"Enquanto presidente da Federal Reserve, Alan Greenspan desenvolveu uma política agressiva de desregulação dos mercados. Um dos seus maiores crimes contra a economia mundial foi cometido quando em 1998 o Citicorp e o Travelers se fundiram para criar a maior empresa de serviços financeiros do planeta, o Citigroup. Essa fusão violava directamente a Lei Glass-Steagall, criada em plena Grande Depressão para impedir a formação de grupos financeiros tão grandes que a sua eventual queda pusesse em risco a economia americana. O senhor Greenspan tinha o dever de fazer aplicar a lei e impedir essa fusão. O que fez ele? Assobiou para o ar, deixou que a ilegalidade fosse cometida e, mais grave ainda, foi um dos cúmplices da revogação da Lei Glass-Steagall no ano seguinte."
Novo burburinho no salão.
"O seu outro grande crime contra a humanidade foram os esforços que desenvolveu para impedir a regulação do mercado dos derivados", prosseguiu Del Ponte. "A comissão que regula os mercados de futuros lançou em 1998 uma iniciativa para regular os derivados, uma acção que alarmou tanto o senhor Greenspan que no mesmo dia emitiu uma declaração a condenar a ideia e a recomendar uma lei 397
que mantivesse os derivados sem regulação. Essa lei foi aprovada em 2000." Manteve o dedo voltado para o rosto sorridente do antigo presidente da Fed. "Pior ainda, Alan Greenspan baixou as taxas de juro para valores mínimos, criando assim as condições para a emergência da bolha do imobiliário na América e depois na Europa. Quando se tornou claro que o mercado de hipotecas estava a funcionar mal, o senhor Greenspan recusou-se a regulá-lo, apesar de ter plenos poderes para tal e ser até seu dever fazê-lo. Todos estes actos estão na origem da desordem que conduziu ao colapso de 2008 e à Segunda Grande Depressão."
O procurador voltou-se para os seus colaboradores e eles carregaram num botão. Um novo rosto apareceu na tela, o de um outro homem de idade, de cabelos brancos atrás das orelhas e olhos pequenos, quase rasgados.
"Segundo suspeito de crimes contra a humanidade", enunciou. "O
senador Phil Gramm. No Congresso dos Estados Unidos, o senador Gramm foi o maior defensor da desregulação financeira. Foi ele a figura central da redacção da legislação que aboliu a Lei Glass-Steagall e da lei de 2000 que manteve o mercado dos derivados fora da acção dos reguladores. Depois de deixar o Senado, e se calhar em agradecimento pelos seus lucrativos serviços, o banco de investimentos UBS
contratou-o para seu vice-presidente. A verdade é que, precisamente devido a essa legislação de consequências calamitosas, este antigo senador espalhou miséria pelo planeta inteiro, pelo que merece sentar-se no banco dos réus."
Novo sinal para os colaboradores, nova imagem na tela gigante que ocultava uma parede do salão. Desta feita eram dois rostos, um homem novo de testa alta e outro de cabelo branco abundante.
"Terceiro e quarto suspeitos de crimes contra a humanidade", enunciou. "Larry Summers e Robert Rubin. O senhor Rubin é o antigo GEO do Goldman Sachs e o senhor Summers é um antigo professor de 398
Economia de Harvard. Ambos foram secretários americanos do Tesouro e deram cabo do dito. Presidiram activamente à desregulação dos mercados financeiros. Quando a comissão dos mercados de futuros tentou em 1998 regular os derivados, Larry Summers pegou no telefone e, na presença de treze banqueiros ansiosos por manterem os seus lucros em apostas arriscadas, invectivou a responsável da comissão e obrigou-a a parar com a sua iniciativa de regulação. Juntamente com Greenspan, Rubin e Summers escreveram a famosa declaração que conduziu à lei da desregulação dos derivados. Summers quase insultou um economista que em 2005 alertou para a perversidade do sistema de bónus em vigor na banca. Se calhar graças a estes serviços, Summers foi mais tarde escolhido para presidente de Harvard e contratado por um hedge fund, tendo arrecadado mais de vinte milhões de dólares."
