vosso estado era responsável por trinta por cento do PIB em 1980 e, dez anos depois, essa percentagem subiu para quarenta e cinco. Esse estado grego gigantesco, impregnado de corrupção, clientelismo e ineficiência endémicas, anda há décadas a estrangular o vosso país." Pôs a mão sobre o peito. "E a culpa é da Alemanha?!"
"Lá vem você com o passado", protestou o grego. "Se quer falar no passado, porque não fala do tempo em que a Alemanha invadiu a Grécia e 58
matou trezentas mil pessoas de fome em Atenas no Inverno de 1941-1942, depois de ter saqueado toda a nossa comida e combustível? Se quer falar no passado, porque não fala em toda a população masculina a partir dos catorze anos que vocês executaram em Kalavryta? Se quer falar no passado, porque não fala no ouro que os nazis roubaram do Banco da Grécia e nunca devolveram Ou no dinheiro e nos bens que subtraíram à população, a quem até a corda dos sapatos gamaram? Porque não fala em tudo isso?"
"A Alemanha pagou mais de cem milhões de marcos à Grécia em reparações de guerra ao abrigo de um tratado assinado em 1960.
Além disso, indemnizou as vítimas gregas de trabalhos forçados no tempo do Terceiro Reich. As nossas contas estão saldadas."
"Esse tipo de contas nunca se salda, grandes camelos! E cem milhões de marcos é uma gota ridícula no mar de prejuízos e desgraça que vocês aqui espalharam. Se as contas ao que vocês nos roubaram fossem devidamente feitas e actualizadas a valores correntes, a Alemanha teria de nos pagar mais de cento e cinquenta mil milhões de euros de reparações. Percebeu, seu nazi?"
O alemão calou-se; conhecia as contas e sabia que a avaliação não era disparatada.
"Além do mais", prosseguiu o grego, ganhando balanço, "deviam respeitar-nos porque somos o berço da civilização ocidental!"
O argumento fez o alemão rir-se.
"E isso concede-vos direitos especiais? Isso permite-vos gastar o dinheiro dos outros como vos dá na real gana? O vosso passado confere-vos imunidade quando chega o momento de prestar contas?" Apontou para Tomás. "Até aposto que há em Portugal e noutros países alguns idiotas que compram essa balela de que os Gregos estão autorizados a fazer os disparates que quiserem porque são o berço da nossa civilização. Mas aposto que, se os Gregos começarem a viver à custa do dinheiro dos impostos cobrados em Por-59
tugal, os Portugueses deixarão de achar graça a essa conversa do berço." Ergueu o dedo. "Ser o berço da civilização não vos desresponsabiliza. Quando muito, até vos confere responsabilidades acrescidas: portem-se à altura dos vossos antepassados, não como fedelhos mimados!"
O olhar do professor Markopoulou dançou entre os seus dois companheiros de cela, na dúvida sobre se naquela conversa Tomás era um aliado ou se tornara um adversário.
"Bem, no que diz respeito à crise não estou a falar do passado, mas do que se passa hoje. E hoje, sim, a Alemanha tem culpa!"
"O passado da economia grega mostra-nos um padrão de comportamento", argumentou Sepp. "Mas o mais importante é que a vossa economia não tem qualquer capacidade de competir com as outras economias europeias. Vocês entraram no euro com contas aldrabadas e a pensar que a moeda única vos ia automaticamente resolver os problemas. Pois não resolveu. Pelo contrário, agravou-os!
A única coisa que a Grécia produz é turismo, agricultura e navios.
Além de subsídios estatais em quantidades industriais financiadas pelos impostos cobrados aos outros, claro. Isso é que é uma economia competitiva? Antigamente vocês competiam através da desvalorização do dracma, que tornava os vossos produtos mais baratos. Mas desde que entraram no euro que não podem desvalorizar a moeda. Para compensar isso teriam de começar a produzir bens que toda a Europa quisesse comprar. Além de umas férias nas vossas ilhas, contudo, não há nada na Grécia que os europeus desejem aos preços que vocês pedem. Conclusão? Voltaram à bancarrota." Fez uma pausa. "E a culpa é de quem? Da Alemanha?"
"É verdade que a nossa economia é atrasada", concedeu o professor Markopoulou. "Mas o euro devia servir para a modernizar. Foi o que sempre nos disseram."
O alemão suspirou.
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"Oiça, uma economia não se moderniza por artes mágicas", sublinhou. "Quem faz a economia da Grécia são os Gregos, não são os restantes europeus. Como poderia a vossa economia mudar se vocês não a mudaram? Pior anda, o dinheiro que vos chegou foi esbanjado à grande e à francesa! Vocês gastaram o crédito que o euro vos proporcionou em importações e subsídios e a vossa economia continuou a funcionar nos mesmos termos medievais. Aliás, nada funciona a não ser através da ilegalidade. A fuga ao fisco é generalizada e a corrupção também."
O arqueólogo voltou a corar.
"Temos alguns problemas nessa área, reconheço, mas não é assim tão grave!..."
"Ai não? Então não foi o senhor que ainda há pouco teve de subornar o médico para nos tratar?"
"A fakelaki é uma velha tradição cultural."
"A fakelaki é corrupção institucionalizada. Aqui na Grécia pagam-se subornos para receber tratamento no serviço público de saúde e pagam-se subornos para obter autorizações de construção. Até se pagam subornos aos inspectores do fisco, ou não é verdade?"
O professor Markopoulou engoliu em seco e baixou os olhos.
"Não vou dizer que não."
"Cada família grega paga em média mil e quinhentos euros por ano em fakelaki e toda a gente acha isso normal. Até conheço os preços que se praticam! São trezentos euros por baixo da mesa para passar numa inspecção automóvel e dois mil e quinhentos euros para avançar numa lista de espera para uma operação num hospital do estado. E isto é apenas a ponta do icebergue da festarola que o FMI aqui encontrou As filhas dos funcionários públicos reformados .
recebiam pensões vitalícias mesmo depois da morte dos pais desde que não casassem. O estado grego iniciou um programa chamado Turismo para Todos em que pagava aos pobres para irem passar férias. Os caminhos-61
-de-ferro gregos têm tantos prejuízos que se calculou que ficaria mais barato pagar um táxi a cada um dos seus utentes. O país não produz nada, mas o salário mínimo quando o FMI aqui chegou andava nos setecentos e cinquenta euros, quase o dobro de Portugal. E quando chegamos às pensões?" O alemão soltou uma gargalhada. "Ui, aqui a fantasia atinge o clímax! O valor da reforma dos Gregos foi fixado em noventa e seis por cento do seu salário, mais do dobro da proporção alemã. A idade de reforma na Grécia era de apenas cinquenta e oito anos, quando na Alemanha chega aos sessenta e sete. Vocês até davam reforma mais cedo a quem tinha profissões supostamente árduas, profissões de incrível dureza física como cabeleireiros, lavadores de automóveis, técnicos de rádio, recepcionistas de banhos turcos..."
O arqueólogo fez um gesto irritado com a mão direita.
"Está bem, exageramos um bocadinho", admitiu. "Mas isso não é motivo para nos tratarem dessa maneira!"
"A única coisa que se vos pede é que tenham juízo e só gastem o dinheiro que o vosso país efectivamente produz, não o dinheiro que os outros produzem" disse Sepp. "Vocês adoptaram uma política social irrealista e decidiram pagá-la com o dinheiro dos outros. Chamaram a essa fantasia desmedida 'modernização da economia'. Mas, como é evidente, a pândega não podia durar para sempre. Não era sustentável. Quando a realidade se impôs, o que fizeram vocês?