Dois cães Braiths estavam acorrentados às colunas, na frente da casa. Ambos mortos. Vikary examinou-os.
- Suas gargantas foram queimadas com um laser de caça disparado a alguma distância - informou. - Uma morte segura e silenciosa.
Manteve-se do lado de fora, empunhando o rifle laser, alerta, montando guarda. Ruark permaneceu ao seu lado. Gwen e Dirk foram enviados para fazer uma busca no edifício.
Encontraram numerosas câmaras vazias, e uma pequena sala de troféus com quatro cabeças; três delas eram antigas e secas, com a pele esticada como couro, as feições quase animalescas. A quarta, Gwen afirmou, era um filho da lesma vinhonegrino, recém-caçado, pela aparência. Dirk tocou o couro que cobria alguns móveis com suspeita, mas Gwen sacudiu a cabeça negativamente.
Outro aposento, ali perto, estava cheio de miniaturas: banshees e matilhas de lobos, soldados lutando com espadas e facas, homens enfrentando monstros grotescos em estranhos combates. Todas as cenas eram detalhadamente representadas em ferro, cobre e bronze.
- Trabalho de Roseph - Gwen disse com indiferença quando Dirk parou e pegou uma das figuras para examinar mais de perto. Ela fez sinal para que seguissem em frente.
O teyn de Roseph estivera comendo. Encontraram seu cadáver na sala de jantar. Sua refeição - um grosso ensopado de carne e vegetais em um caldo sanguinolento e pedaços de pão preto ao lado - estava fria e consumida só pela metade. Uma caneca de estanho cheia de cerveja escura repousava ao lado na comprida mesa de madeira. O corpo do kavalariano estava a quase um metro de distância, ainda na cadeira. Mas a cadeira estava tombada para trás, e havia uma mancha escura na parede atrás dela. O homem não tinha mais rosto.
Gwen parou sobre ele, franzindo o cenho, o rifle pendurado casualmente embaixo de um braço, apontando para o chão. Pegou a cerveja e tomou um gole antes de passar a caneca para Dirk. A bebida estava tépida e rançosa, há tempos sem espuma.
- Lorimaar e Saanel? - Gwen perguntou quando estavam novamente do lado de fora, sob as colunas de ferro.
- Duvido que já tenham retornado da floresta - Vikary comentou. - Talvez Bretan Braith esteja em algum lugar de Larteyn esperando por eles. Sem dúvida, viu Roseph e Chaalyn chegando ontem. Talvez esteja à espreita aqui por perto, esperando apanhar seu inimigos um a um, conforme retornam para a cidade. Mas acho que não.
- Por quê? - quis saber Dirk.
- Lembre-se, t'Larien, nós chegamos ao amanhecer, e em um carro sem blindagem. Ele não nos atacou. Ou estava dormindo, ou não está mais por aqui.
- Onde você acha que ele está?
- No bosque, caçando os caçadores - Vikary respondeu. - Apenas dois Larteyns permanecem vivos para encará-lo, mas Bretan Braith não tem como saber isso. Até onde ele sabe, Pyr, Arris e até mesmo o velho Raymaar Uma-Mão estão vivos, e serão contados como inimigos. Meu palpite é que ele pretende atacá-los de surpresa, talvez temendo que, de outro modo, possam voltar à cidade em grupo e, ao descobrir seus kethi assassinados, se dar conta de suas intenções.
- Então devíamos fugir, sim, antes que ele volte - afirmou Arkin Ruark. - Ir para algum lugar seguro, longe dessa loucura kavalariana. Décimo-Segundo Sonho, sim! Para Décimo-Segundo Sonho! Ou para Musquel, ou Desafio, qualquer lugar. Chegará uma nave em breve, e então estaremos a salvo. O que me dizem?
- Digo que não - Dirk discordou. - Bretan nos encontrará. Lembra da maneira quase sobrenatural que encontrou Gwen e eu em Desafio? - olhou fixo para o kimdissiano, que empalideceu visivelmente.
- Ficaremos em Larteyn - Vikary decidiu com firmeza. - Bretan Braith Lantry é um único homem. Somos quatro, e três de nós, armados. Se ficarmos juntos, estaremos a salvo. Montaremos guarda. Estaremos prontos.
Gwen assentiu, tomando Jaan pelo braço.
- Concordo - disse. - Bretan pode não sobreviver a Lorimaar.
