De repente, estremeceu e mordeu o lábio.
Susila tomou-lhe as mãos entre as suas:
— A dor está muito forte?
— Seria forte se fosse realmente a minha dor. Mas, de algum modo, ela não me pertence. Está aqui, mas eu não estou. É semelhante ao que você descobre quando toma o moksha. Nada lhe pertence, nem mesmo sua dor.
— A luz ainda está aí?
Lakshmi fez um sinal negativo com a cabeça:
— Rememorando, posso lhe dizer o momento exato em que se foi. Desapareceu quando comecei a falar sobre o fato de a dor não ser realmente minha.
— Ainda assim, o que você dizia era bom.
— Eu sei, mas estava dizendo. — A sombra de um hábito antigo e travesso cruzou o rosto de Lakshmi.
— Em que está pensando? — perguntou Susila.
— Em Sócrates.
— Sócrates?
— Algaravia, algaravia! Algaravia mesmo depois que ele tomara o veneno. Não me deixe falar, Susila. Ajude-me a sair da minha própria luz.
— A senhora se lembra daquela vez, no ano passado, quando fomos todos ao templo do velho Xiva, acima do Posto das Grandes Altitudes? — perguntou Susila depois de um curto silêncio. — A senhora, o dr. Robert, Dugald, eu e as crianças, lembra-se?
Lakshmi sorriu alegremente ao recordar.
— Estou pensando especialmente naquela vista do lado oeste do templo. A vista do mar. Azul, verde, púrpura. As sombras das nuvens pareciam feitas a tinta. E as nuvens acetinadas eram brancas como a neve, cor de chumbo e pretas. Enquanto olhávamos, a senhora fez uma pergunta. Será que ainda se lembra?
— Aquela a respeito da Grande Luz.
— Exatamente. «Por que as pessoas se referem à Mente em termos de Luz? Será que, tendo achado tão bela a luz do sol, acharam natural identificar a natureza de Buda com a mais clara de todas as luzes? Ou será que acham beleza na luz do sol porque, desde que nasceram, vêm tendo, consciente ou inconscientemente, revelações da Mente sob a forma de Luz?» Fui a primeira a responder — disse Susila sorrindo para si mesma. — Acabara de ler um trabalho de um behaviorista americano e nem me detive para pensar. Dei imediatamente o ponto de vista científico: «As pessoas equacionam a Mente, não importa o que isso possa ser, com alucinações luminosas porque ficaram impressionadas com os numerosos crepúsculos a que tiveram ocasião de assistir». Mas o dr. Robert e Dugald não concordaram comigo. Para eles a Grande Luz vem em primeiro lugar. «Você gosta dos crepúsculos porque eles fazem com que se recorde das coisas que estão continuamente acontecendo, com ou sem seu conhecimento, tanto no interior de seu crânio como no mundo exterior, isto é, no espaço e no tempo», insistiram eles. A senhora se lembra de que concordou com eles e disse: «Gostaria de ficar do seu lado, Susila, apenas para que esses nossos homens não se sintam sempre certos. Mas neste caso é óbvio que têm razão». Eles estavam inteiramente certos e eu estava errada. Não preciso dizer que você sabia a resposta certa antes mesmo de ter feito a pergunta.
— Nunca soube nada. Eu apenas podia ver — sussurrou Lakshmi.
— Ainda me lembro de quando me contou que podia ver a Grande Luz — disse Susila. — Gostaria que lhe recordasse o fato?
A doente aquiesceu.
— Quando a senhora tinha oito anos, viu-a pela primeira vez. Uma borboleta alaranjada pousada sobre uma folha, abrindo e fechando as asas à luz do sol. Subitamente, a Grande Luz da Pura Semelhança brilhou como um outro sol.
— Muito mais brilhante e mais suave do que o sol — murmurou Lakshmi.
— A senhora podia olhá-la e não ficar ofuscada. Agora, lembre-se disto: uma borboleta abrindo e fechando as asas sobre uma folha verde. Isto é a natureza de Buda em toda sua plenitude, é a Grande Luz que brilha mais do que o sol. A senhora tinha apenas oito anos.
— Que tinha feito para merecer isso?
