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crise, Timothy Geithner, um homem que ajudou o Goldman Sachs a ganhar dinheiro no processo das hipotecas. O presidente Obama escolheu para presidente da Fed de Nova Iorque o senhor William Dudley, economista chefe do Goldman Sachs e co-autor com o professor Hubbard do famoso texto a defender a desregulação dos derivados. O presidente Obama escolheu ainda para presidente da Comissão de Comércio de Futuros o senhor Gary Gensler, antigo executivo do Goldman Sachs que ajudou a proibir a regulação dos derivados."

O procurador do Tribunal Penal Internacional calou-se por um momento,

deixando

estes

factos

assentaram

na

sala.

"Ou seja, Barack Obama nomeou lobos para protegerem os cordeiros", concluiu. "Foi eleito com a promessa de tudo mudar, mas na verdade nada fez. Escolheu para regular o mercado as mesmas pessoas que o tinham desregulado, e os resultados foram os previsíveis. Sob o seu mandato ninguém foi processado nem nenhuma grande investigação foi aberta para apurar responsabilidades. Pior ainda, o presidente Obama não promulgou nenhuma lei a alterar o sistema de bónus da banca, responsável pelo comportamento suicida de muitos bancos. Não propôs nenhuma lei que repusesse a divisão entre banca tradicional e banca de investimentos, prevista na defunta Lei Glass-Steagall. Não fez nenhuma lei a regular o mercado dos derivados e outros produtos financeiros de grande complexidade, responsáveis directos pela crise. Não criou nenhuma lei que obrigasse os grandes bancos a separarem-se em unidades mais pequenas, de modo que não voltem a existir bancos 'demasiado grandes para caírem'. Na verdade, e se formos a ver bem, os bancos até se tornaram maiores durante a crise devido às sucessivas fusões. O JP Morgan cresceu com a compra do Bear Stearns, o Bank of America ficou mais gigantesco após adquirir o Merrill Lynch, o Wells Fargo atingiu dimensões estratosféricas com a aquisição do Citigroup. Ou seja, todos os ingredientes que conduziram ao colapso de 2008 permanecem intactos. Todos." Fez um gesto teatral na direcção da imagem na tela. "O presidente Obama, meritíssimo juiz, ocupa 405

assim um lugar de relevo na nossa lista de suspeitos e é por isso indiciado neste processo."

Após uma curta vénia, Carlo del Ponte dirigiu-se à sua mesa e sentou-se. A sala permaneceu por um longo instante absolutamente muda, até que um clamor imenso se ergueu da plateia e os espectadores, libertando-se do transe em que pareciam mergulhados, ergueram-se e aclamaram o trabalho do procurador.

Constatando que o acusador do Tribunal Penal Internacional havia concluído a indiciação dos suspeitos, e depois de aguardar que a ovação se desvanecesse, o juiz Axel Seth pigarreou.

"Agradeço ao senhor procurador os seus esforços meritórios", começou por dizer. "Antes de concluir esta sessão preliminar e formalizar a indiciação dos suspeitos, gostaria de saber junto da procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional, professora Agnès Chalnot, se dá por encerrada a fase de acusação."

A jurista levantou-se do seu lugar e, com um papel na mão, encarou o juiz.

"Não tinha mais nenhuma acusação prevista, meritíssimo", afirmou.

"Porém, há cerca de duas horas recebi uma moção inesperada com elementos que poderão revelar-se muito pertinentes para este processo. O

meritíssimo vê algum inconveniente na sua inclusão?"

"Depende", respondeu o juiz, cauteloso. "Esses elementos resultam da investigação dos elementos da sua equipa?"

"Sim, meritíssimo. O inquérito foi conduzido por um investigador meu, que infelizmente não está presente, mas a apresentação será feita por outra pessoa."

O juiz Seth esboçou uma expressão de indiferença. "Não vejo inconveniente. Prossiga."

A procuradora-chefe virou-se para trás e passou os olhos pelo público que enchia o Salone dei Cinquecento até se fixar num homem sentado numa das pontas de uma fila de cadeiras, na retaguarda.

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"A acusação chama Tomás Noronha."

407

LX

Quando o nome de Tomás Noronha foi pronunciado no Salone dei Cinquecento do Palazzo Vecchio, a multidão reagiu com curiosidade. O

burburinho elevou-se ligeiramente acima do normal e as cabeças voltaram-se em todas as direcções para tentar perceber quem era e onde estava a pessoa invocada pela procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional.

Ao fim de alguns segundos, o público apercebeu-se de que um homem alto, de cabelo castanho e olhos verdes, percorria o corredor lateral em direcção à plataforma.

Cruzaram-se cochichos entre as italianas, no meio de esgares de admiração e risadinhas cúmplices.

"Ma che uomo bello!", soprou uma.

"Un vero Marco Antonio!", atirou outra.

"Bellissimo, bellissimo!"

Alheio ao rumorejar indistinto que o rodeava, Tomás subiu à plataforma e abeirou-se da professora Agnès Chalnot.

"Meritíssimo", disse ela voltando-se para o juiz, "dá licença que passe a palavra ao professor Noronha?" Axel Seth pareceu baralhado.

"Desculpe, professora Chalnot, mas primeiro gostaria que esclarecesse quem é esse senhor e o que faz aqui."

"Certamente, meritíssimo", acedeu a procuradora-chefe, tocando no braço do recém-chegado. "O professor Tomás Noronha possui um doutoramento em História e, além da docência universitária em Lisboa, tem estado envolvido em diversas peritagens em todo o mundo ao serviço de várias instituições, incluindo a Fundação Gulbenkian e o Museu Arqueológico de Atenas."

"Um doutoramento em que área, professora Chalnot? História 408

Económica?"

A procuradora-chefe consultou uma cábula que segurava na mão.

"Línguas Antigas, meritíssimo."

O juiz Seth alçou a sobrancelha esquerda, uma objecção a ganhar forma na sua mente.

"Que eu saiba essa matéria está totalmente fora do âmbito do processo que temos em mãos", constatou. "Não sei se posso aceitar esse depoimento."

"Com certeza que pode, meritíssimo", devolveu a procuradora-chefe com firmeza. "Pode e, se me permite o atrevimento, deve." Espreitou de novo a cábula. "Nos termos da lei que enquadra o funcionamento do Tribunal Penal Internacional, cláusula sétima, alínea três, o acusador tem liberdade e plenos poderes para contratar os investigadores que entender, desde que respeite o orçamento que lhe está atribuído. Quer que lhe recorde o texto ipsis verbis?"

"Não é preciso, obrigado", foi a resposta. "O professor Noronha é um investigador contratado por si?"

"A partir deste momento é, meritíssimo."

O juiz respirou fundo, ultrapassando a objecção. "Nesse caso, pode prosseguir."