Выбрать главу

Não sei quanto tempo fiquei estendido ali. Fui despertado pelo contacto de uma mão muito mole tocando no meu rosto. Pus-me de pé num átimo, procurei por meus fósforos e risquei um, apressadamente: vi diante de mim três criaturas encurvadas, semelhantes àquela que eu havia encontrado junto das ruínas. Fugiram precipitadamente com medo da luz. Vivendo, como viviam, numa escuridão que para mim era impenetrável, seus olhos eram anormalmente grandes e sensíveis, exatamente como as pupilas dos peixes abissais, e refletiam a luz da mesma forma. Não havia dúvida de que eles podiam ver-me naquelas trevas opacas e pareciam não ter medo nenhum de mim, exceto pela luz da chama. E tão logo risquei um fósforo para vê-los, eles fugiram incontinenti, desaparecendo nos escuros canais e túneis, de onde ficaram me olhando com as pupilas acesas, do modo mais estranho.

Experimentei chamá-los para junto de mim, mas a língua deles, ao que tudo indicava, era diferente da falada pelos habitantes do mundo de cima. De maneira que me vi sozinho fazendo inúteis esforços, e a idéia de fugir daquele lugar antes mesmo de iniciar a exploração voltou ao meu espírito. Mas então eu disse comigo mesmo: «Você está aqui para saber o que há» e, caminhando às apalpadelas pelo túnel, notei que o ruído das máquinas se tornava cada vez mais alto. Mais adiante, senti que as paredes haviam acabado e encontrei-me num vasto espaço aberto. Acendendo outro fósforo, descobri que havia entrado em uma enorme caverna abobadada, que se estendia, escuridão adentro, para além do que era alumiado por mim. O que vi foi o quanto se pode ver à chama de um fósforo.

Forçosamente o que me lembra é vago. Grandes vultos, como de enormes máquinas, surgiam da escuridão e projetavam sombras negras e grotescas, nas quais os Morlocks espectrais se escondiam da luz. O lugar, diga-se desde logo, era abafado e opressivo, e havia no ar o cheiro nauseante de sangue recém-derramado. Pouco mais abaixo do centro do círculo iluminado, havia uma pequena mesa de metal, com o que me pareceu uma refeição. Os Morlocks, portanto, eram carnívoros! Mesmo nesse momento, fiquei pensando comigo mesmo que animal de grande porte poderia ter sobrevivido para fornecer aquela peça de carne, ainda sangrenta. Tudo era muito impreciso: o cheiro sufocante, os grandes vultos indefinidos, as figuras abjetas espreitando-me das sombras e só à espera de que voltasse a escuridão para caírem de novo sobre mim! Então o fósforo chegou ao fim, queimando-me os dedos; soltei-o e ele caiu, traçando um risco vermelho no escuro.

Tenho pensado desde então quanto eu me achava extremamente mal equipado para essa experiência. Quando parti com a Máquina do Tempo, foi com a absurda suposição de que os homens do Futuro estariam por certo infinitamente à nossa frente em todos os sentidos. Eu tinha viajado sem armas, sem remédios, sem nada para fumar — de vez em quando o fumo me fazia uma falta terrível — e nem mesmo trazia fósforos em quantidade suficiente. Se ao menos eu tivesse levado uma Kodak! Poderia ter tomado instantâneos desse mundo subterrâneo, para depois examiná-los com mais vagar. Mas o fato é que eu estava ali contando unicamente com as armas e os recursos que a Natureza me dera — mãos, pés e dentes. E mais quatro fósforos de segurança que ainda me restavam.

