo: «Atenção!»

— Ele está dizendo as duas coisas — afiançou-lhes Susila.

— É possível que esteja dizendo muitas outras palavras. Mas agora iremos fazer alguns exercícios práticos. Imaginem que existem dois mainás de uma só perna. Três mainás de uma só perna. Quatro mainás de uma só perna. Vocês podem vê-los?

As crianças disseram que sim.

— Quatro mainás de uma só perna. Um em cada canto de um quadrado e um quinto no meio. Agora mudemos as cores deles. No momento todos são brancos. Cinco mainás brancos com cabeças amarelas e uma perna cor-de-laranja. Agora as cabeças são de um azul vivo e o resto é cor-de-rosa. Cinco pássaros cor-de-rosa com as cabeças azuis. Eles continuam mudando de cor. Agora todos são vermelhos. Cinco pássaros vermelhos com as cabeças brancas. Cada um deles com uma perna verde-clara. Que está acontecendo, meu Deus? Não são cinco mainás! São dez. São vinte, cinqüenta, cem. Centenas e centenas. Vocês podem vê-los?

— Alguns conseguiam vê-los sem maiores dificuldades, e para aqueles que não podiam Susila fazia proposições mais modestas.

— Imaginem doze deles — disse. — Se acharem que doze é muito, pensem em dez ou em oito, que é uma quantidade apreciável de mainás. — Quando todas as crianças acabaram de invocar a quantidade de mainás que tinham capacidade de imaginar, ela bateu palmas e disse: — Todos desapareceram. Todos, sem nenhuma exceção. Não há mais nada aqui. Agora vocês vão deixar de ver mainás. Vocês vão me ver. Eu, representada em amarelo. Duas figuras minhas em verde. Três em azul com manchas cor-de-rosa. Quatro no vermelho mais brilhante que já viram. — Bateu palmas novamente. — Desapareceu tudo. Desta vez pensem em Mrs. Narayan e nesse homem de aparência engraçada que entrou na sala com uma perna dura. Pensem em quatro de cada um deles. Imaginem que estão no grande pátio do ginásio. Imaginem que estão dançando a dança rakshasi. Esmaguemo-los! Esmaguemo-los!

Houve risos abafados. Os «Wills» e as «diretoras» deviam lhes ter parecido muito cômicos no papel de dançarinos.

— Livremo-nos deles! Desapareceram! Agora, cada um de vocês verá as próprias mães e pais. Três de cada um deles correndo no playground. Cada vez mais depressa. Mais depressa. Desapareceram… De repente, vocês voltam a vê-los. Estão, não estão. Estão, não estão…

As risadinhas se transformaram em fortes gargalhadas e, no meio dos risos, soou uma campainha. A aula de Psicologia Elementar Aplicada estava encerrada.

— Qual é o objetivo de tudo isto? — perguntou Will a Susila, depois que as crianças foram brincar e de Mrs. Narayan ter voltado para seu gabinete.

— O objetivo é fazer as pessoas compreenderem que não estão completamente à mercê da memória e das fantasias — respondeu Susila. — Se o que pensamos nos perturba, podemos tomar algumas providências. Tudo é uma questão de aprender como fazer e se exercitar; o processo é o mesmo de quando se aprende a escrever ou a tocar flauta. As crianças que estavam aqui há pouco aprendiam uma técnica muito simples e que mais tarde é desenvolvida a fim de se tornar um método de liberação. Não uma liberação completa, é claro, porém «meio pão é bem melhor do que nenhum». Essa técnica não conduz à descoberta da natureza de Buda, mas pode ajudá-lo a se preparar para essa descoberta. E esse auxílio talvez consista na liberação de cada uma das lembranças dolorosas que o perseguem, dos remorsos e das apreensões infundadas quanto ao futuro.

— Perseguição é a palavra certa — concordou Will.

— Mas não é necessário que sejamos perseguidos. Alguns dos «fantasmas» podem ser destruídos com a maior facilidade. Se os tratarmos do mesmo modo como tratamos os mainás, a você e a Mrs. Narayan. Troque suas roupas, dê-lhes outro nariz. Multiplique-os. Diga-lhes que se vão. Chame-os de volta e obrigue-os a fazer algo ridículo. Somente então destrua-os. Pense no que poderia ter feito a respeito do que sentia por seu pai se alguém lhe tivesse ensinado, na infância, alguns truques simples! Você o pintava como o mais terrível dos papões! Isso, porém não era necessário. Usando sua imaginação poderia ter transformado o papão num ser ridículo e mesmo num conjunto de seres ridículos. Vinte deles, sapateando e cantando Sonhei que morava em salões de mármore. Com apenas um pequeno curso de Psicologia Elementar Aplicada, toda a sua vida poderia ter sido diferente.