Penso que fui tomado de um acesso de loucura. Lembro-me de ter corrido alucinadamente por entre os arbustos que rodeavam a Esfinge, assustando um pequeno animal branco que, à claridade do luar, me pareceu um veadozinho. Lembro-me também de ter ficado até altas horas da noite rebentando os arbustos com os punhos fechados, até sentir os dedos machucados e sangrando. Depois, soluçando e perdido de angústia, desci até o grande edifício de pedra. A grande sala estava às escuras, silenciosa e deserta. Escorreguei no piso desigual, e caí sobre uma das mesas de malaquita, quase quebrando uma perna. Acendi um fósforo e dirigi-me para o interior, atrás das cortinas poeirentas de que antes lhes falei.
Havia ali uma segunda grande sala coberta de almofadas, sobre as quais dormiam creio que umas vinte daquelas criaturinhas. Não resta dúvida de que devem ter achado meu segundo aparecimento muito esquisito, porquanto irrompi em meio à quietude das trevas com gritos inarticulados e erguendo a chama de um fósforo. Pois nem mais deviam saber o que eram fósforos.
— Onde está minha Máquina do Tempo? — pus-me a vociferar, como uma criança zangada, agarrando-os e sacudindo-os um depois do outro. Alguns riram, mas quase todos ficaram realmente assustados. Quando os vi de pé em torno de mim, dei-me conta de que estava cometendo o maior desatino possível naquelas circunstâncias, procurando reavivar neles a sensação de medo. Porque, raciocinando com base no seu comportamento durante o dia, era de supor que, para eles, o medo era uma coisa esquecida.
Bruscamente, jogando fora o fósforo, e tropeçando em um eloi que estava em meu caminho, precipitei-me pelo salão de jantar e saí para a noite banhada pelo clarão da lua. Ouvi gritos de terror e o ruído dos passos desencontrados dos pequeninos pés correndo de um lado para o outro. Não me recordo de tudo que fiz, enquanto a lua vagueava pelo céu. Acredito que foi a natureza imprevista de minha perda que me pôs como louco. Senti-me irremediavelmente separado de todos de minha espécie — um animal estranho num mundo desconhecido. Devo ter perambulado sem destino, gritando imprecações contra Deus e a sorte. Guardo a lembrança de um terrível cansaço, enquanto essa noite de pesadelo ia passando; de ter procurado em lugares impossíveis; de haver tateado por entre as ruínas iluminadas pelo luar, tocando em estranhas criaturas escondidas na escuridão; e, por fim, de me ter deitado no chão perto da Esfinge e chorado desesperadamente. Pois só me restava a minha própria desgraça. Então, adormeci, e quando despertei era já dia claro e um casal de pardais saltitava na relva perto de mim.
Sentei-me, no frescor da manhã, e procurei lembrar-me de como fora parar ali e porque estava possuído de tamanha sensação de abandono c desespero. Então as coisas se aclararam no meu espírito. À luz crua do dia, que me devolvia a razão, pude raciocinar com objetividade. Compreendi que meu comportamento da noite anterior fora uma rematada estupidez e pude colocar as idéias no lugar. «Suponhamos o pior», disse eu. «Suponhamos que a máquina esteja perdida — esteja mesmo destruída. Cumpre-me ser calmo e paciente, aprender a maneira de ser desse povo, formar uma idéia clara de como se deu a perda da máquina, e o que devo fazer para arranjar material e ferramentas. Talvez, quem sabe, eu consiga construir uma nova.» Essa era minha única esperança, uma pobre esperança, decerto, porém melhor que o desespero. Afinal de contas, era belo e curioso esse novo mundo.
Mas, provavelmente a máquina tinha sido apenas carregada. Também aqui devia eu ser calmo e paciente, descobrir o' esconderijo e procurar recuperá-la pela força ou pela astúcia. Levantei-me com grande esforço e, com os olhos, procurei um lugar onde pudesse fazer a ablução matinal. Sentia-me cansado, entorpecido e sujo da viagem. O frescor da manhã fazia-me desejar ficar também limpo e bem disposto. Minhas emoções tinham-se esgotado. Na verdade, enquanto tratava das coisas, fiquei analisando com surpresa a minha excessiva comoção da véspera. Examinei cuidadosamente o terreno em torno do relvado onde estivera a máquina. Perdi algum tempo fazendo perguntas inúteis, da melhor forma que podia, às criaturinhas que se aproximavam. Nenhuma delas entendia meus gestos. Algumas simplesmente me olhavam com um ar estúpido, outras julgavam que era uma brincadeira e punham-se a rir. Tive de fazer o maior esforço de minha vida para não bater nesses delicados rostos sorridentes. Era um impulso irracional, mas o demônio engendrado pelo medo e pela raiva cega não tinha sido dominado e ainda procurava tirar vantagem de minha perplexidade.
