- Não se sinta mal por ele, Gwen. - Dirk advertiu. - Ele teria me enviado para a morte, e Jaan também, sem um momento de hesitação. Garse Janacek está morto, assim como vários dos Braiths e emerelianos inocentes em Desafio... e tudo isso pelo amigo Arkin. Ou não?
- Agora é você quem fala como Garse - ela disse. - O que você me disse? Que eu tinha olhos de jade? Olhe para você mesmo, Dirk! Bem, suponho que esteja certo.
- O que faremos com ele agora?
- Vamos libertá-lo - ela respondeu. - Pelo menos por enquanto. Jaan não deve suspeitar do que aconteceu de verdade. Isso o destruiria, Dirk. Então Arkin Ruark será nosso amigo novamente. De acordo?
- Sim - ele concordou. O rugido do fogo se transformara em um estalar suave, Dirk percebeu; estava quase em silêncio. Olhando de relance na direção do aeromóvel, viu que o inferno estava se apagando. Alguns focos de incêndio dispersos tremulavam fracamente entre as ruínas, jogando uma luz imprecisa sobre a cidade desfeita e fumegante. A maior parte das torres havia caído, e as que permaneceram estavam completamente em silêncio. O vento era somente vento.
- O amanhecer chegará logo - Gwen observou. - Precisamos partir.
- Partir?
- De volta a Larteyn, se Bretan não a destruiu também.
- Ele tem um jeito violento de lamentar - Dirk concordou. - Mas Larteyn é seguro?
- E hora de acabar com o esconde-esconde - Gwen falou. - Não sou inconsciente agora, e não sou uma betheyn indefesa que precisa ser protegida - ergueu o braço direito; os distantes fogos iluminaram o ferro opaco. - Sou teyn de Jaan Vikary, batizada em sangue, e tenho minha arma. E você... você mudou também, Dirk. Você não é mais korariel, sabe disso. Você é um keth. Estamos juntos neste momento. Somos jovens e fortes, e sabemos quem são nossos inimigos e como encontrá-los. E nenhum de nós pode ser Jadeferro novamente... sou uma mulher, Jaan é um renegado e você é um quase-homem. Garse era o último Jadeferro. Garse está morto. Os acertos e erros de Alto Kavalaan e do grupo Jadeferro morreram com ele, creio, pelo menos neste mundo. Não há códigos em Worlorn, lembra? Nem Braiths ou Jadeferros, apenas animais tentando matar uns aos outros.
- O que está dizendo? - Dirk perguntou, embora a entendesse.
- Estou dizendo que estou cansada de ser caçada, perseguida e ameaçada - Gwen explicou. Seu rosto sombrio era ferro negro; seus olhos queimavam ardentes e ferozes. - Estou dizendo que é hora de nós sermos os caçadores!
Dirk a contemplou em silêncio por um longo tempo. Ela estava muito bonita, ele pensou, bonita do mesmo jeito que Garse Janacek fora bonito. Estava um pouco como o banshee... e lamentou secretamente por sua Jenny, sua Guinevere que nunca existiu.
- Você está certa - disse lentamente.
Ela se aproximou e o envolveu com os braços antes que ele pudesse reagir. Abraçou-o com toda sua força. As mãos dele se ergueram lentamente para abraçá-la também, e ficaram assim por uns bons dez minutos, esmagados um contra o outro, o suave rosto dela contra a barba por fazer dele. Quando Gwen finalmente se afastou, levantou o rosto, esperando que ele a beijasse, então ele a beijou. Fechou os olhos; os lábios dela eram secos e duros.
A Fortaleza de Fogo estava fria ao amanhecer. O vento rodopiava em violentas rajadas; o céu estava cinza e nebuloso.
No telhado do edifício deles encontraram um cadáver.
Jaan Vikary desceu cuidadosamente, de rifle na mão, enquanto Gwen e Dirk davam cobertura da relativa segurança do aeromóvel. Ruark ficou sentado em silêncio no assento de trás, aterrorizado. Eles o haviam libertado antes de deixar as cercanias de Kryne Lamiya, e todo o caminho de volta estivera ora emburrado, ora exultante, sem saber o que pensar.
Vikary inspecionou o corpo, que jazia em frente aos elevadores, e voltou ao veículo.