Mais um gesto para a mesa e a imagem na tela mudou de novo.
A imagem que apareceu era de um homem totalmente calvo.
"Quinto suspeito de crimes contra a humanidade", identificou.
"Hank Paulson, antigo CE0 do Goldman Sachs que também se tornou secretário americano do Tesouro. Foi no seu tempo enquanto chefe do Goldman Sachs que este banco de investimento fez mais de três biliões de dólares, três triliões em numeração americana, em lucros com securitizações de hipotecas de pessoas pobres, chamadas subprime e directamente causadoras da crise. O senhor Paulson fez pressão junto dos reguladores para deixarem os bancos endividar-se ainda mais de modo a alimentarem a bolha especulativa. Como prémio, o presidente Bush nomeou-o secretário do Tesouro e foi quando ocupava essas funções que ocorreu o colapso de 2008. Foi ao Congresso pedir setecentos mil milhões de dólares para salvar os bancos de investimento que tinham provocado a crise, assim transferindo para os contribuintes o problema que ele próprio e os seus cúmplices tinham criado. Salvou também a seguradora AIG com 399
dinheiros públicos, mas obrigou-a a pagar mais de sessenta mil milhões de dólares ao Goldman Sachs e impediu-a de processar os bancos de investimento, incluindo o Goldman Sachs, por fraude." Fez um esgar de desdém. "Um verdadeiro artista, este Hank Paulson."
Voltou-se para a mesa e esboçou um novo sinal, que conduziu a mais uma mudança de imagem. Desta feita a tela encheu-se de uma série de símbolos de instituições bancárias.
"As responsabilidades políticas de desregulação dos mercados recaem essencialmente nas pessoas que acabámos de ver", disse. "Mas essas pessoas, e apesar de ocuparem cargos políticos, actuaram a mando de alguém." Indicou os símbolos projectados na tela. "Os bancos, claro. Se os políticos são os corrompidos, os grandes bancos de investimento são os corruptores. Envolvidos em todo o processo de securitização de hipotecas estiveram o Goldman Sachs, o Morgan Stanley, o Bear Sterns, o Lehman Brothers e o Merrill Lynch, além dos grupos financeiros Citigroup e JP Morgan. Ganharam biliões de dólares com este processo e distribuíram pelo planeta inteiro os activos que sabiam ser tóxicos. O Goldman Sachs, por exemplo, e ao mesmo tempo que aconselhava os seus clientes a comprarem esses activos, fazia apostas de que eles iriam falhar. Isso mostra que sabiam o que tinham nas mãos. Tiveram até o descaramento de criar activos que, quanto mais dinheiro fizessem perder aos clientes, mais lucro dariam ao Goldman Sachs."
Fez um sinal para a mesa e a imagem de dois e-mails encheu a tela. Um dizia: "Boy, that Timberwolf tuas one shitty deal." O outro, datado do mês seguinte, dizia: "The top priority is Timberwolf."
"Este primeiro é um e-mail interno do Goldman Sachs a classificar um pacote vendido pelo banco, o Timberwolf, como 'uma grande merda'. O segundo é um e-mail dirigido ao Departamento de Vendas do Goldman Sachs a estabelecer o Timberwolf como a principal prioridade de vendas. Isto é, o Goldman Sachs ordenava aos seus 400
vendedores que convencessem os clientes a comprar um pacote que o próprio Goldman Sachs sabia ser 'uma grande merda'!"
O burburinho voltou a encher o Salone dei Cinquecento.
"Este tipo de episódio era comum na actividade dos bancos de investimento. Graças ao fim da Lei Glass-Steagall, estas instituições bancárias tornaram-se gigantes. Poderemos questionar-nos: como conseguiram