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— Quer dizer que essa máquina se encontra agora no futuro? — perguntou Filby.

— No futuro ou no passado, não posso dizer ao certo.

— Se foi a algum lugar, deve ter ido para o passado — disse o Psicólogo, após uma pequena pausa, como se tivesse tido uma inspiração.

— Por quê? — indagou o Viajante do Tempo.

— Porque presumo que ela não se moveu no espaço e, se estivesse viajando para o futuro, ainda estaria aqui neste momento, porque necessariamente teria de cumprir o trajeto de agora.

— Mas — intervim — se estivesse viajando no passado, nós a teríamos visto quando entramos nesta sala. E na última quinta-feira, quando estivemos também aqui. E na quinta-feira anterior, e assim por diante.

— Objeções sérias — falou o Prefeito Provincial, com um ar de imparcialidade, voltando-se para o Viajante do Tempo.

— Nem um pouco — respondeu ele. E, voltando-se para o Psicólogo: — Você, que é um estudioso da mente, pode explicar muito bem. É uma percepção subliminar, uma percepção diluída.

— Naturalmente — concordou o Psicólogo, tranqüilizando-nos. — Trata-se de um ponto muito simples da psicologia. Eu devia ter pensado nisso. É bastante óbvio e explica satisfatoriamente o paradoxo. Não podemos ver nem apreciar essa máquina, da mesma forma que não distinguimos os raios de uma roda girando a toda velocidade ou uma bala no ar. Se ela estiver percorrendo o tempo cinqüenta ou cem vezes mais rápido do que nós, se ela cobrir um minuto enquanto nós cobrimos apenas um segundo, a impressão produzida será de 1/50 ou de 1/100 do que seria se ela estivesse aqui imóvel. É muito claro. — E passou a mão no lugar onde a máquina tinha estado. — Estão vendo? — perguntou, risonho.

Permanecemos sentados e, por alguns minutos, ficamos olhando para a mesa vazia. Então o Viajante do Tempo quis saber o que pensávamos de tudo aquilo.

— Agora à noite parece bastante plausível — disse o Médico. — Mas esperemos até amanhã. Pelo bom-senso que volta quando acordamos.

— Vocês querem ver a própria Máquina do Tempo?

E, sem mais, tomando uma lâmpada, ele nos conduziu pelo comprido corredor, cheio de correntes de ar, que ia ter ao laboratório. Lembro-me como se fosse agora da luz vacilante da lâmpada, de sua cabeça grande e estranha em silhueta, da dança das sombras, nós todos a segui-lo, intrigados mas incrédulos. No laboratório vimos uma versão muito maior do pequeno mecanismo que havia desaparecido diante de nossos olhos. Algumas peças eram de níquel, outras de marfim; uma parte devia ter sido trabalhada diretamente sobre cristal de rocha. A máquina parecia quase pronta, exceto as barras de cristal torcido que estavam por terminar sobre a bancada, ao lado de algumas folhas com desenhos. Apanhei uma das barras para examiná-la melhor. Pareceu-me ser feita de quartzo.

— Ouça aqui — perguntou o Médico. — Isto é mesmo sério, ou você quer fazer uma brincadeira conosco, igual àquela do fantasma que nos mostrou no Natal do ano passado?

— Com esta máquina — disse o Viajante do Tempo, erguendo a lâmpada para que víssemos melhor — pretendo explorar o Tempo. Não está claro? Nunca falei tão sério em minha vida.

Nenhum de nós sabia o que dizer.

Por cima do ombro do Médico captei o olhar de Filby, que piscou para mim com a maior gravidade.

CAPÍTULO 2

Penso que, nessa ocasião, nenhum de nós acreditou realmente na Máquina do Tempo. A verdade é que o Viajante do Tempo era uma dessas pessoas que são hábeis demais para merecer credibilidade. Nunca estávamos muito seguros a respeito dele. Sempre suspeitávamos de alguma sutil reserva, de alguma engenhosa burla, por trás de sua límpida franqueza. Se fosse Filby quem nos tivesse mostrado o modelo e explicado seu funcionamento com as mesmas palavras do Viajante do Tempo, teríamos demonstrado muito menos cepticismo. Porque teríamos percebido logo suas intenções: um açougueiro podia entender Filby. Tal não se dava com o Viajante do Tempo: havia mais do que um toque de fantasia no seu temperamento, e desconfiávamos dele. Coisas que teriam proporcionado fama a um indivíduo bem menos habilidoso, pareciam truques nas mãos dele. É um erro fazer as coisas muito facilmente. As pessoas circunspectas, ainda que o respeitassem, nunca se sentiam inteiramente seguras quanto à sua personalidade; de algum modo lhes parecia que confiar nele para estabelecer seus critérios de reputação seria o mesmo que colocar porcelana fina em mãos de crianças numa creche.

