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trepou as escadas em grande velocidade, saltando de três em três degraus, e só abrandou diante do quarto da mãe. Tocou de mansinho, quase com medo que ninguém respondesse, e sentiu um alívio profundo quando ouviu do interior uma voz familiar.

"Quem é?"

"Sou eu, mãe. Posso entrar?"

"Tomás? Entra, filho, entra."

Abriu a porta e viu a mãe sentada num sofá a ler uma revista social preenchida de imagens de pessoas a posar com sorrisos artificiais.

"Tudo bem, mãe?"

"Claro que está tudo bem, Tomás", devolveu ela, estranhando a aflição que lhe surpreendia no rosto. "Porque não haveria de estar?"

O filho ficou desconcertado.

"Eles não... quer dizer, a mãe não... não teve de sair daqui?"

"Sair daqui? Para onde?"

Era uma boa pergunta. Tomás entrou, fechou a porta e foi beijá-

la. Depois sentou-se na cama, ao lado do sofá dela, e pegou-lhe na mão.

"Não ligue", acabou por dizer. "Está tudo bem, não está?" Dona Graça encolhe u os ombr os, despreocupada . "Claro que está tudo bem." Fez um gesto a indicar uma fotografia na revista. "Já viste esta lambisgóia da televisão?

Veio para aqui dizer que conheceu agora o amor da vida dela e que fez com ele... enfim, coisas na praia. Minha nossa senhora, as pessoas já não têm tino nenhum! Agora vêm para as revistas falar sobre a sua intimidade! Credo, que mundo este! Já viste isto?"

Depois de se despedir da mãe desceu as escadas e foi bater à porta do gabinete da directora. Ouviu uma voz mandá-lo entrar, abriu a porta e espreitou para o interior.

"Olá", cumprimentou com um sorriso. "Tem um minuto?" Ao vê-lo ali Maria Flor arregalou os olhos de chocolate e pôs-se de pé num salto.

"Professor Noronha!", exclamou, surpreendida. "Por aqui?"

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Tomás entrou e cumprimentou-a com dois beijos no rosto; eram macias e quentes aquelas bochechas. Depois acomodou-se diante da secretária da responsável do lar e tirou um cheque do bolso.

"Felizmente consegui resolver o equívoco e a polícia já reconheceu que foi induzida em erro", disse. "Vim aqui regularizar a situação da minha mãe."

Ao vê-lo de cheque na mão a directora corou.

"Oh, não precisava de ter vindo tão depressa!"

"Não precisava?", admirou-se ele. "O prazo para pagar a diferença em falta na mensalidade terminava ontem, não terminava?

A senhora disseme que, se não pagasse a horas, os proprietários do lar punham a minha mãe na rua. Como deve compreender, a minha prioridade logo que me vi livre da situação em que me envolvi inadvertidamente foi vir aqui pagar o que devia."

"Pois, mas isso era a situação de ontem. Neste momento está tudo controlado."

"Está? Os proprietários aceitaram dar-me mais tempo para repor a diferença?"

Maria Flor hesitou, na incerteza sobre o que deveria dizer.

"Não exactamente", acabou por admitir. "Mas a situação da sua mãe ficou regularizada e isso é tudo o que interessa."

Tomás esboçou uma careta de incompreensão.

"Regularizada? Mas como?"

A directora fez um gesto vago com a mão, como se quisesse passar à frente.

"Não interessa", disse ela, claramente com pouca vontade de remexer na questão. "Esteve agora com a sua mãe?", perguntou, mudando de assunto. "Que tal a achou?"

O olhar do visitante iluminou-se.

"Ah, muito melhor! Para começar, reconheceu-me. Só isso é coisa digna de registo, não é verdade? Além do mais, conversou 521

normalmente. Até parece outra!"

"Pois é, tenho andado a controlar-lhe mais a medicação", sorriu Maria Flor. "Por outro lado, o facto é que ela tem uns dias melhores e outros piores, e hoje pareceu-me estar num dia bom. Fez ginástica de manhã e tudo! Já a tarde foi passada a ler."

