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A OUTRA FACE

(THE NAKED FACE)

Escrito por Sidney Sheldon, em 1970.

18ª Ediçäo.

Judd Stevens é um psicanalista que subitamente se torna vítima de uma estranha conspiração.

Vários crimes ocorrem ao seu redor e ele suspeita de que seja ele próprio o verdadeiro autor dos assassinatos. Mas seria essa a verdade ou ele estaria começando a sofrer de paranóia, matando as vítimas em momentos de privação de sentidos?

O que quer que fosse, Judd Stevens tinha que encontrar a verdade. Em si mesmo ou nos outros.

Estaria a verdade em John Hanson, um homem casado, pai de três filhos, dominado por uma invencível compulsão para o homossexualismo?

Estaria a verdade em Teri Washburn, outrora grande estrela de Hollywood, ninfomaníaca que ocultava um crime terrível em seu passado?

E o que dizer de Anne Blake, jovem, meiga e linda paciente por quem Judd Stevens se apaixonara, mas sobre a qual quase nada sabia?

Talvez a verdade fosse encontrada em Harrison Burke, paranóico com tendências homicidas, vice-presidente de uma poderosa empresa de âmbito internacional.

E quem seriam os misteriosos assassinos? Amadores? Profissionais? Gente da Costa Nostra?

Em busca da verdade Judd Stevens enfrenta todos os perigos, num crescendo de emoção que só o autor como Sidney Sheldon nos poderia proporcionar.

Capítulo 1

Faltavam dez minutos para as onze horas da manhã quando o céu explodiu numa chuva de

confeites brancos, que rapidamente estendeu uma mortalha branca sobre a cidade. A neve macia se esparramou pelas ruas já congeladas de Manhattam, cobrindo-as com um lençol acinzentado. O vento frio de dezembro fustigou os que faziam as compras de Natal, obrigando-os a procurar refúgio em suas casas e apartamentos.

Em Lexington Avenue, um homem alto e magro, metido numa capa de chuva amarela,

deslocava-se no meio da apressada multidão de Natal, mas num ritmo próprio. Ele caminhava

rapidamente, mas seus passos não eram frenéticos como os dos outros transeuntes, que procuravam escapar ao frio. Estava com a cabeça levantada e parecia alheio às outras pessoas, que volta e meia nele esbarravam. Estava livre depois de uma vida de purgatório, e ia para casa, para dizer a Mary que tudo acabara. O passado ia enterrar seus mortos e o futuro era brilhante e promissor. E ele pensava no rosto de Mary, radiante quando ele lhe contasse as boas-novas. Ao chegar à esquina da Rua 59, o sinal mudou para vermelho e ele parou, com a multidão impaciente. A poucos passos estava um Papai Noel do Exército da Salvação, junto a um enorme caldeirão. O homem meteu a mão no bolso para pegar algumas moedas e ofertá-las aos deuses da sorte. Nesse mesmo instante alguém bateu-lhe nas costas, um golpe súbito e doloroso, que se espalhou por todo o seu corpo. Era algum bêbado de Natal excessivamente entusiasmado, procurando demonstrar a sua cordialidade para com o mundo.

Ou então Bruce Boyde, que nunca compreendera a força que tinha e jamais perdera o hábito

infantil de magoá-lo fisicamente. Mas ele não via Bruce há mais de um ano. O homem alto e magro tentou virar a cabeça para ver quem lhe batera nas costas. Foi nesse momento que percebeu, espantado, que seus joelhos estavam começando a se dobrar. Em câmara lenta, como se estivesse a observar a si próprio à distância, ele viu seu corpo cair na calçada. A dor nas costas era intensa e se irradiava pelo resto do corpo. Ele começou a sentir dificuldade em respirar. Diante do seu rosto havia um desfile de sapatos, que pareciam animados por uma vida própria. Começou a sentir o rosto entorpecido pelo frio da calçada. Sabia que não deveria ficar ali deitado. Abriu a boca para pedir a alguém que o ajudasse, e uma torrente quente e vermelha por ela escorreu, misturando-se com a neve semiderretida. Ele ficou observando, fascinado e aturdido, o rio vermelho avançar pela calçada e desaparecer na sarjeta. A dor estava pior agora, mas ele não lhe deu a menor importância, ao se recordar subitamente da boa notícia que levava para Mary. Ele estava livre. E ia dizer a Mary que estava livre. Fechou os olhos, contra a brancura ofuscante do céu. A neve começou a se transformar em granizo, mas ele não o mais podia sentir coisa alguma.