- Roseph Alto-Braith Kelcek - informou.
- Alto-Larteyn - Dirk lhe recordou.
- É verdade - ele concordou, franzindo o cenho.
- Alto-Larteyn. Está morto há várias horas, pelo que percebi. Quase metade de seu peito foi arrebentada por um projétil. Sua própria pistola está embainhada.
- Um projétil? - Dirk perguntou.
Vikary assentiu.
- Bretan Braith Lantry é conhecido por usar armas assim em duelo. É um notável duelista, mas acho que escolheu a pistola de projétil apenas duas vezes, nas raras vezes em que não bastava apenas ferir o adversário. Um laser de duelo é um instrumento limpo e preciso. Essa arma de Bretan Braith, não. Uma arma dessas é concebida para matar, mesmo que o alvo não seja perfeitamente atingido. É uma coisa descomunal e malfeita, para duelos curtos e mortais.
Gwen olhava fixamente para onde Roseph jazia como uma pilha de trapos. Suas roupas tinham a cor empoeirada do telhado, e agitavam-se erraticamente ao vento.
- Isso não foi um duelo - ela falou.
- Não - Vikary concordou.
- Mas, por quê? - Dirk questionou. - Roseph não era ameaça para Bretan Braith, era? Além disso, o código de honra... Bretan ainda é um Braith, não é? Então ele ainda é sujeito ao código, certo?
- Bretan sem dúvida é um Braith, e esse é o motivo que você busca, Dirk t'Larien - Vikary disse. - Isso não é duelo. Isso é alta-guerra, Braith contra Larteyn. Há poucas regras na alta-guerra; qualquer adulto do sexo masculino do grupo inimigo é uma presa justa, até que a paz venha.
- Uma Cruzada - Gwen comparou, rindo. - Isso não se parece muito com Bretan, Jaan.
- Mas é muito típico do velho Chell - Vikary replicou. - Suspeito que seu teyn jurou fazer isso, enquanto o velho morria. Se for verdade, Bretan mata sob juramento, não simplesmente pela dor. E terá pouca misericórdia.
No assento de trás, Arkin Ruark inclinou-se para a frente com avidez.
- Mas isso é magnífico! - exclamou. - Sim, escutem-me, isso é ótimo. Gwen, Dirk, Jaan, meu amigo, escutem. Bretan matará todos eles para nós, não é? Matará um após o outro, sim. Ele é inimigo dos nossos inimigos, tivemos muita sorte, completa verdade.
- Seu provérbio kimdissiano não se aplica neste caso - Vikary explicou. - A alta-guerra entre Bretan Braith e os Larteyns não o torna nosso amigo, exceto por acidente. Sangue e alto agravo não são esquecidos com tanta facilidade, Arkin.
- Sim - Gwen concordou. - Não era Lorimaar que ele suspeitava estar escondido em Kryne Lamiya, você sabe. Ele queimou aquela cidade no esforço de nos capturar.
- Um palpite, um mero palpite - Ruark resmungou. - Talvez tivesse outros motivos, razões próprias, quem sabe? Talvez estivesse louco, enfurecido de dor, sim.
- Vou lhe propor uma coisa, Arkin - Dirk falou. - Deixaremos você em campo aberto, e se Bretan aparecer, você perguntará para ele.
O kimdissiano recostou-se e olhou para ele com estranheza.
- Não - disse. - Não. É mais seguro ficar com vocês, meus amigos, vocês me protegerão.
- Nós o protegeremos - Jaan Vikary confirmou. - Você fez muito por nós.
Dirk e Gwen trocaram olhares.
Viraky colocou o aeromóvel em súbito movimento. Levantaram vôo e se afastaram do telhado, sobre as ruas opacas de Larteyn.
- Onde...? - Dirk perguntou.
- Roseph está morto - Vikary falou. - Mas ele não era o único caçador. Faremos um censo, meus amigos, faremos um censo.
O edifício que Roseph Alto-Braith Kelcek partilhava com seu teyn não ficava muito longe da residência dos Jadeferros, e era muito próximo aos elevadores subterrâneos. Era uma grande estrutura quadrada com um telhado abobadado metálico e um pórtico suportado por colunas de ferro negro. Aterrissaram nas proximidades e se aproximaram sigilosamente.