"Correcto", confirmou o historiador. "Segundo o dossiê que o Filipe me deu, corresponde a uma reunião entre o comissário europeu encarregado da arquitectura do euro e economistas a quem foi entregue a tarefa de analisarem as consequências da criação de uma moeda única."
Apontou para o comissário. "Reconhecem o comissário europeu?"
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Os procuradores inclinaram-se sobre a imagem e, depois de estreitarem as pálpebras num esforço de leitura do que viam, arregalaram os olhos.
"Axel Seth!?"
O juiz bufou.
"Protesto!", vociferou. "Essas imagens são montadas!" Tomás ignorou-o.
"Antes de ser presidente da Comissão Europeia, como sabem, o juiz Seth foi comissário europeu, indicado pela França, e, enquanto tal, esteve envolvido na arquitectura do euro", lembrou. "Vamos então ver o diálogo captado pelas câmaras e pelos microfones escondidos dos senhores Garnier e Chopin."
O português carregou no play e a imagem começou a rolar, com as figuras à volta da mesa a movimentarem os braços e as cabeças, evidentemente em conversa acesa.
"Que porcaria de textos são estes?", questionou na gravação a voz de Axe! Seth. "Eu pedi-vos relatórios a enumerar os custos e benefícios da moeda única e vocês... vocês entregam-me esta porcaria?"
"Mas, juiz Seth, estas são as conclusões a que chegámos", respondeu um dos economistas. "Falámos com muita gente e consultámos todos os estudos sobre uniões monetárias e existe um consenso quanto a essa questão: sem união política, a moeda única europeia não vai funcionar! Não há volta a dar ao problema. uma união monetária beneficia sempre o centro e prejudica a periferia. A união monetária que criou o franco em França, por exemplo, beneficiou Paris e prejudicou a Bretanha e o Midi. Em Espanha a peseta beneficiou Madrid e penalizou a Galiza e a Andaluzia.
Sempre que há uma união monetária, segue-se uma transferência de recursos da periferia para o centro. Isto implica que a união monetária só é viável se o centro depois estiver disposto a fazer transferências financeiras para a periferia, de modo a compensá-la pelas suas perdas. Mas sem união política este passo não será dado e as periferias desintegrar-se-ão."
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"Está a dizer que os países periféricos não aguentam uma moeda única europeia?"
"Aguentam se houver união política que permita as transferências compensatórias", respondeu o economista. "Caso contrário, não aguentam. E há outra coisa: os países periféricos terão de fazer reformas urgentes no sector labora! para suportarem o impacto da competição internacional. Não se esqueça que eles vão entrar numa moeda forte e não a poderão desvalorizar para reequilibrar as suas contas externas. Sem reformas, vão acabar por ser esmagados pelas importações. Além do mais é preciso que no espaço da moeda única haja mobilidade labora!, flexibilidade de salários e de preços e integração orçamental, coisas que não existem agora e não existirão porque não se vislumbram quaisquer planos para as criar."
"Então qual é a vossa conclusão final?"
"A moeda única, tal como está a ser concebida, não se vai aguentar.
À primeira crise poderá desmoronar-se como um baralho de cartas. E se o euro não sofrer um colapso rápido, os países da moeda única irão saltitar de crise em crise numa agonia sem fim até que a união se desfaça."
As imagens mostraram Axel Seth a afagar o queixo com a ponta dos dedos, avaliando o que acabara de escutar.
"Oiçam, isto não pode ser assim", disse o comissário europeu por fim, a decisão tornada. "Refaçam-me estes relatórios e mostrem só as vantagens da criação da moeda única. Parece-me que..."
"Mas, senhor juiz, isso não pode ser feito dessa maneira!", protestou um segundo economista. "Ternos o dever de alertar os decisores e a opinião pública para os grandes perigos da arquitectura que está a ser pensada para o euro. Se escrevermos um relatório nos moldes que nos pede..."
"Silêncio!", cortou Axel Seth num tom agreste. "A decisão está tomada. O projecto da moeda única europeia irá avançar, custe o que custar! Quero um relatório que só mostre as vantagens da união monetária!"
