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Os recém-chegados espreitaram e perceberam que havia uma mulher estendida sobre a mesa, deitada de costas com uma vela negra em cada mão, as chamas trémulas a bambolearem como serpentes hipnotizadas. Um homem envolvido num manto escarlate brilhante e com um capuz a ocultar-lhe a cara, como de resto toda a gente naquele espaço, aproximou-se dela em passos lentos e, com um movimento brusco, meteu-lhe a mão por dentro da túnica para lhe apalpar uni seio. De seguida inclinou-se e beijou-a lascivamente na boca.

"Madre mia!", sussurrou Raquel, chocada. "Que é isto?" "Uma missa negra", retorquiu Tomás num sopro. "Chiu." "E aquele? Quem é?"

Aquele era o homem de manto escarlate que, inclinado a beijar a mulher, parecia dominar o altar e dirigir o que se passava na Sala Botticelli.

"É Magus, o mestre-de-cerimónias." O português colou as palmas das mãos e esboçou um gesto de súplica. "Agora cala-te, por favor. Ainda nos 447

denuncias!..."

Depois de executar os preliminares de natureza sexual, designadamente beijos concupiscentes e prolongadas carícias nos seios e entre as pernas da mulher estendida sobre o altar, Magus endireitou-se e, voltando-se para Os fiéis, passou para um acólito um cálice de bronze com um pentagrama invertido.

O acólito bebeu do cálice e passou-o ao acólito seguinte, de modo que o cálice percorresse toda a congregação. Fez-se assim um compasso de espera, que Os dois intrusos aproveitaram para estudar o que os cercava. Os vários quadros renascentistas que ornavam a sala pareciam espectros sob a luz trémula das velas, sentinelas estáticas a que as sombras em movimento conferiam vida, projectando formas bizarras sobre o chão e as paredes. Os dois intrusos encontravam-se na retaguarda da congregação e nesse instante, com surpresa, o historiador apercebeu-se de que a parede atrás deles era decorada por La nascita di Venere, o célebre quadro de Botticelli que retrata o nascimento de Vénus, uma das pinturas mais notáveis do Renascimento; pareceu-lhe um sacrilégio uma cerimónia daquelas decorrer diante de tal obra.

O cálice chegou por fim às mãos de Tomás, que molhou os lábios com o líquido no seu interior e de imediato o passou a Raquel. A espanhola vacilou, desconfiada, quando espreitou a mistela que se agitava lá dentro.

"O que é isto?"

"Bebe e cala-te."

Percebendo que o momento não era o mais adequado para alimentar dúvidas, a agente da Interpol provou um trago e passou o cálice para o acólito seguinte. Quando o copo se afastou, ela voltou a encostar a sua cabeça à de Tomás.

"Que era aquilo?"

"Vinho tinto com álcool destilado e incenso misturado com mirra e ervas tóxicas, como meimendro e beladona. E asfalto, claro."

"Agh! Asfalto?"

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"As missas negras usam essas substâncias para subverter o ritual de consagração cristã. A beladona, por exemplo, é uma planta cujo nome científico é Atropa belladonna, nome que vem de Átropos, a terceira das Meras, ou destinos da mitologia grega, aquela que corta o fio da vida.

Considerando que esta missa pretende honrar Satanás, trata-se de substâncias adequadas, não te parece?"

O cálice regressou entretanto ao altar. Magus pegou numa lâmpada com carvão incandescente, deitou-lhe incenso e começou a balouçá-la, fumegante, pelo espaço em redor, espalhando o fumo sobre a mulher estendida no altar e sobre a cabeça de bode.

"Que este incenso te faça rejubilar, Senhor dos Infernos", disse Magus com uma voz cavernosa.

"Que os teus poderes venham até nós", respondeu a congregação em coro.

Magus pôs-se então a deambular diante da linha dianteira dos acólitos, espalhando também entre eles o fumo da lâmpada.

"Que Lúcifer esteja convosco."

"E contigo também, poderoso Magus."

"Corações ao alto."

"Ergamos os nossos espíritos a Satanás."

"Dêmos as boas graças ao mestre infernal", entoou Magus, estendendo o braço numa saudação romana. "Ave Belzebu, Senhor do poder, imperador da Terra e do Inferno, nosso guia e rei da morte e da treva infinita."

O mestre-de-cerimónias pousou a lâmpada aos pés do altar e, abrindo a túnica da mulher deitada sobre a mesa, mergulhou a cabeça entre as pernas dela e começou a lambê-la. Acto contínuo, os membros da congregação deixaram cair as túnicas e ficaram nus, mantendo apenas o capuz a tapar-lhes a cabeça.

"Que é isto?", assustou-se Raquel. "Que se passa aqui?" O

português imitou o resto da congregação e soltou também a sua 449

túnica.

"As missas negras envolvem orgias rituais", esclareceu em voz baixa. "Despe-te e faz como toda a gente."

Ali estava um conselho que a agente da Interpol não fazia tenções de seguir.

"Ah, isso não!", retorquiu ela, sacudindo enfaticamente a cabeça.

"Nem pensar!"

"Despe-te, senão atrais a atenção sobre nós!"

"Não!"

Os elementos da congregação que se encontravam mais próximos começaram a deitar olhares inquisitivos na direcção de Raquel, que por esta altura era a única das fiéis ainda vestida na sala.

"Então?", disparou um deles, a voz e o olhar carregados de censura. "Não te despes?"

A espanhola ficou sem saber o que fazer.

"Ela é nova", apressou-se Tomás a esclarecer, tentando disfarçar.

"Ainda tem inibições difíceis de superar. Vamos dar-lhe tempo, meus irmãos."

"As inibições ficam lá fora", rosnou o acólito com um olhar feroz. "Ela que se dispa."

Rendendo-se ao inevitável, Raquel respirou fundo. Ou se despia, percebeu, ou seria apanhada. Resignada, deixou a túnica escorregar para o chão e ficou igualmente nua, apenas a cabeça tapada. O

problema, tinha consciência, é que aquilo n ão iria acabar por ali.

Não fora Tomás que falara numa orgia? Que coisas mais seria ela forçada a fazer para manter o disfarce? Será que o mestre-de-cerimónias também lhe meteria a cabeça entre as pernas, como nesse mesmo instante fazia à mulher deitada sobre o altar? Pior ainda, será que ela, Raquel, teria de lhe fazer o mesmo? As perspectivas pareciam-lhe demasiado grotescas para poderem ser contempladas. Por que raio concordara ela com aquele plano 450

louco? Como sairia daquele imbróglio?

A situação no altar evoluíra entretanto. Magus tinha-se libertado também do manto escarlate e a mulher que estava deitada sobre a mesa erguera-se e tinha a cabeça mergulhada entre as pernas dele, fazendo movimentos rítmicos para cima e para baixo. À distância não se viam os pormenores, mas era evidente o que se passava. Depois ela voltou a estender-se de costas sobre o altar e o mestre-de-cerimónias pôs-se em cima dela e levou o acto sexual até ao termo. Terminou entre vagidos e urros e, quando por fim se levantou, pegou num pequeno sino e tocou-o três vezes.

Tratava-se com certeza de um sinal, pois, logo que soou o terceiro toque, os acólitos nus abraçaram-se e começaram a beijar-se com volúpia e gula carnal. Vendo o que se passava em redor, e percebendo que teria de imitar a congregação, Tomás abraçou Raquel e beijou-a nos lábios. A espanhola permanecia hesitante, sem perceber se deveria cooperar ou pôr um travão àquela loucura desenfreada.