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Enquanto se dirigiam para o local onde o jipe estava estacionado, Will pensava na maneira pela qual se conduzira quando da morte de Molly. Que espécies de exorcismos imaginários poderia ter praticado naquele alvo súcubo que cheirava a almíscar e encarnava os seus frenéticos e repugnantes desejos?

Nesse momento chegaram perto do jipe. Will deu as chaves a Susila e procurou ajeitar-se no banco. Como se uma compulsão neurótica o obrigasse a ser ruidoso a fim de compensar a sua diminuta estatura, um carro pequeno e antigo, vindo da aldeia, enveredou pela estrada e estacionou ao lado do jipe.

Voltando-se para olhá-lo, viram Murugan debruçado à janela do «baby Austin» real. A seu lado, grande e ondeada como se fosse uma nuvem de musselina branca, estava a rani.

Will cumprimentou-a com um gesto de cabeça, recebendo em troca o mais gracioso dos sorrisos, que logo se desvaneceu ao responder secamente o cumprimento de Susila.

— Vão passear? — indagou Will de modo cortês.

— Vamos até Shivapuram — respondeu a rani.

— Se essa «lata velha» não se desmanchar pelo caminho — ajuntou Murugan com amargura, ligando a chave de ignição. O motor deu um último soluço obsceno e parou de funcionar.

— Vamos visitar alguém — continuou a rani. — Alguém — acrescentou, num tom altamente conspirador.

Sorrindo para Will, quase chegou a piscar-lhe o olho.

Fingindo não entender que ela se referia a Mr. Bahu, Will pronunciou um «Muito bem» não muito comprometedor e, mudando de assunto, passou a compadecer-se com os trabalhos e preocupações que ela teria que suportar com os preparativos da festa de maioridade de Murugan, que ocorreria na semana seguinte.

Murugan interrompeu-o com uma pergunta:

— Que está fazendo por aqui?

— Passei a tarde observando de perto o sistema educacional palanês.

— A educação palanesa — ecoou a rani. Repetiu as palavras balançando tristemente a cabeça. — Educação… palanesa…

— Gostei imensamente de tudo o que me foi dito ou mostrado por Mr. Menon, pela diretora, e do modo como Mrs. MacPhail ensina a Psicologia Elementar Aplicada — disse ele, tentando fazer com que Susila participasse da conversa.

Continuando propositadamente a ignorá-la, a rani apontou um dedo grosso e acusador em direção aos espantalhos que eram vistos no campo que ficava pouco abaixo de onde estavam.

— O senhor já viu isto, Mr. Farnaby?

Sim, ele os vira. E onde, a não ser em Pala, existem espantalhos que são ao mesmo tempo belos, eficientes e cheios de significação metafísica?

— E que, além de afastarem os pássaros das plantações de arroz, também afastam as crianças de Deus e de Suas Manifestações — disse a rani numa voz que vibrava com uma espécie de indignação soturna. — Escute — falou erguendo a mão.

Tom Krishna e Mary Sarojini haviam se reunido a um grupo de cinco ou seis companheiros e se divertiam em dar puxões nos cordéis que movimentavam as marionetes sobrenaturais. Do pequeno grupo vinha o som agudo de vozes que cantavam em uníssono. Ao repetirem a cantiga pela segunda vez, Will conseguiu distinguir as palavras:

Puxe, Puxe com força Os deuses sacodem e balançam Porém o céu continua imóvel…

— Bravo — disse Will sorrindo.

— Infelizmente isto não me diverte — disse severamente a rani. — Não é engraçado. É Trágico!

— Ouvi dizer que esses encantadores espantalhos foram invenção do bisavô de Murugan.

— O bisavô de Murugan foi um homem notável — disse a rani. — Notável pela inteligência, porém nem por isso menos perverso. Possuía dons preciosos, contudo os empregou mal! O que tornou as coisas ainda piores é que ele estava completamente impregnado de Falsa Espiritualidade.

— Falsa espiritualidade?

Will olhou para o enorme exemplar da «verdadeira espiritualidade» e conseguiu inalar, através do cheiro ainda quente dos derivados do petróleo, o perfume de sândalo tão semelhante ao do incenso e, como ele, tão extraterreno. Subitamente se surpreendeu em divagações e foi tomado por um arrepio ao imaginar a aparência que teria a rani se fosse inteiramente despida das suas vestes místicas e surgisse à luz do dia exibindo toda a sua exuberante obesidade. Usando a Psicologia Aplicada como vingança, ele a multiplicou em uma, duas, dez tríades de obesidades nuas.

— Sim, Falsa Espiritualidade — repetiu a rani. — Falava continuamente acerca de Libertação, mas por causa da sua obstinada recusa em seguir o Caminho Verdadeiro batalhou sempre em prol da Servidão. Fingindo humildade, seu coração era tão cheio de orgulho que recusava a admitir que existisse qualquer Autoridade Espiritual mais alta que a sua. Os Mestres, a Encarnação e a Grande Tradição nada significavam para ele. Nada! Por essa razão, existem agora estes horríveis espantalhos. Quando penso nessas Pobres e Inocentes Crianças que estão sendo deliberadamente pervertidas, a custo me contenho, Mr. Farnaby. A custo…

— Escute, mãe, se quisermos estar de volta até a hora do jantar é melhor que partamos agora — disse finalmente Murugan, após ter olhado várias vezes e com crescente impaciência seu relógio de pulso.

Seu tom era rude e autoritário. Era evidente que, pelo fato de se encontrar dirigindo um carro (mesmo um «baby Austin» senil) se considerava maior que a própria vida.

Sem esperar resposta da rani, ligou o motor, engrenou o carro e partiu após um ligeiro acenar de mão.

— Que bom que tenhamos nos livrado dela — disse Susila.

— Você não ama sua querida rainha?

— Não. Ela tem o condão de fazer meu sangue ferver.

— Então, esmaguemo-la! — cantou Will em tom de brincadeira.

— Você tem toda a razão! — concordou ela com uma gargalhada. — Infelizmente a ocasião não era própria para a dança rakshasi.

De repente seu rosto se iluminou com uma expressão travessa e, sem o menor aviso, ela deu um soco nas costelas de Will.

— Pronto! — disse. — Agora estou me sentindo bem melhor!

CAPÍTULO XIV

Susila ligou o motor e saíram por um atalho em declive. Depois subiram novamente e se dirigiram para a rodovia que passava no outro extremo da vila. Ao chegarem ao Posto Experimental, estacionou junto a um pequeno bangalô de sapé, em tudo semelhante aos demais. Subiram os seis degraus que conduziam à varanda e entraram numa sala de visitas caiada.

À esquerda, no vão de uma larga janela, estava armada uma rede.

— É para você — disse ela, apontando para a rede. — Aí você pode pôr a perna para cima. — E, enquanto Will se ajeitava, perguntou: — Sobre que assunto iremos conversar? — Puxou uma cadeira de vime e sentou-se a seu lado.

— Podemos falar sobre a bondade, a beleza e a verdade. Ou, talvez, sobre a feiúra, a maldade e sobre coisas ainda mais reais — disse Will com um sorriso escarninho.

— Acho que devíamos falar a seu respeito. Que tal continuarmos do ponto em que paramos da última vez? — disse ela, sem dar atenção à sua ironia.