"Pois é. A minha mãe gosta de cusquices e vocês arranjaram-lhe umas boas revistas de fofocagem, não foi?" Riram-se os dois como velhos cúmplices.

"Ela adora essas coisas, não há dúvida!"

Tomás deixou a boa disposição prolongar-se, mas havia uma questão ainda por resolver no seu espírito.

"A senhora disse há pouco que..."

"Não me chame senhora", cortou ela, empertigando-se. "Até pareço uma velha. Chame-me Maria Flor, se não se importar."

"Maria Flor?", disse ele, testando a sonoridade do nome. "Muito bem, desde que me chame Tomás. Era o que tínhamos combinado, não é verdade?"

"Tem razão, profes... uh... Tomás. O problema é que ainda não nos habituámos."

O visitante pigarreou, preparando-se para regressar ao terna que o apoquentava.

"Pois, dizia eu que a senh... hã... a Maria Flor revelou há pouco que a situação da minha mãe foi regularizada. O que queria dizer com isso?"

A directora voltou a fazer um gesto indefinido com a mão, tentando passar à frente.

"Ah, não se preocupe, isso já lá vai!", devolveu ela. "Já reparou que a sua mãe é um bocado vaidosa? Noutro dia levei-a a passear à Baixinha e dei com ela a apreciar um vestido numa montra."

Tomás fitou-a com intensidade e cruzou os braços, como um menino traquina a fazer birra.

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"Já vi que está a tentar desviar a conversa", constatou. "Pois eu não saio daqui enquanto não me explicar como é que a situação da minha mãe foi regularizada. Pressinto que há aí um mistério qualquer e gostaria de o esclarecer."

"Apre que é teimoso!", protestou ela, carregando as sobrancelhas.

"Sempre foi assim?"

"Sempre", confirmou ele. "Então conte lá, como é que a situação da minha mãe foi regularizada?"

"Não interessa, Tomás." Ajeitou-se no assento. "Olhe, se fosse a si ia à Baixinha com ela. A dona Graça anda de olho num vestido que..."

"Escusa de tentar desviar o assunto porque daqui não saio", avisou ele, interrompendo-a. "Sou filho e responsável por uma pessoa que vive nesta instituição e tenho o direito de saber qual a situação das mensalidades dela." Inclinou a cabeça. "Ou não tenho?"

A directora engoliu em seco.

"Tem sim."

O visitante manteve os braços cruzados, manifestando a sua posição irredutível, e soergueu uma sobrancelha. "E então?", insistiu.

"Desembuche."

"A situação da sua mãe está regularizada", disse ela num fio de voz tímido. "Não tem de se preocupar com nada este mês."

"Que a situação este mês está regularizada já eu percebi", devolveu ele. "Mas como foi ela regularizada?"

Maria Flor engoliu em seco.

"Pagaram a diferença em falta."

Tomás estremeceu, apanhado de surpresa.

"Pagaram?", admirou-se. "Quem?"

O corpo da directora do lar pareceu encolher-se no assento e os olhos de chocolate desviaram-se para o chão, incapazes de o encarar.

"Fui eu."

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Fez-se um silêncio estarrecido no gabinete.

"Você?", perguntou Tomás quando recuperou a fala, ainda embasbacado com o que acabava de ouvir. "Pagou o que faltava da mensalidade da minha mãe? Do seu bolso?"

Maria Flor assentiu com a cabeça, o olhar baixo, a garganta emudecida, incapaz de o dizer novamente.

"Porquê?", perguntou ele, assombrado. "Porque fez isso?"

A directora levantou enfim os olhos e fitou-o.

"Porque não podia deixar que a pusessem na rua!", retorquiu, a voz de repente assertiva, o olhar incendiado por uma paixão que Tomás sempre lhe adivinhara mas nunca realmente vira. "Porque estou aqui para cuidar de pessoas, não para alimentar um mero negócio!