felino a ameaçar a presa. "Entendeu?"
Sentindo que tinha pouco espaço de manobra, o ministro português remexeu-se no 1ugar.
"Quanto é que uma coisa dessas custa?"
"Um submarino anda à volta dos quatrocentos e cinquenta milhões de euros."
"Ah, não pode ser! Andamos com o Orçamento do Estado apertadíssimo, nem imagina! Não há dinheiro."
O ministro alemão forçou uma gargalhada.
"Ó meu caro Augusto, não diga isso!", exclamou, a voz carregada de insinuações. "Esta empresa de que lhe falei está na disposição de apoiar os nossos partidos amigos em Portugal com uma quantia... digamos, generosa." Olhou o outro em busca de cumplicidade. "Penso que me está a entender, nicht wahr?"
O governante português endireitou-se, subitamente alerta. "Uma quantia generosa para o meu partido?" "Jawohl."
O ministro de Lisboa afinou a voz, a postura alterada.
"Na verdade já ouvi os almirantes protestarem com o Barracuda, dizem que está muito velho e coisa e tal. Pode ser que tenhamos mesmo de fazer essa compra, aliás absolutamente essencial para a defesa da longa costa portuguesa." Baixou a voz. "Essa quantiazinha que referiu.., quão generosa seria ela?"
"Quinze milhões por um submarino."
O português emitiu um assobio apreciativo.
"Ena, isso é interessante!", exclamou. Fez uma breve careta contrariada.
"Sabe, o problema é a oposição lá em Portugal. Eles vão logo questionar o negócio e fazer ondas e... e será uma chatice. É difícil explicar a compra de submarinos tão caros e tão evidentemente inúteis, não é verdade?"
"Não consegue falar com eles?"
"Com o principal partido da oposição em Portugal?" Fez um gesto de hesitação mas balançou afirmativamente a cabeça. "Sim, isso pode de facto 478
resolver-se. Teremos é de lhes dar uma parte do dinheiro, claro. Assim ficam todos satisfeitos e ninguém questiona nada."
"Wunderbar!", exultou o alemão, esfregando as mãos sapudas.
"Então faça isso, mein Freund!"
O encorajamento do alemão bastou para o português vencer a derradeira hesitação. Enchendo o peito de ar, o ministro de Lisboa empertigou-se, todo ele homem de estado a tomar decisões em benefício do seu país.
"Ah, não há dúvida, Portugal precisa urgentemente de submarinos!"
Ergueu o dedo, como um tribuno. "Urgentemente, digo-lhe eu! Imagine que os Espanhóis nos invadem? Além do mais, veja a dimensão da zona marítima sob a responsabilidade do meu país. Como é possível que não tenhamos submarinos?" Esfregou as palmas das mãos. "Acho até que vamos precisar de dois." Franziu o sobrolho, reconsiderando o número. "Não, dois não. Três! Três submarinos ainda vão custar mil trezentos e cinquenta milhões de euros, não é brincadeira nenhuma, mas... o superior interesse da nação impõe-se, não é verdade?" Voltou a baixar a voz. "Três submarinos vão dar quarenta e cinco milhões de euros em contribuições, correcto?"
"Jawohl. Quinze milhões por cada submarino." "Excelente! Assim haverá dinheiro suficiente para nós e ainda para calar os tipos da oposição."
"Parece-me sehr gut", aprovou o alemão. "Oiça, como iremos operacionalizar a transacção quando vocês confirmarem esta compra tão...
uh... imprescindível para o futuro do vosso país?"
"Temos uns amigos que possuem uma empresa com conta nas Bahamas e nas ilhas Caimão", observou pensativamente o ministro português. "O fabricante dos submarinos alemães mete a massa na Suíça, faz-se uma transferência para as Bahamas, depois para as Caimão, e a seguir, com o rasto já perdido, o guito vai para a empresa portuguesa, que fará um 'donativo' desinteressado ao meu partido e ao principal partido da oposição, com quem vou de imediato falar para assegurar que não haverá problemas." O olhar do português ganhou confiança. "Depois conversarei com 479
os meus amigos para operacionalizar a coisa, mas pode contar comigo, meu caro Günter. A bem de Portugal, temos acordo!"
O alemão pôs-se em pé e apertou a mão do seu interlocutor.
"Ach, Augusto, é um gross prazer fazer negócios consigo!" A imagem da gravação virou para negro e Tomás parou a imagem.
"Ilustrativo, não vos parece?"
"Muito", concordou a procuradora-geral, estendendo a mão. "Posso ficar com isso?"
Apesar de Agnès Chalnot estar de mão estendida à espera do DVD, o historiador permaneceu imóvel
"Claro que pode", acedeu ele. "Mas olhe que ainda há mais..."
"Perdão?"
O português sorriu.
"A procissão ainda vai no adro, minha cara", revelou. "Este DVD
está cheio de gravações muito interessantes." Virou a costas e enfrentou o computador portátil.
480
LXXII
A sala dos Uffizi estava reduzida ao silêncio absoluto enquanto Tomás procurava localizar a sequência seguinte. Quando a imagem apareceu, o historiador carregou no pause e o fotograma imobilizou-se, mostrando dois homens em pé. O grupo em redor do historiador, e em particular os dois procuradores do Tribunal Penal Internacional, seguira com grande atenção todo o diálogo registado pela câmara e pelo microfone ocultos.
"Antes de comentar o que acabámos de escutar vamos ver a gravação seguinte", sugeriu ele. "Esta reunião decorreu na mesma sala da delegação portuguesa, mas com diferentes protagonistas. De um lado o primeiro-ministro português, do outro o então comissário europeu Axe!
Seth, aqui a falar em representação do governo francês. Esta reunião bilateral ocorreu em privado horas antes de uma cimeira europeia."
Carregou no play e a imagem rolou.
"Então, Axel, vai ser uma cimeira dura, hem?"
"Qual quê, mon cher Gonçalo! Já está tudo cozinhado, como sempre.
Quando sentarmos os rabos na sala só temos de ratificar o que já foi acordado pelas nossas delegações. Depois basta sorrir perante os fotógrafos e apertar o bacalhau. Voilà!"
"Isso é verdade", assentiu o chefe de governo português, sentando-se no sofá. "Oiça, disseram-me que você tinha uma coisa importante para discutir comigo."
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"Ah, oui! O TGV."
"Pois, essa história das redes transeuropeias." Esboçou uma careta.
"Pensa mesmo que é necessário montar redes de alta velocidade pela Europa toda?"
"O TG V é essencial para o progresso económico."
"Acha que sim?", admirou-se o português, ainda céptico. "A América não tem TG V e que eu saiba é um país desenvolvido. Os escandinavos também não possuem alta velocidade e isso não os impediu de se desenvolverem. Porque raio é agora o TGV assim tão prioritário?"