Выбрать главу

Estenderam a mão e exigiram que pagássemos pelos vossos desmandos! O resgate de um país que usou tão mal O nosso dinheiro é um roubo aos contribuintes alemães! E em vez de perceberem o que realmente fizeram de mal e entenderem os nossos protestos preferiram transformar-nos em bodes expiatórios." Abriu os braços. "Até parece que a culpa é dos Alemães!"

Fez-se um silêncio pesado na cela. O professor Markopoulou parecia ter desistido de contra-argumentar e Sepp Sammer, vendo-o baixar 62

os braços, decidiu poupá-lo a mais embaraços. Restava Tomás, que assistira à conversa em silêncio e que se sentia cada vez mais surpreendido com a avalancha de dados debitados pelo alemão. Não lhe parecia normal ver um turista tão bem informado sobre a economia da Grécia.

"Diga-me uma coisa, Sepp", disse. "O que faz você na vida?"

"Tenho uma estalagem em Darmstadt."

A revelação adensou a perplexidade e a curiosidade do historiador português.

"Como é que um estalajadeiro de Darmstadt sabe tanta coisa sobre a economia grega?"

A pergunta suscitou um brilho no olhar azul do alemão. Os lábios de Josef Sammer desenharam um sorriso orgulhoso e a sua face quase irradiava luz quando chegou o momento de revelar a fonte dos seus conhecimentos, o sítio onde quase todos os Alemães iam beber as informações sobre como a Grécia geria o seu dinheiro.

"Ach, é simples", exclamou. "Li no Bild Zeitung."

63

VII

A primeira coisa que Tomás fez quando chegou à sua casa em Lisboa foi atirar a mala para cima da cama, despir-se e meter-se no chuveiro. Os últimos dias haviam sido inesperadamente desgastantes, sobretudo com os tumultos nas ruas de Atenas, a detenção durante setenta e duas horas e as agressões que sofrera na cadeia às mãos dos anarquistas.

Tudo isso fora demasiado. Daí que, quando finalmente o juiz grego o enviou em liberdade, tivesse decidido regressar de imediato a Portugal. O

Museu de Arqueologia de Atenas havia-o contratado para fazer uma peritagem ao pergaminho em avéstico que tinha sido descoberto nas escavações da Biblioteca de Pantainos, mas considerando as circunstâncias ninguém levantou qualquer obstáculo quando solicitou dispensa do trabalho. Ficou combinado que regressaria no mês seguinte para completar a peritagem e investigar a possibilidade de haver mais antigos manuscritos zoroástricos escondidos no local das escavações, questões que, considerando as circunstâncias, tinham perdido toda a urgência.

Quando saiu do banho ligou o pequeno televisor que tinha no quarto e sintonizou-o num canal de notícias.

"Iorque o índice Dow Jones sofreu um novo colapso alimentado pelos receios relativos aos activos tóxicos na posse da banca e à instabilidade na zona euro", disse a apresentadora do programa de economia, uma rapariga coquette que dava as notícias com o sorriso de quem apresentava a meteorologia e falava dos activos tóxicos como se 64

fossem o anticiclone dos Açores. "Os juros da dívida soberana voltaram a disparar, com os investidores a desconfiarem da capacidade de vários países europeus de cumprir os seus compromissos."

Havia já alguns meses que o historiador ouvia estas notícias na televisão, pelo que não ligou. Era verdade que a sua experiência em Atenas lhe dera um contacto em primeira mão com realidades da crise grega, mas tudo aquilo lhe parecia acontecer num mundo irreal, situado no outro canto da Europa ou do outro lado do ecrã.

"A taxa de desemprego disparou na Grécia, em Portugal, na Irlanda e em Espanha, países onde atingiu novos máximos dos últimos trinta anos", prosseguiu a apresentadora do sorriso artificial. A imagem no televisor passou a mostrar uma multidão em fúria. "Uma nova greve geral na Grécia, acompanhada por uma manifestação culminou em Atenas com tumultos na Praça Syntagma, diante do parlamento, com manifestantes e polícia a envolverem-se em confrontos que se saldaram em dois mortos, trinta feridos e duzentas pessoas detidas."

Estas imagens prenderam a atenção de Tomás; eram-lhe familiares e a sua experiência estava ainda demasiado viva para as ignorar. Viu confrontos nas ruas, bandeiras alemãs em chamas, a polícia de choque a carregar e, nesse instante, virou a cara. Tudo aquilo lhe parecia deprimente. Sem voltar a mirar o ecrã, vestiu-se rapidamente e saiu.

O homem gordo de bigode estava junto à mesa em mangas de camisa, os pêlos do peito a espreitarem pelo colarinho, gotas de transpiração a deslizarem-lhe pela face rechonchuda. Ao ver o cliente entrar na tasca puxou a cadeira e fez-lhe sinal para se sentar.

"Ora viva, sô professor!", saudou o anfitrião com descontraída familiaridade. "Bons olhos o vejam!"

Tomás sorriu e sentou-se no lugar que lhe era indicado.

"Olá, Horácio."

"O que Ih'aconteceu à cara, sô professor? Andou no recreio à 65

porrada ou quê?"

"Foi... uma queda", devolveu o cliente, sem vontade de explicar o inchaço sobre o olho e os curativos no rosto. "Está tudo bem?"

Os lábios finos do homem curvaram-se num esgar e ele esboçou uma careta.

"Nem por isso, sô professor. Ist'anda mal."

"Ai anda?", surpreendeu-se Tomás. "Que aconteceu? Não me diga que está doente..."

"Isso não, graças a Deus! Tenh'uma saúde de ferro!"

"Ah, ainda bem."

Com um gesto largo a indicar o restaurante, Horácio fez um ar desalentado.

"O problema é o negócio, c'um catano!" Apontou para três mesas vazias junto à janela. "Ó p'ra isto, sô professor! já viu? Onde é que no ano passado a esta hora eu tinha uma mesa vazia aqui no restaurante? Mas agora... ó, é só ver!"

O historiador desviou o olhar para as mesas vazias; teria sido realmente impensável ver o restaurante assim no ano anterior.

"Que aconteceu?"

"São os cortes nos salários, sô professor. Isso e mais a subida do IVA. O governo está a apertar, a apertar, a apertar... Uns abutres!

Onde irá isto parar, meu Deus? Só lhe digo, é uma desgraçal..."

"Pois é, Horácio. Também eu já levei um cortezinho no ordenado."

O anfitrião inclinou-se para o cliente e Tomás sentiu-lhe o fedor ácido a transpiração e o bafo quente de vinho tinto.

"Lá p'ró Norte a coisa 'inda é pior, sô professor. Sou de Santo Tirso, como sabe. Pois as fábricas por lá estão todas a fechar, é um horror. Aqui em Lisboa as pessoas nem fazem ideia. A minha prima Ermelinda, o Zé da Pipa, o Chico Lingrinhas... anda tudo nos centros de emprego à cata de trabalho. E não há nada de nada, o que pensa o senhor? Aqui em Lisboa ainda há o estado e todos os 66

negócios em redor dele, como os restaurantes e o comércio, tudo a alimentar-se dos funcionários públicos. Mas lá em cima não há nada, sô professor, as pessoas estão entregues a si mesmas. A Ermelinda, coitadinha, já fala em emigrar p'rá Suíça ou p'ró Canadá, como há anos fez o pai dela, o Ti Nando. E o resto do pessoal está na mesma."