Выбрать главу

A agonizante suspirou profundamente, abriu os olhos por um momento, olhou-o sorrindo e tornou a fechá-los.

— Eu sabia que você viria.

— Lakshmi — disse ele com carinho. — Lakshmi. — Passou repetidas vezes a ponta dos dedos sobre sua testa enrugada. — Meu amorzinho.

Lágrimas escorriam em seu rosto, mas sua voz estava firme e ele falou ternamente, não a respeito da fraqueza humana e sim da força.

— Não estou mais lá — murmurou Lakshmi.

— Ela estava ali no canto — explicou Susila ao sogro. — Estava olhando o próprio corpo deitado na cama.

— Mas agora voltei. Estamos todos juntos, eu e a dor, eu e a Luz, eu e você.

O pavão tornou a gritar. Na noite tropical, onde o ruído dos insetos é equivalente ao silêncio, ouviu-se à distância o ruído de uma música alegre. Podiam-se identificar facilmente os sons da flauta, dos instrumentos de corda e as batidas dos tambores.

— Escute — disse o dr. Robert. — Pode ouvir? Estão dançando.

— Dançando — repetiu Lakshmi. — Dançando…

— Dançando com tanta leveza! — comentou Susila. — E como se tivessem asas.

A música aumentou novamente de intensidade.

— É a dança do namoro — acrescentou Susila.

— Você se lembra da dança do namoro, Robert?

— Acha que poderia esquecer?

Sim, disse Will para si mesmo. Pode alguém esquecer? Podia alguém esquecer o som daquela outra música, superficial e incomum? Podiam os ouvidos de um menino esquecer aquele dia distante em que escutou os sons de uma respiração a morrer? Numa casa, no outro lado da rua, alguém estava se exercitando numa das valsas de Brahms que a tia Mary gostava de tocar. Um, dois, três — um, dois e três — um, dois e três. Um… dois, três. Um e um — e dois — três e um e… A odiosa estranha que em algum tempo tinha sido a tia Mary agitou-se no meio do seu torpor e abriu os olhos. Uma expressão da mais intensa maldade apareceu em seu rosto amarelo e descarnado. «Vá pedir-lhes que parem», disse quase chorando, naquela voz rouca e dificilmente reconhecível. Logo depois, os traços de maldade foram substituídos pelos do desespero e a estranha, aquela odiosa estranha, tão digna de pena, começou a soluçar incontrolavelmente. Aquelas valsas de Brahms eram, de todas as peças do seu repertório, as de que Frank mais gostava.

Uma nova rajada de vento fresco trouxe consigo os acordes ainda mais altos de uma melodia alegre e viva.

— Todos aqueles jovens dançando — disse o dr. Robert. — Todos aqueles risos e desejos, toda aquela felicidade simples. Tudo isso está aqui na atmosfera, como se fosse um campo de força. A alegria deles e o nosso amor (o amor de Susila, o meu amor) trabalhando juntos, um reforçando o outro. O amor e a alegria envolvendo-a, minha querida. O amor e a alegria levando-a para a paz da Grande Luz. Escute a música. Ainda pode ouvi-la, Lakshmi?

— Ela está flutuando novamente — disse Susila. — Tente trazê-la de volta.

O dr. Robert colocou um braço sob o corpo emaciado, erguendo-o à posição sentada. A cabeça caiu para o lado, sobre seu ombro.

— Meu amorzinho — ele continuou sussurrando. — Meu amorzinho…

Os olhos dela piscaram por um momento.

— Mais claro — disse quase inaudível. — Mais claro. — E um sorriso de intensa felicidade, quase atingindo o entusiasmo, transfigurou-lhe as feições.

Através das lágrimas, o dr. Robert sorria às suas costas.

— Agora você pode deixar que se vá, minha querida — disse alisando seus cabelos grisalhos. — Agora pode deixar que se vá. Deixe que se vá — insistiu. — Deixe que se vá deste corpo velho e sofredor. Você não precisa mais dele. Permita que se desprenda e que seu corpo fique aqui como uma trouxa de roupas velhas.

