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polícia agarrou Tomás pelo braço direito e levou-o pelos corredores da esquadra até um sector cujas paredes eram formadas por grades do tecto ao chão, como nas jaulas dos jardins zoológicos. Inseriu a chave na fechadura de uma cela, abriu a porta e empurrou-o para o interior.

O português estava ainda a habituar-se ao novo ambiente quando o professor Markopoulou apareceu, atirado para a cela com mais dois homens. Ao todo havia umas dez pessoas apertadas num espaço estreito com dois beliches e uma sanita; a cela parecia ter sido concebida para apenas dois reclusos, mas a manifestação e os tumultos que se haviam seguido tinham deixado as esquadras a abarrotar.

"Como vão as coisas?", sussurrou Tomás ao recém-chegado.

"Trataram-no bem?"

"Como uma princesa", retorquiu o grego num tom irónico.

Passeou o olhar pela cela. "Vou é queixar-me desta suíte. Falta-lhe o jacuzzi."

O português não estava virado para o humor e não se riu; a situação era demasiado desagradável para isso. Fez um sinal com a cabeça a indicar os homens que os rodeavam.

"Já viu com quem nos puseram? São os tipos que começaram a confusão."

"Chiu!", soprou o arqueólogo, preocupado com não chamar a atenção. "São anarquistas. Não se meta com eles.

Tomás calou-se. Já os vira em acção e sabia que eram capazes dos actos mais extremos. Por causa do que haviam feito a meio da 45

manifestação, três pessoas tinham morrido sufocadas e isso não parecia pesar-lhes na consciência.

"O que nos vai acontecer agora?", murmurou, desviando a conversa. "Irão apresentar-nos ao juiz?"

"Sim. Amanhã ou depois."

A informação surpreendeu o português.

"A sério? Teremos de passar uma noite aqui?"

"Pelo menos. Há demasiados detidos e meter esta gente toda em tribunal vai levar tempo. Precisamos de ter paciência."

"Acha que posso falar com a embaixada do meu país?"

" S ó

q u a n d o

e l e s

d e i x a r e m . "

O

g r e g o

f u n g o u ,

d e s p reocupado. "Com tanto trabalho, suspeito que não será em breve."

O professor Markopoulou encostou-se à parede e escorregou até ficar de cócoras. A espera ia ser longa e não valia a pena desgastarem-se em pé. Percebendo que teria mesmo de ser paciente, Tomás seguiu-lhe o exemplo e deslizou para o chão até se acocorar ao lado do colega.

O jantar foi uma mistela tão intragável que o professor Markopoulou se recusou a comer. Em vez disso pôs duas notas de vinte euros nas mãos do graduado de serviço e pouco depois o homem reapareceu com um saco de plástico e uma garrafa de branco. O vinho tinha um certo sabor avinagrado que o tornava insuportável para o paladar de Tomás, embora perfeitamente aceitável para os gregos que com ele partilhavam a cela, mas a comida constituiu uma agradável surpresa; eram duas doses de moussaka que lhe souberam ao empadão que a mãe lhe fazia na sua infância.

Na altura em que lambiam os restos do jantar obtido a custo de suborno o guarda abriu de novo a porta da cela e atirou mais um detido para o interior. Para surpresa de todos, o recém-chegado não tinha ar de ser um manifestante. Apresentava o cabelo louro 46

despenteado e usava calções às riscas verticais azuis e brancas. O

mais importante é que vestia um pólo branco desportivo com um emblema redondo e negro ao peito. Tratava-se do emblema da Mannschaft, a selecção de futebol da Alemanha.

A chegada do novo recluso desencadeou um burburinho na cela.

Os anarquistas trocaram algumas palavras entre eles e um acabou por se dirigir ao loiro do pólo da Mannschaft.

"Deutsch?"

O olhar do recém-chegado iluminou-se ao compreender a palavra que o identificava.

"Jawohl."

A confirmação desencadeou um novo burburinho entre os restantes reclusos.

"O que estás aqui a fazer? Vieste juntar-te à manifestação?"

O alemão arrebitou uma sobrancelha, como se a simples sugestão fosse a coisa mais absurda que jamais escutara.

"Eu? Nem pensar!"

"Então porque te prenderam?"

"Dirigia-me ao Pártenon quando me deparei com uma multidão que atirava pedras contra as vitrinas e saqueava as lojas. De repente apareceu a Polizei e prendeu toda a gente que ali estava. De modo que fui apanhado enquanto me limitava a fazer turismo."

Trocaram-se na cela novas palavras em grego num tom agitado, inflamado até. A certa altura os anarquistas pareceram chegar a acordo e começaram a movimentar-se; de uma forma sub-reptícia, rodearam o alemão e cercaram-no.

"Isto vai acabar mal", sussurrou o professor Markopoulou, o alarme estampado no rosto. "Muito mal mesmo."

"Porquê? O que se passa?"

O olhar preocupado do arqueólogo grego desviou-se para o detido que momentos antes entrara na sala e depois para os homens que o 47

rodeavam com esgares ameaçadores.

"Estão a dizer que... que..."

"Que o quê?"

O professor Markopoulou engoliu em seco, num esforço para recuperar a frase que lhe morrera na garganta. Quando retomou a fala, quase só lhe saiu um miado amedrontado.

"Que o vão matar."

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V

A primeira provocação foi um empurrão. Os anarquistas tinham estabelecido um anel em torno do alemão e pareciam decididos a desencadear um confronto. O da frente deu o primeiro encontrão no peito e, talvez encorajado pela reacção de surpresa do novo recluso, um outro aplicou-lhe uma carolada.

"Was ist das?", exclamou o recém-chegado, alarmado com o ambiente que se formara em redor dele. "Que é isto?"

"Das ist porrada, meu grande cabrão", retorquiu o grego que arranhava umas palavras de alemão. "Pensam que nos põem a pão e água e ficam a rir-se? A coisa não fica assim!..."

Sentindo as costas expostas, o homem loiro tentou esgueirar-

-se de modo a ficar encostado à parede, ao menos aí estaria protegido dos ataques da retaguarda e dos flancos, mas os anarquistas cerraram fileiras em torno dele e não o deixaram passar.

"Ach, larguem-me!", exclamou o alemão, a voz a denunciar um princípio de pânico. "Que querem de mim? Deixem-me!"

Seguiu-se um novo empurrão, este tão violento que o detido quase perdeu o equilíbrio.

"Isso querias tu!"

"Nazi da trampa", soltou outra voz num inglês rudimentar.

"Pensam que fazem de nós uns sacos de pancada? Pois já vão ver de que massa são os Gregos feitos! Se apenas trezentos dos nossos chegaram para enfrentar os Persas, o que nos impede de travar os Alemães?"

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"Andam armados ao pingarelho, hem?", desafiou uma terceira voz no grupo de anarquistas. "Acham que são os donos da Europa e coisa e tal? O nosso governo pode estar todo cagado de medo, mas a malta da rua não, ouviste? A malta da rua não!"