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"Confesso que estava ansiosa por fazer isto contigo, cariño", sussurrou-lhe ela ao ouvido. "Mas não aqui, não nestas circunstâncias nem desta maneira. O que vamos agora fazer?"

"Teatro", devolveu ele. "Vemos o que eles fazem e fingimos que fazemos o mesmo. Estão todos entretidos, ninguém vai notar."

A espanhola soltou uma risadinha baixa.

"Muy bien", assentiu. "Mas com uma condição: quando esta confusão acabar, fazemos tudo isto, mas a sério e em privado."

Tomás calou-a com um beijo, os olhos meio abertos para espreitar o que se passava em redor. A certa altura os acólitos puseram-se a copular e, sob o olhar virginal da Vénus de Bottieelli, o português deitou-se sobre a sua companheira e ambos fingiram que o faziam também.

Por esta altura Magus pronunciava estranhas palavras rituais, como uma litania concebida para acompanhar o acto, segurando 451

diante da boca uma bola de quartzo tetraedro.

"Nee-thrar-ethun-aye-att-arz-oth", entoou. "Binn-ann-ath-ga-waf-amm."

De rosto colado ao de Tomás, Raquel fez um sinal na direcção do mestre-de-cerimónias.

"O que raio está ele para ali a fazer?"

"Usa uma fórmula de Paracelso para invocar Satanás e os demónios, pedindo-lhes que se juntem à orgia", esclareceu o historiador, mantendo os movimentos rítmicos da anca a simular a cópula. "As seitas satânicas acreditam que as orgias libertam a energia sexual reprimida pelo cristianismo. Essa energia é canalizada para a bola de quartzo que ele tem na mão, conferindo-lhe assim maior força. Essa força será depois usada para o Magus cimentar o seu poder."

A espanhola manteve os olhos presos no companheiro por cima dela; parecia na dúvida sobre como o deveria avaliar.

"Como diabo sabes tudo isso?"

"Sou historiador", sorriu ele. "As missas negras vêm da Idade Média e tive de as estudar. Até li o Malleus Maleficarum."

"Maleus... quê?"

"É um velho manual sobre bruxaria." Ergueu as sobrancelhas.

"Muito instrutivo."

Terminaram o acto simulado ao fim de um curto minuto, fingindo o êxtase no final. Quando concluíram olharam em redor. Alguns acólitos também já haviam terminado o sexo ritual e vestiam as túnicas, pelo que os imitaram.

Os mais retardatários da congregação puseram fim à orgia uns cinco minutos mais tarde. Magus encerrou então a formulação das palavras mágicas diante da bola de quartzo tetraedro, escolhida devido às suas vibrações especiais, e regressou ao altar. Pegou na lâmpada e voltou a espalhar incenso pelo espaço em redor.

"Glória a ti, senhor Belzebu, mestre dos Infernos, rei da..." "Dá 452

licença, poderoso Magus?"

A prece foi interrompida pelo homenzarrão que guardava o cortile e que entrou nesse momento na sala. O mestre-de-cerimónias pousou no chão a lâmpada com o incenso.

"Ah, Mefistófeles! Que se passa?"

O guarda aproximou-se de Magus e segredou-lhe umas palavras imperceptíveis à distância. O mestre-de-cerimónias fez um sinal, mandando o homenzarrão de volta para a porta, e encarou a congregação.

"Meus irmãos, a hora aproxima-se", disse Magus. "É meia-noite e Mefistófeles acabou de me anunciar que os nossos convidados chegaram. Dêmos graças ao Senhor dos Infernos."

"Louvado seja Belzebu, o todo-poderoso!", devolveram os acólitos em coro. "Que o poder incomensurável de Satanás esteja connosco!"

Um silêncio pesado abateu-se então sobre a sala, como se todos esperassem pelos acontecimentos. Ouviram a porta chiar e os olhares convergiram para a entrada. O vulto de Mefistófeles recortou-se diante da luz do corredor e atrás dele vinham duas figuras de túnicas negras e cabeças tapadas por capuzes.