- Não - o kavalariano discordou. - Não, Gwen. Acho que está errada. Bretan Braith sobreviverá a Lorimaar. Disso tenho certeza.
Por insistência de Vikary, fizeram uma busca pela grande garagem subterrânea antes de deixar os arredores da residência de Roseph. Sua aposta valeu a pena. Com seu próprio aeromóvel roubado em Desafio, e logo depois destruído, Roseph e seu teyn haviam tomado emprestado o veículo de Pyr para retornar da floresta; o carro estava estacionado ali embaixo. Jaan o pegou. Não chegava nem perto da maciça relíquia de guerra verde-oliva de Janacek, mas ainda era muito mais formidável do que o carrinho de Ruark.
Depois buscaram abrigo. Ao longo das muralhas da cidade de Larteyn, sobre a empinada parede rochosa que descia até a distante Comuna, havia uma série de torres de vigilância com postos de guarda na parte de cima e alojamentos na parte de baixo, dentro das próprias muralhas. As torres, cada uma com uma grande gárgula de pedra empoleirada no topo, eram estritamente ornamentais, um adorno que dava um ar de autenticidade à cidade kavalariana do Festival. Mas eram facilmente defensáveis e davam uma excelente visão de Larteyn. Gwen escolheu uma aleatoriamente e foram para lá, passando antes no antigo apartamento em busca de objetos pessoais, comida e da documentação quase esquecida (pelo menos por Dirk) sobre as pesquisas ecológicas que ela e Ruark conduziram nos bosques de Worlorn. Uma vez em segurança, se dispuseram a esperar.
Dirk percebeu mais tarde que aquilo foi a pior coisa que podiam ter feito. Sob a pressão da inatividade, todas as fissuras começaram a aparecer.
Organizaram um sistema de turnos, de modo que duas pessoas estavam sempre de guarda na torre, armadas com lasers e com os binóculos de campo de Gwen. Larteyn estava cinzenta, vazia e desolada. Havia pouco para os observadores fazerem, exceto estudar o lento fluir das luzes nas ruas de pedrardente, e conversar. Em geral, conversavam.
Arkin Ruark compartilhava os turnos de guarda com os outros, e aceitara o rifle laser que Vikary lhe empurrara, ainda que com certa relutância. Mais de uma vez argumentou que a violência o repugnava, que nunca poderia disparar o laser, não importava a circunstância. Mas concordou em ficar com a arma, sob o pedido de Jaan Vikary. Suas relações com todos mudara radicalmente. Permanecia perto de Jaan o mais que podia, reconhecendo que o kavalariano era seu real protetor agora. Era cordial com Gwen. Ela lhe pedira perdão pelo que acontecera em Kryne Lamiya, afirmando que o medo e a dor a levaram temporariamente à paranóia. Mas não era mais a "doce Gwen" para Ruark; a cada dia a amargura entre eles vinha mais à tona. Em relação a Dirk, o kimdissiano mantinha uma atitude inquieta e suspeita, alternadamente afogando-o em companheirismo e depois recuando à normalidade quando ficava claro que Dirk se mostrava reticente. Os comentários de Ruark durante a primeira guarda que fizeram juntos indicaram para Dirk que o ecologista esperava desesperadamente pela nave da Orla, Teric neDahlir, que chegaria na semana seguinte. Parecia não querer outra coisa além de permanecer em segurança e escondido e fugir do planeta assim que possível.
Gwen Delvano esperava por algo completamente diferente, Dirk pensou. Enquanto Ruark perscrutava o horizonte com apreensão, Gwen estava tensa de tanta ansiedade. Ele se lembrava das palavras que ela havia dito quando conversaram nas sombras da Kryne Lamiya destruída pelo fogo. "É hora de nós nos tornarmos os caçadores", afirmara. Ainda pretendia isso. Quando ela e Dirk partilhavam a vigia, Gwen fazia todo o trabalho. Sentava-se ao lado da estreita janela do posto de vigilância com uma paciência quase infinita, os binóculos pendurados entre os seios, os braços descansando no peitoril, jade-e-prata perto de ferro vazio. Conversava com Dirk sem olhar para ele; toda sua atenção estava direcionada para o lado de fora. Exceto quando tinha de ir ao banheiro, Gwen se recusava a sair da janela. De tempos em tempos, pegava os binóculos e estudava algum edifício distante onde vislumbrara movimento, e com menos freqüência pedia uma escova para Dirk e começava a alisar o longo cabelo negro, que estava constantemente emaranhado pelo vento.