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fazendo um gesto a indicar Carlo del Ponte. "O senhor procurador apurou responsabilidades e indiciou suspeitos ligados ao colapso da bolha do imobiliário e da banca americana em 2008. Acontece que a crise, como o meritíssimo bem sabe, não se limitou à América. A Europa foi profundamente abalada, começando pelo Leste, pelos países bálticos e pela Islândia e acabando na própria zona euro. Por muitas culpas que tenham, e têm, os senhores Obama, Bush, Greenspan, Summers e companhia não são responsáveis pelos problemas europeus. A crise na Europa foi criada na própria Europa."

"Lamento", corrigiu o juiz, "mas toda a gente sabe que foi o colapso de 2008 nos Estados Unidos que provocou a crise europeia."

Apesar da insistência de Axel Seth, o português manteve-se firme na sua posição.

"O colapso de 2008, meritíssimo, apenas apressou uma crise que já estava em gestação na Europa devido à transferência da produção para a Ásia, aos erros na arquitectura do euro e à má governação em vários países. Se não fosse a falência do Lehman Brothers, seria outra coisa qualquer a gerar a crise europeia. Admito que, sem a crise americana, a crise das dívidas soberanas na Europa só viria a ocorrer mais tarde, mas que ninguém duvide que essa ocorrência era inevitável porque a zona euro sofria de desequilíbrios estruturais que não eram sustentáveis e porque a produção de bens se transferiu do Ocidente para a Ásia. Ora, e como todos sabemos, o que não é sustentável não se sustentará. O colapso de 2008 foi o abalo que fez desmoronar mais cedo o baralho de cartas do euro e da economia ocidental."

O juiz fez uni gesto impaciente com a mão.

"Está bem, está bem", concedeu, sem vontade de se embrenhar numa discussão. "Prossiga."

O historiador teve de se concentrar para retomar o fio condutor da sua exposição.

"Pois, dizia eu que..." Fez uni esforço de memória. "Enfim, os dois 415

técnicos franceses contactaram um responsável para lhe comunicar o teor do material que tinham recolhido. Parece, no entanto, que o contacto não correu bem e os técnicos sentiram-se ameaçados e puseram-se em fuga."

"Ameaçados?", estranhou o juiz. "Ameaçados por quem?"

"Pelos vistos o responsável por eles contactado não era inteiramente alheio às actividades ilegais que constavam das escutas, se é que me faço entender."

"Quem era esse responsável?"

"Infelizmente ignoro-o, meritíssimo. Apenas sei, com base em documentos que me foram entregues pelo meu amigo Filipe Madureira, que os dois técnicos foram de algum modo informados de que o Filipe estava encarregado pela senhora procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional de investigar a crise e, em desespero de causa, entraram em contacto com ele. Entregaram-lhe o DVD e depois desapareceram. Uma semana mais tarde os seus corpos foram encontrados num apartamento em Nice."

O juiz arregalou os olhos.

" E s t á a i n s i n u a r q u e f o r a m . . . a s s a s s i n a d o s ? " "Torturados e assassinados, sim. É o que está escrito no relatório da autópsia."

A procuradora Chalnot acenou com uni papel.

"Está aqui o relatório, meritíssimo! Vou juntá-lo aos autos." "Muito bem", concedeu Axel Seth, mantendo a atenção concentrada em Tomás. "E o seu amigo?"

"Pouco depois da morte dos dois técnicos franceses, o Filipe começou a ser perseguido e viu as suas contas bancárias bloqueadas.

Entrou em pânico e, percebendo que o DVD mexia com interesses ao mais alto nível, cortou os contactos com toda a gente." Indicou a procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional. "Até com a professora Chalnot. Pura e simplesmente, não sabia em quem confiar. Apesar de ter ficado sem meios para se sustentar, arranjou maneira de partir para 416

Portugal, o seu país de origem, e contactar as duas únicas pessoas em quem confiava, uma agente espanhola da Interpol e eu."

"Onde está o senhor Madureira?"

"Infelizmente, foi abatido. Um atirador baleou-o em Lisboa." O juiz Seth abriu e fechou a boca, uma expressão incrédula a bailar-lhe nos olhos.

"Outro homicídio?", admirou-se, quase escandalizado. "Isto já me está a parecer Hollywood a mais! Tem a certeza do que está a dizer?"

"Ele pelo menos perdeu a consciência nos meus braços", confirmou Tomás. "A informação oficial da polícia portuguesa é que o Filipe morreu. Contudo, ontem recebi um e-mail dele a dizer-me que tinha escapado e que está internado no hospital."

Axel Seth revirou os olhos, contrariado.

"Mau, mau!", exclamou com um certo ar de enfado. "Tudo isto está demasiado confuso para o meu gosto. Afinal morreu ou não?"

Fez uma pausa, como se aguardasse resposta, mas como nenhuma foi dada prosseguiu. "E esse DVD? Onde está ele? O senhor tem-no consigo?"

"Não. O Filipe nunca mo entregou."

O juiz enrubesceu e virou a sua atenção para a procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional.

"Professora Chalnot, tudo isto me parece suspeito e duvidoso.

Este seu colaborador vem para aqui com uma história do faroeste e pelos vistos não tem nenhum documento na sua posse que a consubstancie, nem o tal DVD onde supostamente se encontram gravações comprometedoras. Pior ainda, veio para aqui contar a história de um morto que agora lhe envia e-mails do Além. A senhora procuradora-chefe estará por acaso a fazer pouco de mim? Este processo é demasiado importante para andarmos aqui com brincadeiras!"

"Meritíssimo, estamos apenas a expor os factos tal como os conhecemos", respondeu a professora Chalnot, atrapalhada. "Eu sei 417

que tudo isto parece bizarro, mas se as coisas aconteceram deste modo rocambolesco o que podemos fazer?"

O juiz não parecia convencido. Lançou a Tomás um olhar furioso, a roçar o ultimato.

"Onde está esse DVD?"

"Não o tenho, já disse."

Axel Seth fitou-o por um longo momento com uma expressão pensativa; era claro que avaliava o assunto e ponderava uma decisão.

"Oiça, com o DVD o senhor tem uni caso", sentenciou. "Sem DVD

não há caso nenhum." Pegou no martelo e preparou-se para bater com ele na mesa. "Assim sendo, cumpre-me o dever de pôr fim a esta..."

"Apresento-o amanhã."

As palavras de Tomás tiveram o condão de interromper o juiz a meio da frase. Seth suspendeu o movimento do braço com o martelo e voltou a olhar o historiador.

"Afinal tem ou não tem o DVD?"

"Não o tenho agora, mas tenho-o amanhã."

O juiz esboçou um esgar inquisitivo.

"Porquê amanhã e não agora?"

"Porque o Filipe deu-me indicação do local onde se encontra escondido o D VD, mas ainda não fui lá." "Que indicação é essa?"

"Veremos amanhã."

O olhar de Seth carregou-se de cólera mal contida.

"Professor Noronha, aconselho-o a respeitar este tribunal!", avisou com uma voz ameaçadora. "Faz favor de me dizer que indicação lhe foi dada, para que eu melhor possa avaliar a situação."

O português deixou descair os ombros, vencido. "A indicação é um criptograma que tenho estado a decifrar", revelou. "Dá-me licença que me aproxime?" "De mim? Bem... sim."

Depois de tirar o seu bloco de apontamentos de uma mala, o historiador abeirou-se da secretária do juiz.

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"Não posso ler o criptograma em voz alta, não vá alguma das pessoas presentes decifrá-lo e chegar ao material antes de nós", explicou, pousando o bloco na mesa. "O segredo para chegar ao DVD