Capítulo 2

Carol Robert ouviu a porta da sala de recepção abrir e fechar e os homens entrarem. E antes

mesmo de levantar os olhos já sabia o que eles eram. Eram dois. Um tinha quarenta e poucos anos e era grande, com mais de 1,90 metros, muito forte. A cabeça era imensa, com olhos azuis fundos e glaciais, a boca contraída numa expressão de cansaço e sem qualquer cordialidade. O outro era mais jovem. Tinha feições delicadas e sensíveis, olhos castanhos e alertas. Os dois pareciam completamente diferentes, mas para Carol era como se fossem gêmeos idênticos.

Eram tiras. Era a isso que cheiravam. Quando se aproximaram de sua mesa, Carol sentiu

gotas de suor escorrerem por suas axilas, apesar do escudo antitranspirante. Freneticamente, sua mente rebuscou todas as áreas traiçoeiras em que era vulnerável. "Chick? Oh, não, há mais de seis meses que ele não se metia em encrencas"! Desde aquela noite no apartamento dele, quando Chick a pedira em casamento e prometera largar a quadrilha.

“Sammy? Ele estava no exterior, na Força Aérea. Se algo tivesse acontecido ao seu irmão”,

não mandariam dois tiras levar-lhe a notícia. não, eles tinham vindo até ali para agarrá-la “. Ela tinha erva na bolsa e um miserável a denunciara. Mas porquê dois? Carol disse a si mesma que eles não podiam pegá-la assim, sem mais nem menos. Ela não era mais uma garota negra do Harlem que os tiras prenderiam quando bem desejassem. Isso pertencia ao passado. Ela era agora a recepcionista de um dos maiores psicanalistas do país. Mas entrou em pânico. não perdera ainda a lembrança terrível dos muitos anos que passara escondendo-se em casas de cômodos fedorentos e apinhadas, enquanto a Lei dos brancos arrombava a porta e levava um pai, uma irmã ou um primo.

Mas Carol não deixou que a perturbação que sentia transparecesse em seu rosto. A vista,

tudo o que os dois detetives puderam ver foi uma jovem negra, num elegante vestido bege. A voz de Carol era fria e impessoal quando indagou:

- Posso ajudá-los em alguma coisa?

O Tenente Andrew McGreavy, o mais velho dos dois, percebeu a mancha de suor aumentar

sob a axila de Carol. Automaticamente ele classificou a informação como interesse, para algum uso futuro. A recepcionista do médico estava tensa. McGreavy tirou a carteira com o emblema pregado na imitação de couro rachada pelo uso.

- Tenente McGreavy, do 19º Distrito.

Ele sacudiu a cabeça na direção do companheiro e acrescentou:

- Detetive Angeli. Somos da divisão de Homicídios. "Homicídios"? - um músculo do braço de Carol começou a tremer, involuntariamente. "Chick! Ele matara alguém. Quebrara a promessa que lhe fizera e voltara para a quadrilha, praticara um assalto e atirara em alguém ou… Será que fora ele quem levara o tiro? Estaria morto? Era isso que tinham vindo dizer-lhe?", - pensou. Carol sentiu a mancha de suor aumentando. E subitamente ela compreendeu que McGreavy percebera a mancha de suor, apesar de estar olhando para o rosto dela. Carol e os McGreavys desse mundo não precisavam de palavras. Eles se reconheciam mutuamente à primeira vista. Afinal, há centenas de anos que se conheciam.

- Gostaríamos de falar com o Dr. Judd Stevens - disse o detetive mais jovem.

A voz era gentil e polida, combinando com a sua aparência. Carol notou pela primeira vez que ele segurava um pequeno embrulho, o papel pardo preso por um barbante. Carol levou um longo momento para compreender plenamente as palavras dele. "Então não era Chick… Nem Sammy… Nem a erva"!

- Lamento - disse ela, sem conseguir disfarçar inteiramente o seu alívio -, mas o Dr. Stevens está agora com um paciente.

- Vamos tomar-lhe apenas alguns minutos - disse McGreavy. - Queremos apenas fazer-lhe