"E o que acontecerá depois, quando o euro entrar em colapso?"
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O comissário europeu encolheu os ombros.
"Quando isso acontecer, meus caros, provavelmente já cá não estaremos", sentenciou com um sorriso despreocupado. "Quem estiver nessa altura no poder que se desenvencilhe! E os contribuintes que paguem, claro!"
A imagem foi a negro e Tomás carregou no stop. Os olhares dos presentes desviaram-se para o juiz Seth, que abanava a cabeça.
"Tudo montado", repetiu. "Nada disso tem valor em tribunal.
Foi tudo montado!"
O historiador ignorou-o de novo.
"A gravação desta reunião é particularmente importante porque mostra que os decisores europeus foram informados dos perigos que a arquitectura pensada para o euro encerrava, e silenciaram os avisos.
Pior ainda, manipularam os relatórios para que apresentassem uma imagem cor-de-rosa da viabilidade e do futuro do euro."
"Parece-me realmente um documento muito relevante para o processo do Tribunal Penal Internacional", considerou a procuradora-geral, Agnès Chalnot.
Sem mais comentários, Tomás avançou no DVD e localizou a imagem seguinte. A gravação mostrava uma outra sala, esta com sofás. Dois homens apareciam sentados, um descontraído e de pernas cruzadas, o outro em posição mais formal.
"Isto foi captado numa reunião entre os ministros das Finanças alemão e português", explicou o historiador. "Decorreu em Bruxelas num gabinete da delegação portuguesa uma hora antes da reunião do Ecofin, o conselho dos ministros das Finanças da União. Antes das cimeiras é normal haver estas reuniões bilaterais, normalmente sem testemunhas, para que as duas partes discutam assuntos de interesse mútuo. Foi o caso, como poderão constatar."
Tomás carregou no play e a imagem começou a rolar.
"Ach, meu caro Augusto, tenho aqui um problemazinho que preciso 476
de resolver consigo", disse em inglês uma voz com um sotaque gutural, evidentemente do ministro alemão. "Nada que com boa vontade não se possa ultrapassar, não é verdade?"
"Então, Günter? Que se passa?"
"Tenho uma empresa lá na Alemanha que está com dificuldade em obter encomendas", disse. "Eles fabricam submarinos de guerra mas, desde a queda do Muro de Berlim, ninguém está interessado nas maquinetas deles.
Não há compradores para a porcaria dos U-Boote."
"Pois é, acabaram-se as encomendas militares, não é? Esses fabricantes vão todos à falência..."
O alemão suspirou.
"É uma grande Scheisse, porque esses tipos são bons amigos, financiaram a campanha do meu partido nas últimas eleições, está a ver?
Vieram pedir-me ajuda e, como compreende, não posso dizer-lhes que não.
Já falei com os gregos e eles vão comprar quatro submarinos, mas é necessária outra encomenda. Então estava a pensar se a Marinha portuguesa não andará a precisar de uns submarinos..."
"Submarinos, Günter?", admirou-se o ministro português. "Para que queremos nós submarinos? Temos o Barracuda e já nos dá água pela barba.
Não precisamos de mais."
"Ach, você não está a compreender, Augusto", rosnou Günter, endurecendo o tom. "Temos-vos ajudado nos fundos de coesão, como sabe, e vocês têm derretido o nosso dinheiro em estradas e obras públicas, entregando-o a construtoras amiguinhas que vos financiam as campanhas eleitorais." Baixou a voz e piscou o olho ao seu interlocutor. "Também vos dão umas verbazitas para as vossas contas pessoais, ou não dão?" Emitiu uma gargalhada intimidatória antes de retomar o tom normal. "Ou seja, o dinheiro dos contribuintes alemães tem sido usado para financiar os vossos esquemas e os vossos partidos. Pois preciso agora que nos devolvam o favor e usem o dinheiro dos contribuintes portugueses para financiar esta empresa que ajudou o meu partido lá na Alemanha." Mostrou os dentes, como um 477