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"De certeza que a culpa foi do euro?"

"A coincidência temporal entre o nascimento da moeda única e o declínio das economias europeias é perturbadora", disse o historiador.

"Claro que a entrada da China na economia global é o principal responsável por grande parte destes problemas, juntamente com o crédito barato, mas tenho uma certa dificuldade em isentar o euro de responsabilidades."

Raquel manteve os olhos cravados nele; queria uma resposta final à sua preocupação central e não a obtivera ainda.

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"Muito bem", disse. "Mas, se o euro sobreviver, afinal vamos ou não sair dele?"

A insistência implacável da espanhola arrancou uni sorriso divertido a Tomás.

"Deixa-me responder deste modo", retorquiu. "Para nos mantermos no euro, algo que me parece perfeitamente possível, é fundamental que algumas coisas mudem. Primeiro, temos de respeitar uma rigorosa disciplina orçamental, coisa que até agora não fomos capazes de fazer sem o FMI ou Bruxelas a darem-nos ordens. Segundo, temos de reduzir o investimento no sector não transaccionável e focar-nos no sector transaccionável para exportação, coisa que até agora também não fomos capazes de fazer. Terceiro, temos de aceitar cortes directos nos salários, nos subsídios e nas pensões de forma que os nossos produtos se tornem mais baratos e as importações mais inacessíveis, coisa que até agora só conseguimos aceitar quando é o FMI ou Bruxelas a ordená-lo. Quarto, temos de aceitar a perda quase total de soberania e a substituição da ordem constitucional dos nossos países por uma ordem federalista que transforme os nossos estados em regiões europeias e submeta os nossos orçamentos a controlo alheio, coisa que muitos europeus dão mostras de não tolerar. E, quinto, os Alemães têm de aceitar fazer transferências orçamentais para a periferia, coisa que começam a não estar dispostos a fazer."

"Achas que vamos conseguir cumprir essas cinco condições?" O

historiador abanou lentamente a cabeça.

"Duvido."

"Porquê?"

"Porque os eleitores têm tendência a votar em políticos que lhes vendam ilusões e prometam facilidades, subsídios, pensões e salários mais altos do que a produtividade. O Partido do Estado domina os países do Club Med, cujas receitas fiscais vão inteirinhas para 367

salários da função pública, para a segurança social e para a saúde. Ora disciplina orçamental e investimento no sector transaccionável são coisas que implicam menos estado. Além disso, a manutenção no euro significa que, sempre que houver crise, e uma vez que não se pode desvalorizar a moeda, terá de se voltar a cortar directamente nos salários e nas pensões para reduzir as importações e aumentar as exportações. Estás a ver os governantes portugueses e espanhóis a fazerem esses cortes? Os eleitores destes países não vão aceitar Uma coisa dessas e à primeira oportunidade elegerão políticos que façam despesa e contraiam dívida."

"Pois é, tens razão", acabou Raquel por reconhecer. "Isso significa que temos mesmo de sair do euro..."

"Ou mudamos muito ou isso é inevitável", anuiu ele. "Falta saber quando acontecerá. Poderá suceder de um momento para o outro, precipitados por uma agudização súbita e irreversível da crise, ou levar anos e anos de sofrimento, com a economia sempre a arrastar-se na estagnação e em crise, até que nos convençamos que o euro está formatado para defender os interesses de economias como a alemã, não como as nossas."

"Mas como se sai do euro?", perguntou a espanhola. "Aqui em Espanha os economistas dizem que as consequências seriam terríveis..."

O historiador assentiu.

"E têm razão."

"Têm?"

Tomás espreitou a paisagem. A costa da Ligúria era uni lugar espantoso, com as suas pequenas praias de pedrinhas e tendas cuidadosamente arranjadas. Olhando para ali, tudo o que lhe apetecia era apear-se e dar um mergulho naquelas águas tranquilas e quentes, enlevado pela superfície azul-turquesa que afagava as rochas e beijava as praias.

"Poderá ser um evento catastrófico."

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LV

O toque suave na porta despertou-o. O quarto estava escuro, mas Magus conseguiu espreitar o relógio; eram oito da manhã, só poderia ser Balam que viera para receber as instruções. Deslizou da cama, estremunhado, vestiu o roupão e lançou uma olhadela à loura com a qual passara a noite; apesar de ter a pele pálida coberta de vergastadas e de feridas, a prostituta dormia profundamente, efeito do sedativo e do analgésico que tivera de tomar após a segunda dose que ele lhe aplicara.

A visão da mulher alquebrada na cama despertou-o da letargia de quem acabara de acordar e arrancou-lhe um trejeito de satisfação.

"Estiveste à altura, minha linda", murmurou. "Aposto que não me vais esquecer tão cedo..."

Antes que se excitasse de novo, e fiel ao princípio de que o trabalho 369

estava sempre à frente cio prazer, dirigiu-se à porta e espreitou pelo óculo; do outro lado aguardava-o de facto o seu chefe de segurança. Abriu a porta e, sem uma palavra, fez sinal a Balam de que entrasse.

"Tenho novidades, poderoso Magus."

"Tens?", respondeu o chefe, fazendo um sinal a indicar os sofás da suíte. "Senta-te e conta-me tudo."

O subordinado obedeceu e encaminhou-se directamente para o lugar. Não conseguiu reprimir a curiosidade e, tal como na véspera, lançou um olhar indiscreto para a cama; viu os lençóis manchados de sangue e as algemas, enquanto o chicote e as correias jaziam espalhados pelo chão. Nada daquilo constituía novidade, já muitas vezes em ocasiões anteriores se tinha deparado com preparos semelhantes nos aposentos do chefe; apenas as raparigas eram diferentes. Duas vezes tivera mesmo de as levar para o hospital; desta feita, contudo, isso não lhe pareceu necessário, bastaria comprar o silêncio da camareira com uma centena de euros.

"Identifiquei o IP do computador utilizado pelo português para enviar o e-mail", anunciou, voltando a concentrar-se no assunto do momento. "Tra ta-se de um po rtátil."

"Porra!", praguejou Magus, contrariado com a novidade. "O gajo está a proteger-se."

Balam levantou a mão, a sinalizar que ainda não havia terminado.

"Mas o tipo cometeu um erro, poderoso Magus." "A sério? O que fez ele?"

"Fui verificar o registo comercial do portátil e descobri que só foi vendido ontem." Fez uma pausa, como se quisesse sublinhar a importância da informação seguinte, e inclinou-se para a frente. "Em Barcelona."

Os olhos do chefe iluminaram-se.

"Não me digas!", exclamou. "Boa, Balam!"

O esbirro recostou-se no sofá e cruzou a perna, muito satisfeito 370

com a sua descoberta e sobretudo com a reacção de agrado do dirigente máximo da organização.

"Que poderemos concluir daqui, poderoso Magus?"

A pergunta era desnecessária porque, confortável no seu assento, o chefe já equacionava a situação.

"Sabemos neste momento duas coisas muito importantes sobre os nossos pombinhos", considerou, pensativo. "Ontem estavam em Barcelona e hoje estarão aqui, em Florença, não é verdade? Esses factos são seguros. A questão é esta: como se farão transportar de Barcelona para Florença?"