Will se surpreendeu a relembrar aquela noite, cerca de uma semana antes da morte de sua tia. Ela recordava a pequena casa em estilo Regência nas imediações de Arundel, onde, em sua companhia, ele passava a melhor parte das férias. Lembrava os piqueniques nas dunas ou sob as faias, as ocasiões em que ambos destruíam os ninhos das vespas com a fumaça de enxofre queimado, as salsichas enroladas de Bognor, a cigana que lia a sorte e que tinha profetizado que ele seria ministro das Finanças. O sacristão de batina negra e de nariz vermelho que os tinha expulsado da Catedral de Chichester porque tinham rido demais. Tinham «rido demais» e tia Mary repetiu em tom amargo: «Rido demais…»
— Agora — dizia Susila —, pense no que viu no templo de Xiva. Pense naquelas luzes e sombras que viu no mar. Pense naqueles espaços azuis entre as sombras. Pense nessas coisas e deixe que abandonem sua mente. Permita que saiam a fim de que o não-pensado possa entrar. Coisas lançadas dentro do Vazio. O Vazio lançado no interior da Verossimilhança. A Verossimilhança voltando a se converter em coisas, no interior de sua mente. Lembre-se do que está escrito no Sutra: Sua própria consciência brilhando, vazia, inseparável do Grande Corpo de Esplendor, não está sujeita nem ao nascimento nem à morte, mas se identifica inteiramente com a Luz Imutável, o Buda Amitabha.
— É idêntica à luz — repetiu Lakshmi —, no entanto está novamente escuro.
— Está escuro porque a senhora está se esforçando demais — disse Susila. — Está escuro porque a senhora quer que isso seja a luz. Lembre-se do que costumava dizer quando eu ainda era criança: «Com leveza, menina, com leveza. Você deve aprender a fazer as coisas com leveza. Pense, aja e sinta com leveza. Sim, sinta com leveza, mesmo que esteja sentindo profundamente. Com o espírito leve, deixe que as coisas aconteçam. Quando acontecerem, suporte-as sem se amargurar». Naquela época eu era tão absurdamente séria! Era tão pedante e sem senso de humor! «Aceite as coisas com leveza», foi o melhor conselho que recebi na vida. Agora vou lhe dizer o mesmo, Lakshmi… Com leveza, querida, com leveza… Mesmo quando a morte se aproxima. Nada que seja portentoso, cansativo ou solene. Nada de retórica nem de vozes tremidas. Nada de exames de consciência no estilo consagrado, na Imitação de Cristo, em Goethe ou em «pequena Neil». Não preciso dizer que não queremos nada com a teologia nem com a metafísica. Basta que pense na ocorrência da morte e da Grande Luz. Despeça-se de toda a bagagem e siga em frente. Existem areias movediças em seu redor. Elas estão puxando seus pés, tentando afundá-la no medo, na autocomiseração, no desespero. Por isso a senhora deve andar com leveza. Na ponta dos pés, sem nenhuma bagagem. Não leve nem mesmo um estojo para pó-de-arroz. Vá inteiramente desembaraçada…
Will pensou na pobre tia Mary, que a cada passo que dava mais afundava nas areias movediças. Na tia Mary que se debateu e protestou até o momento em que foi completa e definitivamente tragada pelo Horror Fundamental.
Olhou de novo a face descarnada que repousava no travesseiro e viu que sorria.
— A luz, a Grande Luz! Está aqui, juntamente com a dor, apesar da dor — disse num rouco murmúrio.
— Onde está você? — indagou Susila.
— Ali, naquele canto — Lakshmi tentou apontar o lugar, mas a mão que erguera caiu inerte na colcha. — Posso me ver ali. E ela pode ver meu corpo aqui na cama.
— Ela pode ver a Luz?
— Não. A Luz está onde está meu corpo. Está aqui.
A porta do quarto da doente foi aberta lentamente. Will virou a cabeça a tempo de ver a figura pequena e magra do dr. Robert emergir de trás do biombo e entrar no crepúsculo róseo.
Susila se levantou e deu-lhe o lugar onde estava. O dr. Robert sentou-se e, inclinando-se para a frente, tomou numa das mãos a da esposa, pousando a outra em sua testa.
— Sou eu — disse baixinho.
— Até que enfim!
— Uma árvore caiu sobre a linha telefônica. Nenhuma comunicação era possível com o Posto das Grandes Altitudes, a não ser através da estrada. Eles enviaram um mensageiro num carro, mas o carro enguiçou e perdemos mais de duas horas. Graças a Deus estou aqui finalmente.