Magus abriu os braços para os acolher.

"Sejam bem aparecidos, meus senhores! Entrem, entrem."

Os dois recém-chegados deram uns passos para o interior da sala, hesitantes e a medo, e Mefistófeles, depois de fechar a porta atrás deles, apresentou-os.

"O professor Tomás Noronha e a señorita Raquel de la Concha!", anunciou o guarda com solenidade. "Ambos ao nosso dispor, poderoso Magus."

Imbuído de perturbadora jovialidade, o mestre-de-cerimónias fez-lhes sinal de que se aproximassem do altar.

"Bem-vindos ao Inferno!"

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LXVIII

A configuração da sala mudou quase instantaneamente. Como se fosse uma unidade orgânica que obedecia a uma ordem inaudível, a congregação, até aí voltada para a parede interior diante da qual fora montado o altar, movimentou-se para preencher os flancos e formou um círculo compacto em redor de Magus e dos dois recém-chegados, cortando assim qualquer via de fuga.

Sentindo em torno dele a força surda dos acólitos, o mestre-de-cerimónias era o senhor absoluto da situação. Com a soberba dos vencedores, estudou o casal visitante e, rodeando-o em passos lentos e medidos, abeirou-se do homem.

"Professor Noronha", ciciou. "Finalmente encontramo-nos cara a cara! O senhor, devo admiti-lo, foi um adversário valente e temerário.

Congratulo-me por isso. As suas capacidades de improvisação e a sua rapidez de raciocínio conseguiram mantê-lo fora do meu alcance muito mais tempo do que eu julgaria possível. É um feito digno de registo e está de parabéns." Abriu as mãos, num gesto de resignação.

"Mas, hélas!, todas as aventuras, mesmo as mais românticas, chegam ao fim." Apontou para o chão. "No seu caso, o fim é aqui, nesta sala dos Uffizi, às minhas ordens e sob a minha autoridade." Estendeu a mão com a palma para cima, como se pedisse alguma coisa. "Acabou-se a farsa, meu caro. Passe para cá esse famoso DVD."

O casal encapuzado permaneceu quieto e silencioso, como se nada tivesse entendido, ou sequer escutado, do que fora dito. A mão de Magus manteve-se estendida por um instante mais, à espera que lhe entregassem o objecto que procurava havia tanto tempo, mas acabou 454

por baixá-la perante a evidência de que o prisioneiro não ia acatar a ordem.

"Continuam os joguinhos, professor Noronha?", perguntou, a irritação a trepar-lhe pela voz. "Pois faz muito mal, porque o tempo para a brincadeira acabou." Voltou a estender a mão. "O DVD, professor Noronha? Aconselho-o a entregá-lo a bem."

O prisioneiro voltou a ignorar a ordem. Despeitado, Magus virou-se para a congregação que os cercava e procurou entre os rostos encapuzados.

"Balam, onde estás tu?"

Um acólito, por sinal um dos que se encontravam na primeira linha, abandonou a formação e abeirou-se do mestre-de-cerimónias.

"Aqui estou, poderoso Magus", disse o homem, de túnica branco-suja e capuz na cabeça, pondo-se em sentido quando chegou diante do responsável máximo. "Ao seu serviço."

O chefe fez um sinal na direcção do casal, como se O entregasse ao seu chefe de segurança.

"Sabes o que tens a fazer."

Balam assentiu prontamente e posicionou-se diante do par. Fez um sinal para os seus cúmplices e de imediato Mefistófeles e um outro acólito igualmente corpulento plantaram-se nas costas dos recém-chegados. A um segundo sinal, agarraram-nos por trás e prenderam-lhes os braços e o tronco, imobilizando-os.

"Larguem-me!", protestou a mulher, indignada. "Larguem-me imediatamente!"