Receava abrir caminho entre aquelas máquinas mergulhadas nas trevas, e foi só quando a chama se extinguia que descobri que meu estoque de fósforos estava no fim. Até aquele momento nunca me havia ocorrido que eu precisava economizá-los, e havia gasto quase metade da caixa riscando-os para deslumbramento dos habitantes do Mundo Superior, para quem o fogo era uma novidade. Agora, como falei, dispunha apenas de mais quatro. Quando voltou a escuridão, senti uma mão tocando na minha e dedos flácidos apalpando-me o rosto, ao mesmo tempo que me penetrava pelas narinas um odor nauseabundo. Pareceu-me ouvir a respiração de uma pequena multidão desses seres tétricos, aglomerados em torno de mim. Dedos macios tentavam tirar de minha mão a caixa de fósforos, enquanto outras mãos por trás de mim puxavam minhas vestes. A impressão de estar rodeado dessas criaturas que eu não podia ver e que me apalpavam era indescritivelmente desagradável. Eu nada sabia a respeito de seu modo de pensar e agir, e esse súbito pensamento me varou o cérebro. Pus-me a gritar tão alto quanto me era possível. Eles se afastaram assustados, porém logo se reaproximaram. Passaram a me apalpar mais afoitamente, sussurrando sons esquisitos uns para os outros. Estremeci violentamente e voltei a gritar — algo mais inseguro. Dessa vez não ficaram muito alarmados e trocaram entre si um ruído que me pareceu de risadas, voltando a atacar-me. Devo confessar que estava terrivelmente apavorado. Decidi riscar outro fósforo e escapar sob a proteção da chama; o que fiz, aumentando a intensidade da luz com um pedaço de papel que tirei do bolso e acendi. Pude assim bater em retirada na direção do túnel estreito. Porém, mal havia entrado, a luz acabou e, na escuridão, pude ouvir os Morlocks sussurrando como o vento entre as folhas e precipitando-se no meu encalço com passos rápidos e miúdos que me soavam como um ruído de chuva.

Num instante senti-me agarrado por diversas mãos e não havia dúvida de que tentavam arrastar-me de volta. Risquei outro fósforo e balancei-o diante de suas faces ofuscadas. Vocês não podem imaginar que aparência repulsivamente inumana tinham eles — com aqueles rostos lívidos c sem queixo, os olhos grandes e sem pestanas, de um cinza avermelhado! — ali parados diante de mim, cegos e confusos com a claridade. Mas posso lhes garantir que não me demorei na contemplação; prossegui na minha retirada e, quando o segundo fósforo apagou, risquei o terceiro. Este se achava quase no fim quando cheguei à abertura por onde entrara. Deitei-me no chão, porque as batidas da grande bomba no fundo me deixavam atordoado. Tateei em busca dos grampos de metal, mas, nisso, fui agarrado pelos pés e puxado com violência para trás. Risquei meu último fósforo. . que se apagou imediatamente. Mas eu já estava com uma das mãos num degrau de subida, e desvencilhando-me dos Morlocks com violentos pontapés, galguei rapidamente os degraus do poço, enquanto eles ficavam lá embaixo a me verem subir, os olhos piscando. Todos, menos um pequeno demônio que me seguiu por algum tempo e quase me arrancou a bota, para servir-lhe de troféu.

A ascensão pareceu-me interminável. Nos últimos dez metros, fui tomado de náuseas mortais. Era-me necessário um esforço quase sobre-humano para segurar os degraus. Os lances finais foram uma luta terrível contra o desfalecimento. Por várias vezes senti vertigens e tive todas as sensações de uma queda. Não sei como, mas alcancei a borda do poço, saí e, cambaleando para fora das ruínas, vi-me sob a luz cegante do sol. Caí com o rosto por terra — e como era limpa, como era deliciosa essa terra!

Depois só me lembro de Weena me beijando as mãos e as orelhas, e das vozes de outros Elois. Em seguida, perdi os sentidos.

CAPÍTULO 9

Agora, minha situação parecia pior do que antes. Até então, exceto a noite de angústia pela perda de minha Máquina do Tempo, eu mantinha a firme esperança de no final das contas achar um meio de escapar; mas essa esperança fora duramente abalada por minhas últimas descobertas. Até então, eu achava que minha ação era simplesmente retardada pela ingenuidade infantil dos Elois e por algumas forças desconhecidas que eu precisava apenas conhecer para poder superar. Mas, com os Morlocks, se interpusera um elemento inteiramente novo: aquela raça repugnante tinha qualquer coisa de inumano e de maligno. Instintivamente eu os execrava. Antes, eu me sentia como um homem que caiu num fosso: minha única preocupação era o fosso e como sair dele. Agora eu me sentia como um animal apanhado numa armadilha, cujo inimigo está prestes a chegar.