Na face descarnada, a boca tinha se aberto. De repente a respiração se tornou estertorosa.

— Meu amor, meu amorzinho… — disse o dr. Robert enquanto a estreitava nos braços. — Vá agora, vá. Deixe seu corpo e vá. Vá, minha querida, vá para a Luz, para a paz. Entre na paz vivificante da Grande Luz…

Susila tomou entre as suas, uma das mãos inertes e beijou-a. Depois voltou-se para a pequena Radha e disse num sussurro, tocando-lhe um dos ombros:

— Está na hora de ir embora.

Interrompida na sua meditação, Radha abriu os olhos, levantou-se e dirigiu-se para a porta, na ponta dos pés.

Susila acenou para Will e, juntos, acompanharam Radha. Os três seguiram em silêncio pelo corredor. Ao chegarem à porta de vaivém, Radha segurou uma das folhas para que os outros passassem.

— Obrigado por ter me deixado ficar com você — murmurou.

Susila beijou-a.

— Sou eu quem lhe agradece por ter tornado as coisas mais fáceis para Lakshmi.

Will seguiu Susila através do saguão e, juntos saíram para a escuridão da noite quente e perfumada. Em silêncio começaram a descer a rua, dirigindo-se para a praça do mercado.

Finalmente Will quebrou o longo silêncio e, num tom cínico e vulgar com o qual procurava dissimular a estranha compulsão sob a qual se achava, disse:

— Imagino que Radha está correndo para fazer um pequeno maithuna com seu namorado…

— Ela está de serviço na noite de hoje — respondeu Susila sem perder a calma. — Mas, mesmo que não estivesse, qual seria a objeção quanto ao fato de sair da ioga da morte para a ioga do amor?

Will não respondeu logo. Estava lembrando o que acontecera entre ele e Babs na noite do enterro de Molly. Pensava naquela ioga do antiamor, naquela ioga de ressentimentos somados, na luxúria e na auto-repugnância que reforça o ego, tornando-o ainda mais repulsivo.

— Sinto muito que tivesse a intenção de ser desagradável — disse finalmente.

— E o espírito de seu pai. Veremos se podemos exorcizá-lo.

Tinham atravessado a praça do mercado e, chegando ao fim da pequena rua que saía da cidade, atingiram o descampado onde o jipe estava estacionado.

Quando Susila fez uma curva antes de atingir a rodovia, a luz dos faróis incidiu sobre um pequeno carro verde que vinha descendo pelo atalho.

— Não é o «baby Austin» real?

— É, sim — disse Susila. — Gostaria de saber para onde a rani e Murugan estão indo a esta hora da noite.

— Não é para fazer nada de bom — conjeturou Will.

De repente, disse a Susila de sua condição de viajante sem rumo, a serviço de Joe Aldehyde. Falou-lhe das suas relações com a rainha-mãe e com Mr. Bahu.

— Você teria motivo para me deportar amanhã — concluiu.

— Não agora que você já mudou de mentalidade — disse ela. — Além disso, nada do que você fez pode ter afetado os verdadeiros interesses reais. Nosso inimigo é o petróleo em geral. Se somos explorados pela Companhia de Petróleo do Sudeste da Ásia ou pela Standard da Califórnia não faz a menor diferença.

— Sabia que Murugan e a rani estavam conspirando contra vocês?

— Eles não fazem segredo disso.

— Então, por que não se livram deles?

— Porque seriam imediatamente reconduzidos ao poder pelo coronel Dipa. A rani é uma princesa de Rendang e, se a expulsássemos, criaríamos um casus belli.

— E que pretendem fazer?

— Tentaremos mantê-los dentro da ordem, tentaremos mudar-lhes a mentalidade, esperar que o futuro seja bom e estarmos preparados para o pior. — Depois de um silêncio, perguntou: — O dr. Robert disse se você podia tomar o moksha!

Will acenou afirmativamente com a cabeça.

— Gostaria de tomá-lo?

— Agora?