Acho ter sido por isso que, no intervalo entre essa quinta-feira e a que se seguiu, nenhum de nós fez maiores comentários sobre a questão das viagens no Tempo, embora mentalmente analisássemos todas as suas estranhas potencialidades, sua plausibilidade, isto é, tudo aquilo que na prática era difícil de crer, e ainda as curiosas possibilidades de anacronismo e de extrema confusão que elas comportavam.

Quanto a mim, não conseguia esquecer o truque do modelo da máquina. Lembro-me de haver discutido o assunto com o Médico, com quem me encontrei na sexta-feira na Linnean Society, (Associação científica britânica para o estudo da botânica, fundada em homenagem a Linneus.). Falou-me que havia visto algo em Tübingen e dava muita importância à vela apagada. Mas não sabia explicar como se fazia o truque.

Na quinta-feira seguinte voltei a Richmond — suponho que era então um dos convidados mais assíduos do Viajante do Tempo — e, tendo chegado tarde, já encontrei quatro ou cinco pessoas reunidas no salão. O Médico se encontrava diante da lareira com uma folha de papel na mão e seu relógio na outra. Corri os olhos em volta procurando o Viajante do Tempo.

— São sete e meia — disse o Médico. — Creio que seria melhor jantarmos,

— Onde se encontra. .? — indaguei, pronunciando o nome de nosso anfitrião.

— Você acaba de chegar, não? É bastante estranho. Algo deve tê-lo retido. Ele deixou-me este bilhete dizendo que, se não estivesse de volta até às sete horas, eu mandasse servir o jantar. Disse que explicará tudo quando chegar.

— É uma pena deixar-se estragar o jantar — disse o Redator-Chefe de um conhecido jornal.

O Doutor tocou a campainha.

Além dele e de mim, o Psicólogo era a única pessoa que havia estado presente ao jantar da semana anterior. Os demais eram Blank, o Redator-Chefe a que me referi, um certo jornalista e um senhor de barba, tímido e silencioso, a quem eu não conhecia e que, até onde pude observar, não pronunciou uma única palavra durante toda a noite.

A mesa de jantar, trocamos conjecturas sobre a ausência de nosso anfitrião e eu, meio em tom de brincadeira, aventei que ele devia estar viajando pelo tempo. O Redator-Chefe quis saber maiores detalhes e o Psicólogo se prontificou a fazê-lo, relatando de forma algo insípida o «engenhoso paradoxo e o espetáculo de ilusionismo» que havíamos presenciado. Estava ele era meio de sua exposição quando a porta que dava para o corredor se abriu devagar e sem ruído. Eu estava sentado bem em frente dela e fui o primeiro a vê-lo.

— Viva! — gritei. — Até que enfim!

A porta abriu-se de todo e o Viajante do Tempo surgiu diante de nós. Não pude conter um grito de surpresa.

— Deus do céu! Homem, o que foi que aconteceu? — Era a voz espantada do Médico, o segundo a avistá-lo.

Todos na mesa se voltaram para a porta.

Seu aspecto era constrangedor. O casaco estava empoeirado e sujo, com manchas esverdeadas nas mangas. O cabelo em desalinho parecia-me mais grisalho — ou por causa da poeira ou porque realmente sua cor tivesse mudado. Seu rosto era de uma palidez cadavérica, no queixo havia um corte já meio cicatrizado. Tinha um ar desvairado, os traços repuxados pareciam trair um grande sofrimento. Hesitou por um momento no vão da porta, como se estivesse ofuscado pela claridade reinante na sala. Depois entrou coxeando, como esses mendigos que têm os pés em petição de miséria. Nós o fitávamos em silêncio, esperando que ele falasse.