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"Ou seja, as duas partes ficam tosquiadas..."

"Nem mais. E assim se pode sair do euro de uma forma que, sendo péssima, não é totalmente catastrófica. Todos os que cometeram erros, países e bancos, pagam a sua quota-parte."

"Mas esse haircut não é uma forma de default?"

"Com certeza", confirmou Tomás. "O incumprimento parcial de Portugal, contudo, é inevitável. O mesmo é verdadeiro para a Irlanda, a Espanha e, se as coisas correrem mal, a Itália. Sabes, a crise não se resolve sem austeridade, mas também não se resolve só com austeridade. Em Portugal foram aumentados os impostos e feitos cortes na saúde, na educação, na 375

segurança social, nos subsídios e nos salários. Quanto é que se arrecadou com estas medidas de austeridade? Nove mil milhões de euros. Quanto é que Portugal pagou em juros da dívida, por exemplo ao longo de 2012?

Mais de oito mil milhões de euros. Ou seja, toda a austeridade serviu apenas praticamente para pagar os juros da dívida, não para pagar a dívida propriamente dita. E como as medidas de austeridade provocaram recessão, as receitas dos impostos baixaram, agravando assim o problema. Esta trajectória é insustentável. Lá diz o velho princípio de economia: o que é insustentável não se sustentará. Por culpa de Portugal, que se endividou para além das suas possibilidades, e por culpa dos bancos internacionais, que na sua ganância lhe emprestaram dinheiro sem cuidarem de verificar se o país tinha condições para o devolver na íntegra, chegámos a um beco sem saída e todos, incluindo os bancos imprevidentes, vão ter de pagar a factura. Mais cedo ou mais tarde terá de haver um acordo e terá de se proceder a um haircut da dívida portuguesa."

"Há aí um problema", observou Raquel. "Li no jornal que, quando há um incumprimento, durante muitos anos nenhum banco internacional volta a emprestar dinheiro ao país incumpridor."

"Balelas!", devolveu o historiador. "Os bancos querem é fazer dinheiro e investem onde vêem oportunidades. Os estudos mostram que, depois de um incumprimento, em geral os países voltam aos mercados entre um e cinco anos depois do default."

Os esclarecimentos pareceram satisfazer Raquel, que acenou afirmativamente. De repente imobilizou-se, assaltada por uma dúvida.

"Depois de um país sair do euro, de quanto tempo precisa a economia para recuperar?"

"Depende do que o país fez à dívida", sublinhou Tomás. "A simples saída do euro não resolve o problema, uma vez que se trata de uma crise da dívida, que tem na raiz a perda de competitividade perante mercados emergentes como a China, pelo que são estes dois problemas, dívida e falta de competitividade, que têm de ser 376

resolvidos. Caso aproveite a saída do euro para limpar a dívida e recuperar a competitividade, o país passa um ano muito mau, mas a recuperação começa logo a seguir. O abandono de zonas monetárias por parte de alguns países não é, aliás, nenhuma novidade na história do mundo. O caso da Argentina, por exemplo, é muito semelhante ao do Club Med e dá-nos algumas orientações úteis. Tal como nós vivemos colados ao euro, a Argentina vivia nos anos 90 colada ao dólar americano e estava a enfrentar enormes dificuldades, com recessão, dívida descontrolada, desemprego altíssimo e perturbação social, exactamente a nossa situação. Os Argentinos separaram-se do dólar em 2001, desvalorizaram o peso e, em 2002, a sua economia desatou a crescer, tendo o PIB disparado até aos sete por cento, e o desemprego caiu. Não se pode chamar a esta solução uma catástrofe, pois não?"

O olhar verde-esmeralda de Raquel incendiou-se. "Coo! Então temos mesmo de sair do euro!"

O seu companheiro de viagem soltou uma gargalhada perante este súbito entusiasmo.

"Sabes, a grande dificuldade para já é determinar exactamente qual a parte da crise que é responsabilidade da entrada da China no mercado mundial e da consequente desindustrialização do Ocidente e qual a parte que é a dificuldade das nossas economias em funcionarem dentro de uma moeda forte. Se chegarmos à conclusão que a culpa é do euro, o grande desafio será dar o salto mental." Colou a ponta do indicador às têmporas.

"Numa tal situação os nossos políticos irão resistir, vão dizer que o euro é que é bom, uma saída será uma catástrofe e coisa e tal, e andaremos a perder tempo precioso." Mostrou os dentes. "É um pouco como quando temos uma dor de dentes, estás a ver? A dor significa que existe um dente estragado. Como temos medo de ir ao dentista, vamos suportando a dor dia após dia, até ao momento em que ela se torna insuportável e acabamos por nos decidir a enfrentar o horror do 377

dentista e a resolver a coisa de vez. Claro que teria sido melhor ter ido ao dentista mais cedo, não é verdade? Isso ter-nos-ia poupado muito sofrimento posterior, mas os seres humanos comportam-se mesmo dessa maneira, fogem a um acto muito doloroso e adiam-no enquanto podem.

A crise também é assim. Um dia, após crise atrás de crise, e sem vermos as coisas melhorarem significativamente, atingiremos um ponto de dor insuportável que levará alguém a cair em si e a tornar enfim a decisão que se impunha há muito tempo."

"Achas então que vamos deixar arrastar a decisão?"

"A não ser que os acontecimentos obriguem a uma resolução imediata, será isso o que acontecerá", rematou. "Começaremos por escolher um horror sem fim, até ao momento em que percebermos que é preferível um fim horrível."

"Saindo do euro, passamos pois a imprimir moeda e, através da inflação assim gerada, baixamos os salários de uma forma invisível.

Ficaremos então muito melhor, não é?"

Tomás fez uma careta, desconfortável com a conclusão.

"Repito que não há soluções milagrosas e que estamos perante opções muito más e opções péssimas", insistiu. "A impressão de dinheiro para pagar as dívidas é a solução mais fácil e mais atraente para os políticos, mas também muito perigosa e, atenção, só funciona a curto prazo. É

preciso lembrar que a inflação quase só existe devido à excessiva impressão de dinheiro. Quando há demasiado dinheiro a circular, o dinheiro perde valor e os produtos tornam-se mais caros. Isso obriga a que se imprima mais dinheiro, encarecendo os produtos ainda mais, e entra-se assim numa espiral inflacionista. Um estudo de doze episódios de hiper-inflação mostra que todos eles têm em comum a impressão excessiva de dinheiro para pagar défices monstruosos."

"É um preço que teremos de pagar para nos vermos livres da dívida..."

"Pois é, mas a prazo surgem dois efeitos que dificultam o pagamento da dívida através desta solução. O primeiro é que os sindicatos exigem 378

que se indexem os aumentos salariais à inflação e as próprias empresas passam a fazer negócios contratualmente ligados à inflação, de modo que uma subida na inflação corresponda a uma igual subida nas prestações. O

segundo efeito é que os estados só recebem os impostos dos cidadãos uma vez por ano, o que faz com que, na altura em que o fisco arrecada determinada quantia e algum tempo depois, quando a começa a gastar, esse dinheiro já valerá muito menos. O objectivo do exercício acaba assim derrotado. Daí também que os Alemães rejeitem tal solução. Eles sabem que a prazo a inflação é exclusivamente destruidora de riqueza."