A relva me foi mais útil. Havia um sulco a meio caminho entre o pedestal da Esfinge e as marcas de meus sapatos no lugar onde eu tinha feito movimentos para levantar a máquina virada. Havia na grama outros sinais da retirada do meu aparelho, juntamente com estranhas pegadas muito estreitas, que pareciam deixadas por um animal como a preguiça. Minha atenção se voltou mais diretamente para o pedestal. Como já lhes disse, era de bronze. Não era um bloco liso; em cada um dos quatro lados se viam artísticos painéis em baixo-relevo. Bati no bronze. O pedestal era oco. Examinando os painéis com cuidado, descobri que não eram inteiriços, e sim montados em partes dentro de caixilhos. Não vi puxadores nem fechaduras, mas se os painéis eram portas, como eu supunha, deviam abrir-se de dentro para fora. Uma coisa me parecia bastante clara: não foi preciso nenhum grande esforço mental para concluir que a Máquina do Tempo estava lá dentro. Como fora levada para ali era outro problema.
Vi duas criaturas vestidas de amarelo-laranja que vinham na minha direção através dos arbustos e passando sob algumas macieiras em flor. Sorri para elas e fiz-lhes sinais para que se aproximassem. Chegaram perto de mim. Apontando para o pedestal de bronze, tentei dar-lhes a entender que desejava abri-lo. Mas ao primeiro gesto meu nesse sentido, elas se comportaram da maneira mais estranha. Não saberia descrever para vocês a expressão de seus rostos. Para usar uma comparação, era como se eu tivesse feito gestos obscenos a uma senhora de respeito. Elas se afastaram como se eu lhes tivesse dirigido o pior dos insultos. Não tive melhor sorte com outro, vestido de branco, e de aspecto muito gentil. De algum modo fiquei envergonhado com a sua reação. Mas, vocês sabem, eu queria recuperar a Máquina do Tempo e tentei mais uma vez. Quando vi esse último dar-me as costas e afastar-se, como os outros, perdi as estribeiras. Em três saltos o alcancei, segurei-o pela parte superior do manto e vim arrastando-o na direção da Esfinge. Então li no seu rosto uma tal expressão de horror e repugnância, que o larguei imediatamente.
Todavia, não me dei por vencido. Bati com os punhos nos painéis de bronze. Pareceu-me ouvir ruídos no interior — para ser mais exato, sons de risos abafados — mas devia ser engano. Então desci até a margem do rio, recolhi uma pedra de bom tamanho e com ela bati nos painéis até que um deles ficou amassado, e o azinhavre começou a cair em flocos. As minhas batidas violentas no pedestal deviam ter sido ouvidas pelo menos a uma milha em torno, mas ninguém apareceu. Vi grupos deles nas encostas, deitando-me olhares furtivos. Por fim, cansado e cheio de calor, sentei-me na grama para ficar observando o local. Mas estava muito inquieto para ficar ali sentado à espreita. Sou demasiado ocidental para agüentar uma longa vigília. Posso ficar anos inteiros trabalhando num problema, mas não consigo ficar inativo por vinte e quatro horas.
Passado algum tempo, levantei-me e comecei a andar sem destino pelo matagal, na direção da colina. «Paciência», dizia comigo mesmo. «Se você quer recuperar sua máquina, deixe a Esfinge em paz. Se eles querem ficar com a sua máquina, não adianta destruir-lhes os painéis de bronze; e se não querem, você a terá de volta quando pedir. É inútil ficar sentado em meio a todas essas coisas desconhecidas, tentando resolver um enigma. Você acabará monomaníaco. Encare este mundo. Aprenda-lhe os costumes, observe-o, não tire conclusões apressadas. No fim você acabará encontrando todas as respostas.»